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Na prática, cabe à autoridade fiscal, durante a sua fiscalização, apurar se o fato se enquadra em ilícito penal. Em caso positivo deve formalizar a “representação fiscal para fins penais”, aplicando a sanção ao executor material “ou explicitar as razões fáticas e jurídicas que ensejam a ressalva pelo cumprimento de ordem expressa ou atuação regular.”125

No que tange a representação fiscal para fins penais, esta que vem preceituada no artigo 83, da Lei nº 9.430/1990, muito se debateu nos tribunais brasileiros quanto a necessidade de tal formalidade para, somente assim, possibilitar a atuação do Ministério Público. Em outras palavras, se a representação fiscal constituía “condição de procedibilidade da ação penal”. Porém, após a ADIn nº 1.571, o Supremo Tribunal Federal decidiu que sua natureza é “notitia criminis”, não condicionando o Ministério Público a essa representação.

122SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p 761

123SANTHIAS, Tânia Maria Francosi. Direito tributário aplicado: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2016.

p. 86.

124BARROS, José Ourismar. Criminalidade de empresa: a responsabilidade penal dos diretores empresariais.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 67.

125CAPELLA, Vicente Lisboa. O representante como responsável por infração tributária praticada com dolo e os

efeitos para a pessoa jurídica representada: análise do artigo 137 do CTN. In: BALTHAZAR, Ubaldo Cesar, MOTA. Direito Tributário e outros temas. Florianópolis: Insular, 2015. p. 369

Ademais o artigo 15, da Lei nº 8.137/1990, expressamente imputou a natureza de ação penal pública incondicionada aos crimes contra a ordem tributária.126

Deve-se lembrar que apesar de terem natureza incondicionada à representação, os crimes previstos no artigo 1º, da Lei nº 8.137/1990, como vimos no capítulo anterior, devem aguardar a constituição definitiva do crédito, para que possível a propositura da denúncia pelo Ministério Público, por inteligência da Súmula nº 24, do Supremo Tribunal Federal.127

Nesse sentido, cola-se recente decisão adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA. CRIMES CAPITULADOS NO ART. 1º, INCISOS I E II, DA LEI N.º 8.137/1990. AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE 24/STF. HIPÓTESE DE AFASTAMENTO DO ENUNCIADO SUMULAR NÃO CONFIGURADA. DENÚNCIA CIRCUNSCRITA AOS CRIMES FISCAIS

MATERIAIS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL JÁ

INSTAURADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. I - Na hipótese, a denúncia oferecida contra o recorrido, pela prática, em tese, dos crimes capitulados no art. 1º, incisos I e II, da Lei n.º 8.137/1990, foi rejeitada, em parte, porque o procedimento administrativo fiscal original aguardava apreciação de recurso voluntário, não estando, portanto, definitivamente constituído o crédito tributário, o que atraía a incidência da Súmula Vinculante n.º 24/STF ('Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo'). II - Como a denúncia circunscreveu-se a delitos materiais de natureza tributária, alcançados pela previsão contida na Súmula Vinculante n.º 24, é irretocável a decisão reprochada, sem prejuízo do oferecimento de nova inicial acusatória, após o lançamento definitivo do tributo, que já fora iniciado, enquanto não transcorrer o prazo da prescrição. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 907793 SP 2016/0108420-5, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 20/02/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/02/2018).128

Os crimes contra a ordem tributária, como quaisquer outros, passam pela fase de inquérito policial, “procedimento administrativo, preparatório da ação penal, conduzido pela polícia judiciária, com o propósito de colher provas para apurar a materialidade de uma infração penal e a sua autoria”.129

126BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. 1.

ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p 91.

127BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. 1.

ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 91.

128BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 907793. Relator: Min.

Felix Fischer. Brasília, DF, 20 de fevereiro de 2018. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=907793&b=ACOR&p=true&l=10&i=1 >. Acesso em: 21 maio 2018.

