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Para melhor compreensão do mecanismo Criminal Compliance, se faz de suma importância iniciar o estudo com a análise do sistema Compliance. Isso porque esse último se trata de mecanismo de prevenção que pode recair sobre as mais diversas áreas dentro da empresa. Já o sistema Criminal Compliance, pode-se dizer que está dentro do sistema

Compliance, e irá atuar na prevenção especificamente no que tange a responsabilidade penal.

Portanto, necessário se faz, nesse momento, a compreensão do sistema Compliance em seu todo.152

O significado da palavra Compliance, vem da terminologia inglesa comply, que tem como significado não literal: “ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas reguladoras de determinado setor”. No que tange ao âmbito da empresa, o

152SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo

modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. 1. ed. São Paulo: Liberars, 2016. p. 45.

Compliance pode ser entendido como um “conjunto de comportamentos para fazer cumprir as

normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e as atividades”, bem como mecanismo para “evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer.”153

Já de início, deve-se entender que sistema Compliance pode ser adotado por empresas dos mais diversos portes e que, em regra, quanto “maior, mais intensa; quanto menor, menos intensa” a atuação desse sistema, até mesmo pelos custos que sua mantença demanda.154

Partindo para um contexto histórico, nos anos de 1970, diante de práticas delituosas cometidas pelas empresas, os Estados Unidos da América, criou o Foreing Corrupt

Practices Act (FCPA), como norma para combater a corrupção internacional.155

Esse marco legal aliado ao fato de que nos anos de 1990, com o processo de globalização, a atividade empresarial vinha atingindo maiores patamares, aumentando assim o número de “proprietários ausentes”, investidores que injetam “seus recursos em determinada atividade econômica sobre a qual não tem controle administrativo e operacional direto e localizado”. Isso tudo, aliado aos cada vez mais crescentes escândalos envolvendo os entes jurídicos, bem como o conflito de interesse entre o “corpo diretivo profissional das corporações e seus proprietários ou acionistas”, teve-se a necessidade da criação de sistemas específicos para proteger as partes envolvidas e a pessoa jurídica. 156

No ano de 2001 o grande escândalo envolvendo a empresa Enron, uma das maiores empresas dos Estados Unidos da América, com a prática de condutas ilícitas, fez com que as suas ações passassem de “US$ 90 para menos de U$ 1 em pouco mais de um mês”. Após esse fato, foram descobertos outros casos envolvendo grandes corporações, como Tyco,

153BOTINI, 2013 apud PEGORARO, Mariana Martins do Lago Albuquerque; PAIVA, Danilo Tavares. Compliance: a novidade no direito penal econômico e sua aplicação no âmbito político-partidário. In: LAMY,

Eduardo. Compliance Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 284.

154PESTANA, Marcio. Lei Anticorrupção: Exame Sistematizado da Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Manole,

2016. p. 80. Disponível em: <

https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520450567/cfi/101!/4/2@100:0.00>. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

155PEGORARO, Mariana Martins do Lago Albuquerque; PAIVA, Danilo Tavares. Compliance: a novidade no

direito penal econômico e sua aplicação no âmbito político-partidário. In: LAMY, Eduardo. Compliance

Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 284.

156SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo

modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. 1. ed. São Paulo: Liberars, 2016. p. 42.

WorldCom e Adelphia, o que ocasionou milhares de desempregos, executivos presos e

legislações mais rigorosas.157

Assim, com esses subsequentes escândalos, no ano de 2002, foi aprovada a

Sarbanes-Oxley Act (SOX) nos Estados Unidos da América, que prevê a necessidade de

incluir nas declarações semestrais e anuais, o compromisso com a verdade, sob pena de reclusão de até 20 anos, por crime de falsidade. Ainda, com o intuito de proteger os investidores, ela obriga a empresa a “verificar e descobrir” qualquer irregularidade, tendo como consequência a previsão de controles internos que passaram a existir nos “códigos, princípios éticos e deveres de auto-obrigação.”158

Para Carla Rabah Benedetti, o que ocorreu foi uma “transferência de responsabilidade de investigação dessas atividades em si para o setor privado”, tendo em vista a dificuldade que a globalização trouxe ao setor público para, sozinho, investigar delitos praticados pelas empresas. Assim, os Estados Unidos da América, trouxe a ideia, mediante a imposição legal, de uma cooperação mútua, para que o setor privado colaborasse, retirando assim a responsabilidade completa do setor público. Isso tanto para os crimes de lavagem de dinheiro quanto para o terrorismo, após o fatídico 11 de setembro de 2001.”159

