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CAPÍTULO III - MENDES GONÇALVES: UM GRUPO ESCOLAR NA FRONTEIRA

5. Ponta Porã: a Cidade e a Escola

5.2 Escolarização republicana

A política de implantação de instituições escolares na região de Ponta Porã, foi

gerada pela própria comunidade em virtude da necessidade de escolarização dos

infantes. A esse respeito Centeno (2007) lembra que as poucas escolas que existiam

eram fruto da iniciativa da própria gente (Cf. CENTENO, 2007, p. 15). “[...] A ajuda

estatal vinha, sobretudo, dos governos municipais e, em escala quase desprezível, do

governo estadual” (CENTENO, 2007, p. 15). A cultura escolar que permeava a

comunidade pontaporanense era consolidada na perspectiva das lembranças de tempos

de escolarização vivenciados em outras partes do Brasil ou do Paraguai.

A escola enquanto realidade ordinária, não fazia parte da vida cotidiana da

população. Enquanto presença para legalizar o currículo e a ação dos professores e

demais agentes escolares, o Estado era praticamente ausente.

Dado que a grande maioria da população era formada por nativos e paraguaios,

Ponta Porã, se inseria num “Brasil a parte” do ponto de vista cultural inclusive, dado

que os costumes locais e o próprio sistema educacional eram grandemente influênciado

pelos paraguaios.

Em 1901, por meio da Lei estadual n. 294 de 11 de abril, criou-se a primeira

escola mista da cidade tendo como primeiro professor o Sr. Júlio Alfredo Mangini

(Figura 13) “[...] velho português residente no lugar, e com seus direitos já adquiridos

de cidadão brasileiro, pela grande naturalização concedida pela República de 1889”

(ROSA, 2004, p. 29).

Figura 13 – Professor Júlio Alfredo Mangini

Fonte: Museu da Erva-mate – Ponta Porã - 1920

Esse fato representou uma conquista para o lugar, pois devido a precariedade

do sistema de ensino e a falta de docentes qualificados, a contração de professores era

tarefa difícil.

A fim de prover a fiscalização do parco ensino ministrado em Ponta Porã, em

10 de março de 1902, foi nomeado Inspetor Escolar o senhor Afonso Rufino. Em 1908,

foi nomeado professor da escola mista, Francisco Faustino de Mecenas e em 20 de maio

1909, por ato da presidência do Estado foi nomeado inspetor escolar de Ponta Porã, o

senhor Francisco Marcos Tury Serejo.

Em 1912, Ponta Porã, recebeu a visita do Presidente de Estado de Mato Grosso

Joaquim Augusto da Costa Marques que passou em visita a Escola Primária do

professor Francisco Faustino de Mecenas. A respeito dos aspectos educacionais, o

próprio presidente em seu relatório, constatou que “[...] as escolas públicas de Ponta

Porã também não funcionavam, por falta de professores, obrigando as crianças

brasileiras a frequentar aulas no lado paraguaio, em língua castelhana” (ROSA, 2010, p.

40). Na época Ponta Porã, contava com uma população 17.340 habitantes, com um total

de 2.325 casas o povoado (Cf. ROSA, 2004, p. 40).

Diversos foram os professores que se empenharam em difundir a instrução

Pública primária no sul do Estado de Mato Grosso, contudo, nesse período, como nas

demais regiões internas do país o processo educacional estava esfacelado. O pouco que

conseguiam ensinar era o resultado de um trabalho hercúleo que se pulverizava em meio

a uma multidão de analfabetos preocupados com o seu próprio sustento.

Segundo Centeno (2007, p.15), grande parte da população “[...] não tinha

acesso à escola, já que dissolvida num imenso espaço rural e concentrada na produção

da erva-mate e na criação de gado” permanecia absorvida nos trabalhos para a

sobrevivência. Centeno (2007), registra que a composição social na fronteira entre

Brasil e Paraguai se dava por trabalhadores rurais, pequenos proprietário e fazendeiros.

Segundo ela, “[...] não havia escolas nos ervais, pois não eram necessárias”

(CENTENO, 2007B, p. 15).

