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A soberania dos veredictos, nas palavras de Ionilton Pereira do Vale35, resulta na impossibilidade de os juízes togados substituírem os jurados em suas decisões, o que, contudo, não exclui a recorribilidade de suas votações, por meio da apelação, ou do protesto por novo júri, e, até mesmo, a revisão criminal, visto que não tem caráter absoluto, assim como todos os direitos fundamentais, justificando o seu controle pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, é válida a transcrição do seguinte julgado:

“A soberania dos veredictos do Júri – não obstante a sua extração constitucional –

ostenta valor meramente relativo, pois as manifestações decisórias emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da Lei Fundamental da República, não confere a esse órgão especial da Justiça comum o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se, em consequência, ao controle recursal do próprio Poder Judiciário, a cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a regularidade dos veredictos. A apelabilidade das decisões emanadas pelo Júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos

deste Tribunal Popular” (HC 68.658, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 26.06.1992).

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Constituição Federal Anotada, Editora Saraiva, São Paulo, 2002, 4ª ed., p.202.

35 VALE, Ionilton Pereira do. Princípios Constitucionais do Processo Penal na visão do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 395.

Em contrapartida, MARQUES36 aduz:

Já com a soberania absurda do Júri o mesmo não se verifica, visto que as suas deficiências são congênitas e constitucionais. Não há reforma capaz de melhorar o Júri enquanto seus veredictos forem soberanos, porquanto o Júri no Brasil é deficiente como em toda a parte, visto que ninguém se improvisa em julgador do dia para a noite. O próprio Júri inglês, que não pode ser acoimado de complacente para os criminosos, quem nos garantirá ser o órgão que a justiça penal exige? Para julgar não basta o bom senso, nem tampouco o rigorismo com o delinquente. A tarefa é muito mais vasta e complexa e requer, por isso, amadurecimento e reflexão baseada em conhecimentos científicos bem sedimentados.

No entanto, a análise do princípio da soberania dos veredictos é algo simples e, ao mesmo tempo, complexo. Nas palavras de NUCCI37, é algo simples, se levarmos em conta o óbvio: o veredicto popular é a última palavra, não podendo ser contestada, quanto ao mérito, por qualquer tribunal togado. É, entretanto, complexo, na medida em que se vê o desprezo à referida supremacia da vontade do povo em grande segmento da prática forense.

Muitos tribunais togados não têm vergado, facilmente, à decisão tomada pelos Conselhos de Sentença. Alguns magistrados procuram aplicar a jurisprudência da Corte onde exercem suas funções, olvidando que os jurados são leigos e não conhecem – nem devem, nem precisam – conhecer a jurisprudência predominante em tribunal algum.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, NUCCI salienta que, se a participação popular no Judiciário, por meio do Júri, é tão enaltecida por muitos como mecanismo do exercício da cidadania numa autêntica democracia, deve-se respeitar a decisão proferida, em homenagem à soberania dos veredictos. E Ricardo Vital de Almeida38, em sua tese de mestrado, acrescenta: “patrimônio da cidadania e garantia fundamental, a soberania plena dos veredictos do Júri está acima de quaisquer pretensas justificativas que possam permitir sua negação”.

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MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri: volume I. São Paulo: Saraiva, 1963, p.08.

37 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, 2ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 30-31.

38ALMEIDA, Ricardo Vital de. O Júri no Brasil – aspectos constitucionais – Soberania e democracia social. “Equívocos propositais e verdades contestáveis”. 2002. 310 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2002, p.57.

No tocante ao habeas corpus, ressalte-se, este não é o instrumento idôneo para combater a decisão emanada do Tribunal do Júri39, nem, tampouco, o recurso extraordinário, por envolver o reexame de provas, salvo, é claro, quando a ilegalidade for manifesta.40

A apelação mostra-se, portanto, o recurso mais adequado contra as decisões do Conselho de Sentença (Art. 593, III, alíneas “a” a “d”, do CPP), sendo recebida somente em seu efeito devolutivo - o que é próprio da soberania dos veredictos - e serve para assegurá-la, consoante entendimento da própria Suprema Corte:

A restrição, no processo penal comum, do efeito devolutivo da apelação do mérito dos veredictos do Conselho de Sentença não tem por base o crime de que se cogita – na espécie, o de homicídio -, mas, sim, a nota de soberania das decisões do Júri, outorgada pela Constituição, que não é de estender-se às do órgão de primeiro grau da Justiça Militar (v.g., RE 122.706, 21.11.1990, Pertence, RTJ 137/ 418); (HC

71.893, 1ª Turma, 06.12.1994, Ilmar, DJ 03.03.1995)” (HC 84.690, Rel. Min.

Sepúlveda Pertence, DJ 18.11.2005). No mesmo sentido: HC 85.609, DJ 20.04.2006.

Há, ainda, a possibilidade de interposição da revisão criminal para correção do erro judiciário, ou dos embargos infringentes e de nulidade, bem como dos embargos de declaração. A soberania dos veredictos é assegurada com a devolução dos autos ao Júri, a fim de que profira novo julgamento, sendo ilícita, no caso da apelação fundada no Art. 593, III, alínea d, do CPP, a opção, por parte dos jurados, de uma das versões contidas no processo. Não se admite, porém, a decisão arbitrária, completamente divorciada da prova dos autos, visto que esta fere o princípio da soberania dos veredictos, nem quando os autos tenham uma única versão.

Por fim, assegura-se de igual forma a soberania dos veredictos o não aprofundamento da sentença de pronúncia em torno da autoria e da materialidade do crime, o que constituiria, em tese, um pré-julgamento e influenciaria o júri popular. Dessa forma, deve

39“E não é o habeas corpus instrumento processual adequado parra viabilizar o reexame do conjunto probatório em que se apoiou o julgado estadual para concluir haver a absolvição em 1º grau, pelo Tribunal do Júri, contrariando a evidência dos autos. Por outro lado, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, submetendo os pacientes a novo Júri, não o vincula à condenação daqueles, pois não impede que conclua, novamente, pela absolvição, se assim lhe parecer, ficando, desta forma, preservada sua soberania”. (HC 82.103, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 27.08.2002, DJ 19.12.2002).

40“No tocante à alegada violação da soberania do Júri, para se chegar à conclusão contrária à que se chegou o acórdão recorrido no sentido da nulidade do veredicto por ser a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, seria necessário o exame prévio dos fatos da causa e da prova produzida para se aferir a existência, ou não, de decisão nesse sentido, não sendo cabível, para isso, o recurso extraordinário por seu

o juiz fundamentar a sentença de pronúncia de modo prudente e cauteloso, evitando expor o réu com termos e expressões que denunciariam, em tese, a sua clara opção pela condenação41.