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4 AS DISPUTAS EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEiTO POLÍTICO

4.2. Identidades políticas

4.2.3. Mulheres rurais

Esta identidade política se refere às mulheres que têm como espaço de luta política o ambiente rural e do campo, sendo esta identidade um artificio de resistência à lógica machista e/ou patriarcal, que opera neste espaço. Ainda que não necessariamente esta identidade se refira a uma militância nomeada como feminista, compreendemos que ela está inserida no rol de reivindicações do mesmo, uma vez que pauta a mudança na condição de vida e trabalho das mulheres que vive no meio rural.

A identidade é analisada em três trabalhos distintos (CRUZ, 2008; MURACA, 2015; ZARZAR, 2017) a partir da experiência de militantes em distintos grupos, que são compostos apenas por mulheres ou grupos que são compostos também por homens. Estes, possuem a participação de muitas e têm setores de gênero, coordenações ou coletivos de mulheres.

Os grupos em questão são: Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste – MMTR/NE –, que atua desde os anos 80 em alguns estados do nordeste, como Pernambuco e Ceará (CRUZ, 2008; ZARZAR, 2017); o Movimento de Mulheres Camponesas – MMC –, que surgiu a partir da organização de mulheres de diferentes locais o Brasil, no início dos anos 80, com objetivo reivindicar melhores condições de saúde e, hoje em dia, pela qualidade da produção alimentícia (MURACA, 2015; ZARZAR, 2017); o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu, que se constituiu no início dos anos 90, a partir da organização de mulheres de estados do norte e nordeste com o objetivo de reivindicar políticas de saúde e educação (ZARZAR, 2017); o Movimento Sem Terra – MST –, também foi fundado nos anos 80 e desde então tem atuado em prol da reforma agrária (CRUZ, 2008; ZARZAR, 2017); o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, criado nos anos 60 e se engaja pelos direitos das pessoas que trabalham no campo e são assalariadas (CRUZ, 2008).

Em relação à constituição da identidade, Elizabeth Cruz (2008) em sua dissertação argumenta que ela acontece, necessariamente, a partir de um processo de positivação que, neste caso, se refere à valorização e ressignificação do ‘ser rural’. Ou seja, há a transformação de um sentido que anteriormente era tido como negativo, pois o espaço rural é compreendido como em oposição ao urbano que, nesta relação, é hegemônico. Assim, na visão da autora, é a materialidade social o elemento constituinte da identidade, de modo que a identificação ocorre em torno de processos de socialização, de subjetivação, de reconhecimento e de diferenciação.

Ela se define por aquilo que somos, a nossa relação com os outros e a afirmação de que se ‘é’ algo, diferente ou em oposição do que ‘não é’. Cruz (2008) parte de uma noção onde a identidade é coerente e constitui uma unidade, que não é tida como essencializada, porém

afirmar uma unidade não significa que ela é completa e estável, uma vez que ela está sempre um processo de transformação. Ainda que a “estabilidade é necessária para criar a unidade que, mesmo inconsciente, mantém um nível mínimo de “centramento”” (CRUZ, 2008, p. 56), a autora aparenta indicar para a identidade coletiva, como esse espaço, uma vez que a considera importante na produção de uma ação política, que é “a ação do sujeito político: o sujeito coletivo que visa (e planeja), pela sua ação, a transformação social.” (p. 57).

Assim como Cruz (2008), Andrea Zarzar (2017) faz uma análise, em sua pesquisa de doutorado, onde compreende que a constituição desta identidade está articulada às “relações sociais de sexo e classe social nas quais as mulheres estão envolvidas” (p. 21). Neste caso, essas questões são perpassadas pela propriedade ou não de terras, e ainda que a autora identifique que a maioria das mulheres que fazem parte de seu estudo são negras, a questão da raça não surge como um elemento constituídos estas identidades. Como a autora afirma:

Embora a maioria da população rural seja constituída por negros e negras, veremos como essas relações ainda estão distantes de uma maior problematização nos movimentos de mulheres rurais investigados e aparece apenas como um desafio a ser perseguido na construção de projetos emancipatórios que buscam alcançar. (ZARZAR, 2017, p. 32).

Com isso, podemos perceber que ainda que haja outros processos de identificação (neste caso, ser negra), não necessariamente ele será o foco, digamos assim, da luta política, o que não exclui a possibilidade de que se atue em função desta questão. Para a autora, esse modo de compreensão está articulado à noção de cosubstacialidade25, uma vez que há um sistema de opressões que são baseados em relações sociais fundamentais e, deste modo, estruturantes da sociedade, que são: sexo, classe e raça. Assim, como é afirmado por Zarzar (2017), esses elementos constituem uma unidade, que se constituem na reciprocidade entre eles, como um nó.

Mariateresa Muraca (2015) pesquisa em sua tese o MMC de Santa Catarina e, neste contexto, compreende que há uma identidade em grupo que se constrói a partir da valorização das diferenças, a construção dessa identidade é fundamental para o processo de mudança social, uma vez que a autora entende que os movimentos sociais são agentes de transformação. Na perspectiva da autora, esse processo ocorre a partir da necessidade de se “construir uma identidade política comum, capaz de compreender e unificar experiências diferentes” (p. 157). Desse modo, assim como discutimos na identidade política ‘mulheres feministas’, a construção de afetos e o compartilhamento de experiências é importante na formação de uma ação política

que, neste caso, ocorro a partir da formação de unidade, que é tido como importante nas reivindicações políticas através do movimento.

Para a autora a luta política articulada a esta identidade se situou por muito tempo na reivindicação “pela adoção da reforma agrária como bandeira de luta nacional, apesar das diferentes formas de compreendê-la que caracterizavam os sujeitos envolvidos e das várias concepções de desenvolvimento da agricultura que se difundiam.” (MURACA, 2015, p. 135). Enquanto hoje, está mais localizada na busca por dignidade de condições de trabalho e na produção de alimentos. E nesse sentido, Zarzar (2017) compreende que se tem como como fundamento a busca por uma nova lógica rural, pautada no bem comum e nos feminismos.

A partir desses elementos compreendemos que essa identidade não necessariamente se constitui através do tensionamento frente à outras identidades do movimento feminista. Ela se constrói a partir da ressignificação das experiências e compreensão do caráter político das opressões sofridas. Neste caso, o tensionamento está em relação a impossibilidade de conquistar direitos que beneficiem o cotidiano das trabalhadoras rurais e do campo, inclusive, em prol de autonomia.