• Nenhum resultado encontrado

4 AS DISPUTAS EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEiTO POLÍTICO

4.3. Os sujeitos políticos dos feminismos

4.3.2. Compartilhamento de experiências

Aqui, discutiremos a concepção que está articulada à ideia de sujeitos que não necessariamente são compreendidos a partir da multiplicidade e se constroem principalmente a partir do compartilhamento de experiências. Assim, os trabalhos de Cruz (2008), Muraca (2015), Nascimento (2015), Lemos (2016), Oliveira (2016), Álvaro (2013), Isaías (2017), Zarzar (2017), Saavedra (2018), e Santana (2018) compartilham desta compreensão.

O sujeito aqui é concebido a partir de distintas perspectivas teóricas, mas de modo geral partem da noção de que sua constituição se dá em razão do compartilhamento de experiências com indivíduos que têm em comum vivências, valores ou ideologias. Esse compartilhamento pode acontecer tanto a partir da troca junto a outros indivíduos, quanto a partir de suas vivências pessoais ou coletivas que partilham um processo de historicização. Nessa perspectiva, o sujeito político se constitui a partir do compartilhamento de uma experiência comum, pela identificação entre os indivíduos que vivenciam a mesma opressão.

A partir desta noção, Oliveira (2016), que discute sobre a identidade ‘vadias’, e Nascimento (2015), que produz sua dissertação a partir da identidade ‘feministas jovens’ dão continuidade à esta linha de raciocínio. Pois compreendem que o sujeito político se constitui sob um processo de coalização, onde sua construção se dá em função da necessidade de estabelecer um ponto de combate frente a cenário político que ameaça os direitos já conquistados. Assim, se tem a necessidade da construção de um projeto político comum, que em se dá sob um processo de consciência frente às desigualdades.

Especialmente para Nascimento (2015), demarca a noção de autonomia como elemento fundamental para a organização em torno desse sujeito político. Para a autora, partir desta noção “implica assumir compromissos com a coletividade, com a luta das mulheres, com o fim da opressão.” (p. 45). Nesse sentido, a autonomia, para o sujeito político feminista, se estabelece como projeto de sociedade.

Santana (2018), que realiza em sua dissertação uma análise a partir da identidade política ‘mulheres feministas’, a experiência é considerada como uma potência na produção da história do sujeito. Nessa concepção, a produção a partir dessas vivências produz a possibilidade de transformação, neste sentido, o sujeito é concebido como um produtor de ações transformadoras, à nível individual e coletivo, uma vez que esse processo parte

do entendimento político sobre questões pessoais e cotidianas, das trocas de conhecimentos sobre pautas do feminismo, do aprendizado da escuta e da expressão, da vivência de outras lógicas do movimento, do autoconhecimento sobre corpo e sexualidade, do contato com um feminismo maior e das possibilidades de engajamento. (SANTANA, 2018, p. 131).

Também nesse sentido, Muraca (2015) – que discute sobre a identidade ‘mulheres rurais’, entende que a experiência é um elemento fundamental na constituição do sujeito, que é tido como um agente de transformação. Essa concepção parte da ideia que a capacidade de transformação se dá a partir da produção de ações, que enquanto para Santana (2018), poderiam se dar à nível individual, para Muraca (2015) ainda que a busca pela mudança social implique em um compromisso individual, a mesma “não pode ser produzida pelos esforços individuais; ao contrário, exige a organização dos oprimidos e das oprimidas em associações, partidos, sindicatos e, especialmente, em movimentos sociais.” (p. 48). Nesse sentido, a potencia do compartilhamento de experiência está em sua capacidade de construção coletiva.

Cruz (2008) e Álvaro (2013) partem de perspectivas articuladas ao marxismo na compreensão de sujeito, de modo que as autoras compreendem que sua constituição se dá a partir da formação de uma unidade ontológica que se define no interior da lógica sexo, classe e raça/etnia. De modo que, o sujeito se constitui e se define a partir de um projeto utópico e revolucionário, que busca a transformação a partir de suas reivindicações.

Esse processo não passa apenas pela “formação de uma consciência associada em prol de uma transformação estrutural da sociedade, mas, também, de uma consciência associada de mulheres que adquiriram ciência da sua opressão e exploração.” (ÁLVARO, 2013, p. 279 grifo da autora). Nesta perspectiva, o sujeito político age em função da transformação, assim, se constitui a partir do compartilhamento de experiências de maneira coletiva.

