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4 AS DISPUTAS EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEiTO POLÍTICO

4.2. Identidades políticas

4.2.4. Mulheres de classes populares

A identidade política ‘mulheres de classes populares’ diz respeito às mulheres de baixa renda que reivindicam melhores condições de vida, em relação à moradia e a políticas públicas, a partir de experiências contingentes.

Ela surge em três produções, na tese de Aline Bonetti (2007), que analisa as dinâmicas do campo feminista a partir do Fórum de Mulheres de Pernambuco26. Além dela, também faz parte da dissertação de Thais Isaías (2017), que toma o espaço das ocupações de Izidora, uma comunidade localizada em Belo Horizonte/MG, para pensar as desigualdades sofridas por essas mulheres a partir da disputa pelo espaço de moradia. E também na tese de Carmen Silva (2016), que pretende compreender a atuação de mulheres das classes populares na Associação de Mulheres Brasileiras (AMB), principalmente sobre sua relação com o feminismo.

Na produção de Bonetti (2007) essa identidade se constitui a partir da diferenciação, em um status universalizante que age no interior do movimento feminista, de modo que se faz necessário a politização de experiências contingentes, emergindo em meio à alianças de

26 Ainda que não seja um grupo, como os espaços que debatemos anteriormente, ele se configura como um espaço de tensionamento do e/ou sobre o movimento feminista, uma vez que há participação de militantes de outros grupos, instituições ou organizações feministas, como é o caso de outras produções que debatemos aqui, como é o caso de Ferreira (2012).

articulação que apagam essas diferenças, como discutimos a partir da identidade ‘mulheres feministas’. Pois,

alteridades envolvidas nesse jogo de articulações e alianças, num contexto marcado por relações de poder e distribuição desigual de prestígio político que buscam conter a disseminação da diferença, representam um desafio à estabilidade de um sujeito político unívoco do qual derivaria a ação política, revelando os seus meandros. (BONETTI, 2007, p. 131).

Para Bonetti (2007), a produção da militância para estas mulheres corresponde mais ao aspecto prático, do movimento feminista, uma vez que são “marcadas por fortes privações materiais e simbólicas, no que diz respeito ao acesso de direitos básicos de cidadania.” (p. 17). A ideia dessa construção se dá, justamente, em oposição à uma política feminista mais institucional, como no caso das ONGs, que é tido como o ideal de atuação feminista. Assim, se constitui essa identidade a partir, também, de uma dobra à está lógica.

O que parece ser o ponto fundamental para a inflexão que se percebe contemporaneamente nos sentidos atribuídos ao ativismo político pelas mulheres das camadas urbanas de baixa renda pesquisadas é a associação entre gosto e sobrevivência que a militância profissionalizada parece representar. (BONETTI, 2007, 194).

A saída, para isso, é a politização a partir da experiência que, a partir de Joan Socott, é compreendida como contendo um “um potencial desessencializador importante, posto que supostamente visa abarcar o agenciamento e a forma como sujeitos são constituídos.” (BONETTI, 2007, p. 133). Assim, a construção de uma identidade política provoca e é provocada pela troca de experiências, se a própria política é um elemento constituidor de relações de afeto em função de uma luta política compartilhada (BONETTI, 2015). Nesse sentido, a experiência27 possui um caráter desessencializador, pois “visa abarcar o agenciamento e a forma como sujeitos são constituídos.” (p. 133).

A experiência também aparece como um elemento importante, mas para Isaías (2017) ela está ligada também ao compartilhamento de experiências, que para a autora se potencializa à medida que as mulheres que compõem esta identidade compartilham o mesmo espaço, havendo uma “coletividade espacial” (ISAÍAS, 2017, p. 38). Assim, estar posicionada neste lugar estabelece o que a autora denomina como ‘fronteira’, um campo de conflito, onde a partir de encontros, de tensionamentos, de afeto, e é nessa fronteira que se coloca a contingencialidade dessa experiência política.

Seguindo essa linha argumentativa, na discussão realizada por Isaías (2017), a politização de experiências particulares também faz parte da constituição da identidade

‘mulheres de classes populares’, uma vez que, a partir da busca por uma reivindicação historicamente negada em função das relações de poder e desigualdade presentes em questões como espaço urbano, capitalismo, patriarcado e racismo.

Para Silva (2016), assim como foi apontado por Isaías (2017), a identidade política ‘mulheres de classe populares’ coloca no movimento novas reflexões a respeito de uma hegemonia feminista, como o debate que foi provocado pelas mulheres negras. Para a autora pensar à luz desta compreensão situa a construção da identidade a partir de articulações que em determinados momentos foram mais ou menos fortalecidas em relação ao feminismo. Assim, a identidade é constituída a partir de um processo de identificação pessoal e coletiva, uma vez que compreende que tais processos “possibilitam múltiplas identidades, que tem caráter situacional e relacional.” (SILVA, 2016, p. 56). Nesse sentido, para a autora, a identidade se constitui a partir de processos relacionados, principalmente, à classe e raça, uma vez que

As origens familiares nas classes trabalhadoras e/ou nitidamente populares, o histórico de racismo sofrido desde a infância, a educação diferenciada e a responsabilização pelas tarefas domésticas, em relação aos irmãos de sexo masculino, a violência sofrida pelas mães na vida conjugal, entre outros aspectos, são elementos que se destacam na leitura da origem destas mulheres e na sua identificação com a atuação política em movimentos sociais e, mais fortemente, no movimento feminista. (SILVA, 206, p. 260)

Essas experiências produzem modos de subjetivação a partir de sua condição de vida, que tomam força política pessoal, e são compartilhadas coletivamente, se desdobrando em uma ação política que visa formas de resistência e transformação na realidade.

Na compreensão de Silva (2016), uma das questões em torno dessa identidade está no seu distanciamento do movimento feminista, uma vez que atualmente está mais ligada às “articulações de mulheres vinculadas aos movimentos sindicais e rurais, muito possivelmente em função destes movimentos serem organizados em torno da identidade coletiva e da luta por direitos de classe trabalhadora e/ou camponesa.” (p. 21).

Assim, a luta política empreendida aqui está em torno de melhores condições de vida, em prol de políticas públicas e direitos básicos, como à moradia. Essas reivindicações têm como intuito também a transformação de sua experiência e de sua família. Além desses aspectos, se coloca também como pauta a reivindicação pelo estabelecimento dessas questões no interior do movimento feminista. Esta última questão está articulada ainda com o que discutimos no primeiro capítulo, pois podemos considerar que ela é fruto do processo de compreensão de processos de desigualdades que podem também ser reproduzido no interior dos feminismos.

Em função disso, compreendemos que as ‘mulheres de classes populares’ se constituem de diferentes modos, em comum elas têm a afirmação da experiência subjetiva, do caráter

político e específico que marcam suas vivências. Esse processo se dá através da busca por reconhecimento de suas questões, tanto no interior do movimento feminista, quanto para além dele, disputando o estabelecimento de suas pautas e ressignificando as desigualdades, atuando na construção de um campo feminista mais plural, uma vez que disputa este espaço com a reivindicação de uma atuação menos tradicional, atenta à outras questões.