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A competência do Tribunal do Júri, um dos órgãos que exercem a Jurisdição Penal, decorre de fonte constitucional, estando voltada para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, que são os previstos no Código Penal e referidos pelo Art.74, §1º, do CPP, estatuto este que, cuidando de regras para a determinação da competência por conexão ou continência, que importam em unidade de processo e de julgamento (Art. 79), estabelece no Art. 78, inciso I, que, no concurso entre a competência do Júri e a de outro órgão da Jurisdição Penal Comum ou Ordinária, prevalente será a competência do Tribunal do Júri, assim ampliando a sua esfera de competência42.

Os crimes contra a vida estão previstos no Código Penal. São eles: Homicídio simples e qualificado, tentado ou consumado (Art. 121, §§1º e 2º); induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (Art. 122); o infanticídio (Art. 123); o aborto provocado pela gestante, com ou sem seu consentimento (Art. 124), ou por terceiro (Arts. 125 e 126); e o crime de genocídio (Art. 1º, a, c, d, da Lei 2.889/1956)43.

Ressalte-se que o rol supramencionado não é taxativo. A competência, portanto, é mínima, pois nada obsta que a lei processual inclua outras infrações que não são de competência do Júri.

Alguns doutrinadores, como podemos citar Basileu Garcia e Esther Figueiredo Ferraz, defendem que outras infrações penais dolosas, envolvendo a vida, mereceriam ser julgadas, igualmente, pelo Júri, como o crime de latrocínio. Porém, essa posição efetivamente não prevaleceu, nem doutrinariamente, nem jurisprudencialmente, visto que o crime de latrocínio é essencialmente patrimonial. Nesse sentido, foi editada a Súmula 603, do STF, que

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HC 85.837, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 18.08.1996. 42

PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento. Questionários. São Paulo: Saraiva, 2005.

43 Conforme entendimento de NUCCI (2011, p. 35), o genocídio, em muitas situações, não passa de um homicídio coletivo, realizado com intenção específica de dizimar uma determinada população ou grupo. Em suma, o genocídio pode, perfeitamente, adaptar-se ao conceito de crime doloso contra a vida, encaixando-se no artigo 5º, XXXVIII, d, da CF/88.

aduz: “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 721, que dispõe: “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual”.

Dessa forma, o envolvimento de corréus em crime doloso contra a vida, havendo em relação a um deles foro especial por prerrogativa de função, previsto constitucionalmente, não afasta os demais do juiz natural, no caso o Tribunal do Júri, por força do Art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição44.

Nesse sentido, é pertinente a transcrição do seguinte julgado, extraído do Informativo 457, do Superior Tribunal de Justiça:

COMPETÊNCIA. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. DEPUTADO ESTADUAL. Cuida-se de conflito de competência cuja essência é saber a quem cabe julgar os crimes dolosos contra a vida quando praticados por deputado estadual, isto é, se a prerrogativa de função desses parlamentares está inserida na própria Constituição Federal ou apenas na Constituição do estado. A Seção, por maioria, entendeu que as constituições locais, ao estabelecer para os deputados estaduais idêntica garantia prevista para os congressistas, refletem a própria Constituição Federal, não se podendo, portanto, afirmar que a referida prerrogativa encontra-se prevista, exclusivamente, na Constituição estadual. Assim, deve prevalecer a teoria do paralelismo constitucional, referente à integração de várias categorias de princípios que atuam de forma conjunta, sem hierarquia, irradiando as diretrizes constitucionais para os demais diplomas legais do estado. Consignou-se que a adoção de um critério fundado na aplicação de regras simétricas reforça a relevância da função pública protegida pela norma do foro privativo. Ademais, a própria Carta da República institui, em seu art. 25, o princípio da simetria, dispondo que os estados organizam-se e se regem pelas constituições e leis que adotarem, observando-se, contudo, os princípios por ela adotados. Diante desses fundamentos, por maioria, conheceu-se do conflito e se declarou competente para o julgamento do feito o TJ. CC 105.227-TO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/11/2010.

O problema, como bem expôs a Ministra relatora Maria Thereza de Assis Moura, seria apontar qual regra prevaleceria: a norma constitucional sobre a competência do Tribunal do Júri para julgamento destes crimes, ou a norma estadual que reconhece o privilégio do foro por prerrogativa de função.

Destarte, poder-se-ia concluir que a Súmula 721, do STF, encerraria a discussão proposta no conflito de competência em análise. No entanto, a Constituição Federal reserva aos deputados estaduais as mesmas prerrogativas previstas aos deputados federais (Art. 27, §1º), como se vê:

Art. 27, § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

Em outro dispositivo, o mesmo diploma legal prevê que os deputados federais gozam de foro por prerrogativa de função:

Art. 53, §1º- Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Assim sendo, conclui-se que a regra inserta na súmula é aplicável aos casos em que não houver previsão constitucional sobre a prevalência do foro por prerrogativa de função em detrimento do júri, como seria a situação, por exemplo, de uma Constituição estadual atribuir foro por prerrogativa de função aos delegados civis.