Sob a perspectiva de Gayatri Spivak, que tem como uma de suas preocupações a produção de uma discussão que provoque o enfrentamento dos discursos hegemônicos e da produção de conhecimentos, uma vez que como afirma Sandra Almeida (2017) “um de seus objetivos (...) é refletir sobre a teoria crítica como prática intervencionista.” (p. 627), Isaías (2017), que discute sobre a identidade ‘mulheres e classes populares’, e Lemos (2016), que busca compreender a respeito da identidade ‘mulheres negras’, partem da ideia de subalternização dos sujeitos, a partir do espaço e de outros marcadores sociais que explicitam as diferenças e as relações de desigualdade. A ideia de sujeitos subalternos é proposta por Spivak, que compreende a impossibilidade de fala desses sujeitos.

a afirmação de sua impossibilidade de falar pode, mesmo que por distorções, gerar consequências práticas de reiteração ou mesmo naturalização da condição de emudecimento. Assim, opta-se aqui por não adotar o termo subalterna, mas sim subalternizada. Ainda, entende- se que as subalternizadas falam nas linguagens delas, mas que o trânsito de voz com as instâncias socialmente reconhecidas de fala é um tanto quanto limitado. Entretanto, não se pode dizer que não há nenhuma interlocução posto que, por linguagens outras que não as autorizadas, as subalternizadas fazem-se ouvir, mesmo que a tentativa de silenciá-las permaneça. (ISAÍAS, 2017, p. 37).

Essa impossibilidade se refere justamente ao uso de uma linguagem diferente daquela que está estabelecida hegemonicamente, assim, esse é um dos mecanismos de subalternização que operam na construção de uma lógica hierárquica, onde os subalternizados não têm suas histórias contadas. Desse modo, o compartilhamento das experiências à nível coletivo diz respeito a construção de uma voz comum, que visa a audição de suas pautas.

Para Lemos (2016) o resgate histórico a partir da memória, o compartilhamento de experiências e conhecimentos entre os sujeitos subalternizados é utilizado como estratégia para potencialização na construção do sujeito político, uma vez que há um constante processo de negação a elas do lugar de sujeito histórico-político.

Também a partir de Spivak, Zarzar (2017) ao discutir sobre a identidade ‘mulheres rurais’, utiliza a noção de sujeito posicionado para sua compreensão de sujeito político – que se constitui a partir de identidades individual e coletiva, e das práticas sociais. A noção de sujeito posicionado compreende a “dispersão e fragmentação das identidades” (ZARZAR, 2017, p. 51), de modo que o sujeito é tido como descentrado, que se constitui a partir de diferentes possibilidades e de processos de transformação. Ainda que o sujeito seja descentrado, Zarzar (2017) afirma que há a compreensão de que se faz necessária a construção de um sujeito político, inclusive que faça uso do termo do sujeito mulheres, afim de produzir uma estratégia coletiva, uma vez que ele é compreendido como possibilidade de transformação.

Embora a autora [Spivak] apresente uma concepção radicalmente desconstrutivista do sujeito “mulher”, pois o considera heterogêneo e fragmentado, ela reclama de um “essencialismo estratégico”, afirmando que há de se examinar o que pode haver de

útil no discurso da universalização e, depois, analisar os seus limites para utilizá-la estrategicamente. (ZARZAR, 2017, p. 57).

Outra autora utilizada para a produção a partir desta noção de sujeito é Avta Brah, que Saavedra (2018) utiliza, ao discutir em sua tese a identidade ‘feministas jovens’ a partir da ideia de que o sujeito não é um sujeito da experiência que se constitui de forma definitiva e plena, mas sim de que a experiência é o espaço de constituição do sujeito. Na visão de Brah (2006), este é “um espaço discursivo onde posições de sujeito e subjetividades diferentes e diferenciais são inscritas, reiteradas ou repudiadas.” (p. 361), ou seja, para a autora há um ponto de convergência entre a noção de subjetividade e experiência, uma vez que são múltiplos os modos de subjetivação e os contextos em que se situam. De modo que

O "eu" e o "nós" são modalidades de múltiplas localidades, continuamente marcadas por práticas culturais e políticas cotidianas. Permeada por contingências, constitutiva de uma identidade que é sempre processual, nunca fixa ou fechada, a experiência é também, portanto, lócus de formação e conscientização política. (SAAVEDRA, 2018, p. 119).