CAPÍTULO III - MENDES GONÇALVES: UM GRUPO ESCOLAR NA FRONTEIRA
5. Ponta Porã: a Cidade e a Escola
6.4 A instalação do Grupo Escolar Mendes Gonçalves
6.4.2 Uns são filhos de Deus outros do Diabo
A crítica feita ao Presidente do Estado de Mato Grosso, a respeito da demora
em inaugurar o Grupo Escolar, encontrou seu eco no artigo publicado em 7 de agosto de
1927. Intitulado Grupo Escolar - Os resultados obtidos, o artigo afirma que após o
término da construção do edifício para abrigar o Grupo Escolar, o Governador do
Estado de Mato Grosso Estêvão Alves Correia, recusou-se a recebê-lo da Laranjeira,
Mendes & Cia, pelo fato de ser ela a doadora do edifício.
Construindo o Grupo, o governo não quis nomear professores, dizendo-se que assim procedia por ter sido uma doação da Empreza. [...] o presidente de então jogou uma cartada política que julgou excellente. Excesso de patriotismo! Coube ao dr. Mario Correa prestar-nos o grande serviço que hoje bemdisemos (O PROGRESSO, 1927, 285).
A recusa possivelmente se deve aos conflitos deflagrados entre a Empresa e o
Estado de Mato Grosso, em torno das questões referentes ao arrendamento da área de
ervais, assunto já discutido neste capítulo. Contudo, é interessante notar que o Estado de
Mato Grosso foi apresentado como o “vilão” que barrava o progresso de Ponta Porã. O
Governador era definido como homem de “Espírito pequenino” e “inteligência
curtíssima”, enquanto Francisco Mendes Gonçalves, foi definido como “benemérito
cidadão” que abraçou uma “ideia altruísta.”
Esta dicotomia entre Estado e Empresa era veiculada provavelmente para
barrar os cidadãos pontaporanenses que faziam oposição a Laranjeira Mendes & Cia. A
culpa pelos infortúnios de Ponta Porã, eram todas descarregadas no Poder Público.
Pouquíssimas vozes ousavam criticar a mão poderosa da Empresa, tais como o
advogado João Batista de Azevedo. A fim de convencer a população a respeito do
altruísmo da Empresa, o redator do artigo Grupo Escolar - Os resultados obtidos,
propôs contar o que ele chamou de “histórico desse estabelecimento.
Não é inopportuno contarmos aqui o histórico desse estabelecimento. Era delegado de Policia o Sr. João Gualberto Cabral, e a sua actuação tornou-se notavel pela actividade desenvolvida. Mãe, homem, pobre, estava privado de manter a sua família e os vencimentos do cargo eram insufficientes, tanto que resolvera demittir-se. Sabedor disso, e admirador da acção do delegado, o capitão Heitor Mendes propôz-se a dar-lhe pela Empreza Matte, uma gratificação mensal a fim de que continuasse elle no posto. Cabral acceitou, propondo, porém, a condição de recebel-a officialmente. Dirigindo-se no Conselho Municipal, Heitor Mendes promptificou-se a depositar nos cofres da Intendencia uma quantia, para que o Conselho arbitrasse uma gratificação ao delegado de Policia. O conselho oppôz-se. Cabral não abriu mãos dum auxilio, e confessou que muito grato ficaria se a Empreza mandasse construir um predio que servisse de Escola, pois tinha filhos a educar. (O PROGRESSO, 1927, 285).
Novamente a Empresa se via enaltecida e o aparelho de Estado, simbolizado
pela “intendência”, criticado. A forma dicotômica com a qual o jornal tratava a questão,
provavelmente, atraia a complacência de muitos dos cidadãos de Ponta Porã e a
admiração pela Laranjeira Mendes & Cia.