A esse respeito as reflexões de Thompson (1988, p. 12-15) é basilar sobretudo

ao afirmar que “[...] a classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria

história” (THOMPSON, 2004, p. 12). Dessa consideração teórica, inferimos que a

população pobre de Ponta Porã, se constituía numa classe, na medida em que

compartilhava de uma mesma “[...] formação social e cultural” fundado no processo

histórico de lutas, privações e sobrevivência. Dado que o sistema educacional em Ponta

Porã era inexistente, a população consolidou formas institucionais próprias, como o

aprendizado das primeiras letras nos ervais, e a frequência dos alunos em escolas do

Paraguai. Nesta perspectiva, ao ultrapassar a fronteira geográfica para buscar

escolarização, a população estabelecia uma profunda conexão com o Paraguai, não

como estranho a realidade pontaporanense, mas como complementar.

Para os pequenos proprietários, pela ótica de Centeno (2007), nem se

considerava a necessidade de escolarização, porque na concepção vigente a educação se

dava no próprio trabalho, na medida em que algum trabalhador já letrado ensinava as

primeiras letras aos analfabetos. Thompson (1987), nos ajuda a explicar essa realidade

por meio de suas reflexões: “[...] [os] instrutores, muitas vezes, eram os que contavam

com a aprovação da opinião reformadora” (THOMPSON, 1987, p.303), ou seja,

daqueles que viam a realidade de forma diferente.

A consciência da necessidade do letramento nos ervais, provavelmente surgiu

em virtude da exploração sentida pelos trabalhadores. Sendo analfabetos não podiam

conferir suas dívidas e créditos; sendo letrados, ao menos tinham consciência daquilo

que lhes era oferecido ou negado. O ensino autodidata dos trabalhadores é comentado

por Thompson (1987) na Formação da Classe Operária Inglesa e é classificado como

sendo,”sobretudo uma consciência política” (THOMPSON, 1987, p. 303).

No caso de Ponta Porã, essa consciência autodidata pode ser observada nos

escritos memorialístico de Hélio Serejo que por meio de detalhes minuciosos da

realidade que o cercava, da vida dos ervateiros, deixou registrado para a posteridade, as

impressões de como era a vida nos ervais sul mato-grossenses. Segundo Centeno

(2007), Serejo, autodidata, “[...] descreve tudo que viu e ouviu, em alguns casos sem

consulta a nenhum autor ou obra” (CENTENO, 2007, p. 5). Contudo, pelo fato de ser

minoria, Serejo não se aventurou a exigir mudança, apenas restringiu-se a registrar os

fatos e evitar a veiculação de nomes verdadeiros para evitar dissabores maiores.

Centeno (2007, p. 5) relata que a denúncia da exploração feita por Serejo aparece

carecendo de crítica na obra Homens de aço, e a condição servil dos trabalhadores “[...]

é justificada, por vezes, como algo imanente à própria condição do trabalho.”

Nesta época, o ensino não era visto como prioridade para uma parcela da

população. Isto porque a escola não fazia parte da vida dos indivíduos, o trabalho era a

razão de suas vidas e o fim de suas existências no povoado.

A esse respeito Vidal (2006) infere que o afastamento das crianças do trabalho

e do lar para frequentar as escolas, encontrava resistência por parte de grupos sociais

(VIDAL, 2006, p. 9), pelo fato de se atribuir maior valor ao trabalho como meio de

subsistência. No que concerne a instrução pública, Centeno (2007, p. 15) enfatiza que

“[...] as poucas iniciativas de implantação de escolas partiam de fazendeiros e pequenos

proprietários, que se uniam para atender às famílias próximas.”

Para compreendermos o contexto educacional na cidade de Ponta Porã, é

necessário adentrarmos nas evidências menos aparentes que o cenário pontaporanense

da época nos apresenta. Segundo o historiador Carlos Ginzburg, “[...] para tanto, [...] é

preciso não se basear, como normalmente se faz, em características mais vistosas,

portanto mais facilmente imitáveis, [...]. Pelo contrário, é necessário examinar os

pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados” (GINZBURG, 1990, p. 144).

Nesta perspectiva faz-se mister perscrutar os interesses que permeavam as relações de

poder na Fronteira Brasil Paraguai, de modo especial aqueles que interessavam a

Companhia Mate Laranjeira e o Estado de Mato Grosso.

6 Crianças brasileiras em escolas paraguaias

Nos primeiros anos da República, o processo educacional no Mato Grosso era

incerto e defasado, caracterizado pela precariedade de professores, material e estrutura

escolar. Não era diferente com Ponta Porã, que distante dos centros urbanos, vivia a

mercê dos seus governantes que pouco se importavam com a instrução pública daquele

povoado. Centeno (2007) comenta que nas primeiras décadas do século 20, a população

de Ponta Porã se constituía de “[...] fazendeiros, pequenos proprietários de terras e por

uma maioria de trabalhadores que habitava os campos e trabalhava em atividades

relacionadas à erva-mate e à pecuária.