No Informativo 457 de jurisprudência, no entanto, a Terceira Seção do STJ fixou entendimento de que a regra prevista nas Constituições estaduais para os deputados estaduais está de acordo com os preceitos constitucionais. Logo, prevalece o foro por prerrogativa de função.

Dessa forma, é clara a possibilidade de uma Constituição estadual atribuir prerrogativa de função àquelas funções não contempladas pela Constituição Federal, como ocorre nos casos dos deputados estaduais, secretários de Estado, vereadores e Procuradores Gerais do Estado, logicamente respeitando os princípios da simetria e da não-contrariedade.

Dispositivo da Constituição estadual, portanto, não pode ser contrário à Constituição Federal. No caso dos vereadores, se um vereador cometer o crime previsto no Art. 157, do CP (roubo), por exemplo, será julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado no qual exerça a função (prerrogativa esta que depende da previsão em Constituição estadual). Em contrapartida, caso cometa o crime previsto no Art. 121, caput, do CP (homicídio simples),

será julgado pelo Tribunal do Júri, nos termos da Súmula 721, do STF, garantia esta indisponível.

No caso dos prefeitos, nos dizeres da Súmula 702, do STF, “a competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau”. E o Art. 29, inciso X, da Constituição Federal, prevê expressamente o julgamento dos prefeitos pelos Tribunais de Justiça. Logo, se um prefeito cometer um crime de homicídio simples, por exemplo, em qualquer Estado da Federação, será julgado pelo Tribunal em cuja jurisdição se encontra o município administrado por ele, em virtude da prerrogativa de sua função, estando afastada a hipótese de julgamento pelo Tribunal do Júri45.

Destacando outra situação, se o prefeito do exemplo anterior cometesse o crime de homicídio simples em concurso com seu motorista, por exemplo, este último seria julgado pelo Egrégio Tribunal do Júri, visto ser este crime doloso contra a vida, não afrontando o que dispõe a Súmula 704, do STF: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.

Logo, se um prefeito e um governador cometerem um crime de homicídio simples em concurso de pessoas, ambos serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, pois aquele que tem a prerrogativa mais alta atrai os corréus para o seu foro.

A exceção ao que preceitua a Súmula 704 ocorre no caso de deputado federal cometer crime de homicídio em concurso de pessoas com alguém que não tenha prerrogativa

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O crime cometido por prefeito em outro estado deve ser julgado pelo tribunal em cuja jurisdição se encontra o município administrado por ele. A decisão foi tomada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar conflito de competência entre o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). A ministra Laurita Vaz lembrou ainda que o ministro Marco Aurélio Mello, do

Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Habeas Corpus 88.536, esclareceu que “a prerrogativa de

foro, prevista em norma a encerrar direito estrito, visa a beneficiar não a pessoa, mas o cargo ocupado”.“Não há nenhuma lógica em reconhecer a competência da corte do local do delito no julgamento do feito, em detrimento do interesse do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte em apreciar causa referente a prefeito cujo cargo é ocupado em município daquela unidade da federação”, afirmou a ministra. Disponível em: <

http://www.msrecord.com.br/noticia/ver/71453/prefeito-que-cometer-crime-em-outro-estado-deve-ser-julgado- por-tribunal-de-sua-jurisdicao > Acesso em 12 abr. 2012.

de função. O deputado federal será julgado pelo Supremo Tribunal Federal, por expressa previsão constitucional, e o corréu será julgado pelo Tribunal do Júri.

Assim, estão fora da competência do julgamento pelo Tribunal do Júri os crimes consumados ou tentados, praticados por pessoas que gozem de foro privilegiado, tendo em vista que é no forus delicti que serão julgadas.

De acordo com o Art. 102, inciso I, alíneas b e c, da CF/88, cabe ao Supremo Tribunal julgar, nos crimes dolosos contra a vida, o Presidente da República, o Vice- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Já ao Superior Tribunal de Justiça, em conformidade com o Art. 105, inciso I, alínea a, da CF/88, compete julgar, nos crimes dolosos contra a vida, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante Tribunais.

O Tribunal Regional Federal (TRF) julga, nos crimes dolosos contra a vida: os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Ao Tribunal Superior Militar (STM) compete apenas o julgamento dos Generais das Forças Armadas46.

O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) não tem mais competência, nos crimes contra a vida, para julgar seus próprios Ministros. Isso ocorreu em virtude do deslocamento da competência para o STJ. Como o Tribunal Regional Eleitoral só julga crimes eleitorais, a sua competência só se dará quando houver conexão ou continência com o crime contra a vida.

Contudo, mesmo nessa hipótese, deve ser respeitada a competência constitucional do Júri, devendo haver separação do processo. O crime contra a vida será julgado no seu Juízo constitucional, o Júri, e o crime eleitoral julgado perante a Justiça Eleitoral, havendo preservação, portanto, das competências constitucionais47.