No mesmo dia de 08 de agosto de 1925, o Jornal O Progresso publicou o artigo
intitulado Uns são filhos de Deus outros do Diabo, manifestando o redator a sua revolta
em ver o povoado de Campo Grande, inaugurar um novo prédio para a instalação do
Grupo Escolar, e Ponta Porã, apesar de possuir o edifício do GE já terminado, ainda não
estava em funcionamento. A matéria criticou duramente os Governantes do Estado de
Mato Grosso, acusando-os de negligência no que se referia a instalação do GE na cidade
de Ponta Porã.
Evidentemente que os Filhos de Deus referia-se aos campo-grandenses que
receberam a benesse do Estado e os Filhos do Diabo tratava-se dos pontaporanenses
que estavam à mercê da vontade de seus governantes. Se de um lado o Estado de Mato
Grosso buscava naquele povoado impostos para o sustento estatal, de outro nada
oferecia para aqueles que necessitavam da mão republicana dos governantes.
Após dois anos de existência do prédio para abrigar o Grupo Escolar,
finalmente, em 06 de fevereiro de 1927, o Jornal o Progresso noticiou a nomeação do
Diretor e de professores para o Grupo Escolar, entretanto não mencionou os nomes dos
indicados para as funções. No dia 09 de fevereiro de 1927, o Jornal Gazeta Oficial
publicou o Decreto n. 752, no qual o presidente do Estado de Mato Grosso, Mario
Correa da Costa, criou o Grupo Escolar na cidade de Ponta Porã.
O Presidente do Estado de Mato Grosso attendendo á necessidade de ser creado, na cidade de Ponta Porã, um Grupo Escolar onde possa o ensino primário ser ministrado com mais efficiencia, dado o crescido numero de alunnos na edade escolar ali existente. Decreta. Art. 1 – Fica creado, na cidade de Ponta Porã, com a mesma organização dos actuais, um Grupo Escolar com a denominação de “Mendes Gonçalves” em homenagem ao Commendador Francisco Mendes Gonçalves, Presidente da S. A. Empresa Mate Laranjeira, doadora do edifício em que vae funccionar o referido grupo. Art. 2 – A Directoria Geral da Instrucção Publica providenciará sobre a sua installação, revogadas as disposições em contrario. Palacio da Presidencia do Estado de Cuiabá, 29 de Janeiro de 1927, 39º da República. Mario Correa da Costa / Carlos Gomes Borralho. Decreto de criação do Grupo Escolar, n. 752 de 9 de fevereiro de 1927 (GAZETA OFICIAL, 1927, n. 5623).
Em homenagem ao Comendador Francisco Mendes Gonçalves, Presidente da
Empresa Mate Laranjeira (Figura 20), doadora do edifício, atribui o nome de Mendes
Gonçalves ao referido estabelecimento educacional. Destacamos que referente ao
GEMG, o personagem Francisco Mendes Gonçalves, não teve ação direta na
consolidação da obra, considerando que a ação foi da Empresa Laranjeira, Mendes &
Cia, tendo como protagonista o administrador Heitor Mendes Gonçalves.
Em 13 de fevereiro do mesmo ano, o jornal O Progresso noticiou em Ponta
Porã, a criação do Grupo e publicou o nome do Diretor, o cuiabano Achilles Verlangieri
(Figura 21) professor do Liceu Cuiabano.
Em 25 de maio do mesmo ano, o Diretor, professor Achilles Verlangieri
publicou o primeiro Edital de Matrícula para o Grupo Escolar e a fim de cumprir as
prescrições da Instrução Pública, exigia aos pretendentes a carteira de vacinação e o
certidão de comprovante idade.
Edital de Matricula. Faço publico, para conhecimento dos interessados que, de conformidade com o art. 64 do regimento interno dos Grupos Escolares, em vigor, acham-se abertas, a partir de hoje e pelo prazo de 15 dias, as matriculas para as diversas classes neste Grupo Escolar. Em virtude do que preceitua o §1º do referido artigo, convido os interessados a exhibirem certidão de idade e attestado de vacinação ou revaccinação dos pretendentes á matricula. Ponta Porã 25 de Maio de 1927. Acchiles Verlangieri. Director (O PROGRESSO, 1927 n. 275).