Nos estados Unidos, atualmente, utiliza-se a sigla GRC, que diz respeito a “governance (governança corporativa); risk management (gestão de riscos corporativos e operacionais) e compliance”, ambos seriam a base de toda à construção de planos e sistemas operacionais nas corporações.”160

No Brasil, o Compliance ficou em evidencia com o advento da Lei nº 9.613/1998, com a nova redação dada pela Lei nº 12.683/2012, que trouxe os crimes de “Lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores. Tal norma trouxe ainda o Conselho de Controle de Atividade Financeira (COAF), “foi o passo inicial para fixar orientações de conformidade as instituições financeiras e empresas de capital aberto ao criarem controles internos”, visando

157FÁBIO, André Cabette. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à prática.

Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-%C3%A9-compliance.-E-por-que- as-empresas-brasileiras-t%C3%AAm-aderido-%C3%A0-pr%C3%A1tica>. Acesso em: 27 maio 2018.

158SILVEIRA, Renato de Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

P. 247-248. Disponível em:

<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522493012/cfi/271!/4/2@100:0.00>. Acesso em: 17 maio 2018. Acesso restrito via Minha Unisul.

159MOTTA, Alexandre. Criminal Compliance com Dra. Carla Rahal Benedetti - Conversa Legal - JustTV -

29/08/13. Conversa Legal com Alexandre Motta. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=zOBKskR3sLg>. Acesso em: 23 maio 2018.

160SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo

modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. 1. ed. São Paulo: Liberars, 2016. p. 44.

coibir a pratica de delitos relacionados ao Sistema Financeiro Nacional, com finalidade de identificar, disciplinar e aplicar penas administrativas às atividades ilícitas praticadas.161

No ano de 2013, a empresa multinacional Siemens, ao confessar a participação em cartel nos escândalos que envolveram as linhas de trens e metrô do Distrito Federal e São Paulo, deixou ainda mais em evidência no Brasil o sistema Compliance, tendo em vista que o ilícito foi descoberto por tal mecanismo, que foi implantado na empresa em 2007, após escândalos envolvendo o pagamento de propinas.162

Após, o sistema foi abordado na Lei nº 12.846/2013, comumente chamada de Lei Anticorrupção que prevê em seu artigo 7º:

Serão levados em consideração na aplicação das sanções. [...] VIII – a existência de mecanismo e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de código de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.163

Ou seja, trouxe um incentivo a implantação do mecanismo Compliance, devendo esse ser considerado positivamente no momento da aplicação das sanções. Tendo em vista essa previsão e, para efeitos de dosimetria, foi promulgado o Decreto Federal nº 8.420/2015, que trouxe o “plano de integridade”, esse que prevê:

[...] um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira.164

Ocorre que esse dispositivo legal acabou gerando a falsa ideia de se tratar de mecanismo diretamente ligado a corrupção, o que foge da realidade,165 tendo em vista que o

161ROSSETO, Lucas. Compliance tributário e seus reflexos na atividade empresarial. In: LAMY, Eduardo. Compliance Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 160.

162FÁBIO, André Cabette. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à prática.

Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-%C3%A9-compliance.-E-por-que- as-empresas-brasileiras-t%C3%AAm-aderido-%C3%A0-pr%C3%A1tica>. Acesso em: 27 maio 2018.

163FERREIRA, Bráulio Cavalcanti, QUEIROS, Bruna Pamplona de. Análise econômica do direito e o

compliance empresarial: programas de conformidade e custo de prevenção. In: LAMY, Eduardo. Compliance

Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 246.

164PESTANA, Marcio. Lei Anticorrupção: Exame Sistematizado da Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Manole,

2016. p. 87. Disponível em: <

https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520450567/cfi/101!/4/2@100:0.00>. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

165JANNIS, Andre Schimidt. Compliance público frente aos princípios da administração pública: a necessidade

da atuação do advogado no compliance público como pressuposto de efetividade. In: LAMY, Eduardo.

Compliance Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 33.