Por derradeiro, a competência do Tribunal de Justiça para apreciar os crimes dolosos contra a vida tem previsão na Constituição Federal, nas Constituições estaduais, nos Códigos de Organização Judiciária e nos Regimentos Internos dos Tribunais, variando esta competência de Estado para Estado. Compete, porquanto, julgar os juízes estaduais, membros do Ministério Público estadual e juízes dos auditores da Justiça Militar. Em relação a estes, vigora a competência constitucional (Art. 96, III, da CF).

Como já fartamente explicado, no tocante às competências inseridas na Constituição estadual, salvo a de deputado estadual, que deve seguir o foro por prerrogativa de função, ante o princípio da simetria, aplica-se a Súmula 721, do STF. Portanto, Procuradores do Estado, Delegado-Geral, Defensor Público Geral, devem ser julgados pelo Tribunal do Júri Popular, conforme decidido pelo STF48.

Quanto aos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público, a competência para julgá-los nos crimes dolosos contra a vida é do respectivo órgão competente: juízes estaduais, nos Tribunais de Justiça; federais, nos Tribunais Regionais Federais, seguindo-se a mesma linha de raciocínio nos demais casos.

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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: RT, 2005. p. 230.

48“Somente regra expressa da Lei Magna da República, prevendo foro especial por prerrogativa de função, para autoridade estadual, nos crimes comuns e de responsabilidade, pode afastar a incidência do Art. 5º, XXXVIII, letra d, da Constituição Federal, quanto à competência do Júri. Em se tratando, portanto, de crimes dolosos contra a vida, os procuradores de Estado da Paraíba hão de ser processados e julgados pelo Júri” (HC 78.168, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 29.08.2003).

4 PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 11.689/2008

Aprovada em 09 de junho de 2008, a Lei Nº 11.689/08 trata acerca das alterações no procedimento do Tribunal do Júri. O projeto começou a ser discutido no ano de 2001, por iniciativa do Poder Executivo, o qual nomeou uma comissão de juristas, sob a presidência da professora Ada Pellegrinni Grinover, a fim de que o Código de Processo Penal fosse reformulado, de forma a dar mais celeridade aos processos e eivar de eficácia muitas medidas tomadas.

Dentre os projetos que foram elaborados, estava o de Nº 4.203/01, que tratava, especificamente, sobre o Tribunal do Júri. Por ter recebido algumas críticas, foram oferecidos 04 (quatro) substitutivos, que, no entendimento de Lara Gomides de Souza, Luiz Lopes de Souza Junior e Luma Gomides de Souza49, apresentavam propostas melhores que a do texto original. A Lei Nº 11.689/08, em contrapartida, evidencia que não houve aprovação total de nenhuma das propostas apresentadas.

Nas palavras de Jucid Peixoto do Amaral50, as principais alterações ocorridas quando da promulgação da Lei Nº 11.689/2008 foram: a modificação da fase da formação da culpa; novo tratamento dispensado à absolvição sumária; a previsão de recurso de apelação contra as decisões de impronúncia e de absolvição sumária, em vez de recurso em sentido estrito, como anteriormente previsto; a inauguração de uma fase de preparação do processo para julgamento e supressão do libelo acusatório; a previsão de novos critérios para o alistamento dos jurados; uma nova disciplina para o desaforamento51; uma nova sistemática para o sorteio e convocação dos jurados; uma nova composição do tribunal52; novas regras para a instrução em plenário e para os debates; as modificações do questionário e da votação; novas regras a serem observadas pelo juiz quando da prolação da sentença; e a extinção do protesto por novo Júri.

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SOUZA, Lara Gomides de, JUNIOR, Luiz Lopes de Souza, SOUZA, Luma Gomides de. Lei 11.689/08: Novo Júri. Disponível em < http://www.lfg.com.br > Acesso em 10 maio 2012.

50 AMARAL, Jucid Peixoto do. A evolução da política criminal e o novo Tribunal do Júri no Brasil. 1ª ed. Fortaleza: Gráfica LCR, 2011, p.98.

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O desaforamento também poderá ser determinado em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o Juiz-Presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 06 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia (Art. 428, caput, do CPP).

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O Tribunal do Júri passa a ser composto por 01 (um) juiz togado, seu presidente, e por 25 (vinte e cinco) jurados, que serão sorteados dentre os alistados. Sete deles constituirão o Conselho de Sentença em cada Sessão de Julgamento (Art. 447, do CPP).

Por sua vez, o presente trabalho propõe-se a analisar as principais alterações provocadas pela referida Lei, focando-se em pontos considerados bastante relevantes, ao nosso ver. A seguir, passaremos à análise do novo procedimento especial trifásico, da simplificação da forma de quesitação, dos requisitos para ser jurado, da extinção do protesto por novo Júri, da supressão do libelo acusatório e do julgamento sem a presença do réu.