Até mesmo as “crianças, [...] estavam ocupadas nesses tipos de atividades”

(CENTENO, 2007, p. 234). À época, o interesse do Estado em Ponta Porã, se reduzia a

captação de impostos obtidos com a venda da erva mate, com a salvaguarda da região

de fronteira entre o Brasil e o Paraguai, e com a expansão da agricultura na região dado

que as terras férteis eram propícias a plantação do trigo.

Em dois de junho de 1896, o presidente do Estado de Mato Grosso, por meio

do decreto n. 68, dividiu a instrução primária no Estado de Mato Grosso em dois cursos

distintos: o elementar, que seria ministrado por escolas de ambos os sexos em Cuiabá e

em todas as cidades, vilas, freguesias e povoados; e o curso complementar existente

somente na Capital. No relatório, apresentado ao Presidente de Estado, Coronel Pedro

Alves de Barros, o Diretor Geral da Instrução Pública em 30 de dezembro de 1899,

apresentou uma lista com as escolas instaladas no Estado (Tabela 3). Dentre as 62

criadas, 57 foram destinadas ao curso elementar e sete escolas restaram a ser instaladas

em localidades indefinidas.

Tabela 3. Número de escolas elementares, destinadas as primeiras letras- 1889

Escolas Elementares no Antigo Estado de Mato Grosso 1889

Localidades Número

Cuiabá 19

Coxipó da Ponte 1

Várzea Grande 1

Capão do Piqui 1

Passagem da Conceição 1

Melgaço 1

Mimoso 1

Santo Antonio do Rio Abaixo 2

povoação do Poço 1

Chapada 1

Guia 1

Brotas 1

Aldeia 1

Livramento 2

Cassange 1

Rosário 2

Grotas 1

Miranda 2

Nioac 2

Mato Grosso 1

Campo Grande 1

Vacarias 1

Dourados 1

Três Lagoas 1

Ribeirão das Malas 1

Aquidauana 1

Diamantino 2

Poconé 3

Cáceres 2

Barra do Rio dos Bugres 1

Rayzama 1

Corumbá 2

Ladário 1

Porto Murtinho 1

Araguaia 1

Coxim 1

Melo Taques 1

Santa Ana do Paranaíba 2

TOTAL 57

Fonte: Relatório, apresentado ao Presidente de Estado, Coronel Pedro Alves de Barros,

o Diretor Geral da Instrução Pública em 30 de dezembro de 1899.

Pelo exposto na Tabela 3, vê-se que o maior número de escolas elementares,

destinadas as primeiras letras, concentrava-se na Capital Cuiabá, e as demais

localidades contavam com uma duas ou no máximo três escolas. Para a pesquisadora

Elizabeth Madureira Siqueira (2000), a década de 80 recebeu contornos mais

acentuados no que concerne a Instrução Pública, visto que em 4 de março de 1880, foi

publicado pela Província de Mato Grosso, o Regulamento Orgânico da Instrução

Pública que teve como fio condutor a obrigatoriedade do ensino primário, a liberdade de

ensino e a criação do primeiro estabelecimento de ensino secundário da província.

Por ocasião da visita a cidade de Ponta Porã o Presidente do Estado, Joaquim

Augusto da Costa, atestou em seu relatório que as escolas públicas não funcionavam por

falta de professores, “[...] obrigando as crianças brasileiras a frequentar aulas no lado

paraguaio, em língua castelhana.” (ROSA, 2004, p. 40). Observemos que tal relato

confirma a parca instrução pública que os jornais de Ponta Porã relatavam e criticavam

constantemente, com objetivo de provocar os ânimos dos responsáveis públicos.

Centeno (2006), corrobora informação de que a instrução era tão defasada, que as

crianças frequentavam aulas no Paraguai.

[...] Houve épocas, durante as décadas de 1910 até 1940, que a ínfima população escolarizada constituída por crianças brasileiras da fronteira, em boa parte era atendida pelas escolas dos municípios paraguaios da divisa. Para tanto, bastava à população atravessar a fronteira seca (CENTENO, 2007, p. 15-16).

De forma inegável,

as evidências dão conta que os alunos de Ponta Porã

frequentavam as escolas de Pedro Juan Caballero, Paraguai, em virtude das instituições escolares de Ponta Porã estarem sucateadas. O acesso dos alunos brasileiros ao Paraguai era feito pela fronteira seca, que constituía uma área de livre acesso a ambos os povos.