Compliance possui natureza “multidisciplinar”, podendo ter foco nos mais diversos ramos da

empresa.166

Exemplo disso é a recente Lei Estadual do Rio de Janeiro, Lei nº 7.753/2017, que obrigada a existência de programas Compliance para empresas contratantes de parceria público-privadas, com a administração pública:

Art. 1º - Fica estabelecida a exigência do Programa da Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parcerias público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.”167

Impende destacar que muitas das grandes corporações que atuavam no Brasil, antes do advento da Lei Anticorrupção, já contavam com programa de Compliance, até mesmo por muitas possuírem natureza estrangeira, mas com a vigência da Lei nº 12.846/2013, passou a recair essa necessidade sob empresas de pequeno e grande porte. 168

Diante de todo o delineado, fica claro que o Compliance surgiu em um contexto diretamente ligado a necessidade de ética corporativa e implantação de sistemas que assegurem o cumprimento da “legislação, valores éticos e objetivos eleitos como comuns e fundamentais as empresas.”169

Isso porque na atual sociedade em que vivemos, a simples informação de que o ente coletivo sofre investigação, já expõe a empresa e coloca a sua “credibilidade” em debate e o seu valor de mercado em risco.170

Assim, para garantir a integridade da empresa jurídica e dos interessados, adota-se como pressupostos de condutas “a transparência administrativa, a responsabilidade na prestação de contas, a equidade e a responsabilidade corporativa”, dentre outras medidas, que

166ROSSETO, Lucas. Compliance tributário e seus reflexos na atividade empresarial. In: LAMY, Eduardo. Compliance Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 160.

167ROSSETO, Lucas. Compliance tributário e seus reflexos na atividade empresarial. In: LAMY, Eduardo. Compliance Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 159.

168PESTANA, Marcio. Lei Anticorrupção: Exame Sistematizado da Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Manole,

2016. p. 80. Disponível em: <

https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520450567/cfi/101!/4/2@100:0.00>. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

169ROSSETO, Lucas. Compliance tributário e seus reflexos na atividade empresarial. In: LAMY, Eduardo. Compliance Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 157.

170SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo

modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. 1. ed. São Paulo: Liberars, 2016. p. 45.

visam, sempre, proteger a empresa, de “abusos de poder”, “erros estratégicos”, “fraudes”, dentre outras condutas, dos mais diversos âmbitos.171

Nas Palavras de Renato de Mello Jorge Silveira, não se trata apenas de “ornamentação de estilo das teorias do consenso – e nem mesmo da arbitragem ou dos sistemas de auditoria interna”, possui maior amplitude, pois traz para a empresa técnicas com a finalidade de preveni-la. Esse sistema que utiliza como meio a “programação de uma série de conduta (condução de cumprimento)” que consequentemente geram a minoração de riscos.172

Segundo os ensinamentos de Gustavo Costa Ferreira:

O instituto do compliance pode ser dividido em dois campos de atuação. O primeiro campo, de ordem subjetiva, compreende regulamentos internos, como a implementação de boas práticas dentro e fora da empresa e a aplicação de mecanismos em conformidade com a legislação pertinente à sua área de atuação, visando prevenir ou minimizar riscos, práticas ilícitas e a melhoria de seu relacionamento com clientes e fornecedores. De outra parte, a segundo campo possui natureza objetiva, ou seja, é determinado por lei.173

A importância do sistema Compliance é de tamanha relevância que um erro em sua estruturação pode gerar a pessoa jurídica danos imensuráveis, os quais variam dependendo da área em que ocorram. Assim, a empresa deve agir com severidade para combater e responsabilizar qualquer falha no sistema que protege não só seus bens materiais, como também a sua marca. Ou seja, o Compliance assegura a “valorização mercadológica” da marca, o que demonstra a sua importância, tendo em vista que no mundo dos negócios recai a regra de que “reputações que levam anos para serem construídas podem ser completamente destruídas em apenas algumas frases.”174

Conforme já mencionado, o Compliance é um sistema “multidisciplinar e pode ser trabalhado com foco em direito concorrencial, penal, antitruste, trabalhista, ambiental, fiscal e tributária, dentre outras, em conjunto ou isoladamente”. Assim, a título de melhor elucidação

171SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo

modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. 1. ed. São Paulo: Liberars, 2016. p. 44.

172SILVEIRA, Renato de Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

P. 255. Disponível em: <

https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522493012/cfi/271!/4/2@100:0.00>. Acesso em: 17 maio 2018>. Acesso restrito via Minha Unisul.

173PEGORARO, Mariana Martins do Lago Albuquerque; PAIVA, Danilo Tavares. Compliance: a novidade no

direito penal econômico e sua aplicação no âmbito político-partidário. In: LAMY, Eduardo. Compliance

Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 284.

174SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo

modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. 1. ed. São Paulo: Liberars, 2016. p. 51.

do objeto final do presente trabalho, importante se faz, nesse momento, o estudo do

Compliance no âmbito tributário.175

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