129NUCCI, Guilherme de Souza. Prática Forense Penal, 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1

Nas palavras de Fernando Capez

Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial.130

Mais especificamente no que tangem os delitos praticados por pessoa jurídica, contra a ordem tributária, a apuração dos indícios suficientes de autoria será através da análise do “Estatuto ou Contrato Social da Empresa, podendo o Indiciado ser o proprietário, o sócio, o administrador ou contador da sociedade, em conjunto ou isoladamente, responsável pela administração e escrituração contábil da empresa”. Já a verificação da materialidade da conduta do agente se dará com as “provas enviadas pela própria Fazenda Pública que autuou a pessoa jurídica em um ou mais dispositivos da Lei 8.137/90”.131

No momento da denúncia “peça acusatória iniciadora da ação penal”, o Ministério Público, deverá expor os “fatos que constituem, em tese, ilícito penal, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal à quem é presumidamente seu autor e a indicação das provas em que se alicerça a pretensão punitiva”. Tudo isso sempre respeitando os requisitos que constam no artigo 41, do Código de Processo Penal, quais sejam:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. 132

Porém, em muitos casos se torna extremamente difícil à constatação da conduta de cada dirigente, o que deve ser respeitado pela exordial acusatória, sob pena de afronta ao princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal da República de 1988. 133

130CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 111.

131LIRA, Rutilene. A responsabilização dos sócios e administradores de empresas nos crimes contra a

ordem tributária. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31738/a-responsabilizacao-dos-socios-e-

administradores-de-empresas-nos-crimes-contra-a-ordem-tributaria>. Acesso em: 02 maio 2018.

132CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 193.

133LIRA, Rutilene. A responsabilização dos sócios e administradores de empresas nos crimes contra a

ordem tributária. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31738/a-responsabilizacao-dos-socios-e-

administradores-de-empresas-nos-crimes-contra-a-ordem-tributaria>. Acesso em: 02 maio 2018.

Tentando diminuir as situações causadas pela inépcia dos tipos penais quanto a forma de responsabilizar os dirigentes, a “melhor doutrina” utiliza da teoria do domínio do fato. Essa teoria vem tentando solucionar a complexidade em responsabilizar os dirigentes da empresa, tendo em vista que muitas vezes eles não praticam os delitos pessoalmente, pois esses acabam sendo cometidos pelos seus funcionários. Isso gera o problema em imputar a sanção pelo fato ilícito, pois, como supramencionado, a responsabilidade deve ser pessoal do agente que cometeu o delito.134

Para essa teoria, o “autor é quem determina/conduz o “se” e o “como” do crime, “será aquele que, na concreta realização do fato típico, conscientemente domina mediante o poder de determinar o seu modo, e inclusive, quando possível, de interrompê-lo”. 135

Deve-se entender é que nos casos de crimes societários, a denúncia tem que conter a descriminação da conduta delituosa do agente, para que seja possível lhe imputar a autoria do delito, juntamente com as provas que justifiquem tal acusação, não bastando a “simples constatação do nome do Sócio ou proprietário no Contrato Social da empresa para que ocorra a condenação deste.”136

Dessa forma:

[...] por mais que estejamos tratando de crimes societários, não se pode atribuir o dolo solidariamente a todos os sócios do contrato social, sendo necessário um mínimo descritivo dos atos supostamente praticados, “de modo que seja possível identificar o papel desempenhado pelo(s) então denunciado(s) na estrutura jurídico- administrativa da empresa” (2011, p. 500-501)”,sob pena de caracterizar a inépcia da exordial acusatória.137

Assim, a simples invocação da teoria do domínio do fato não gera a responsabilidade pelos dirigentes da empresa como autores. Isso porque é necessário que o dirigente tenha emitido a “ordem para que o subordinado execute a ação definida como crime”. Ainda, parte-se da presunção de que o dirigente saiba a ilicitude da ordem por ele

134OLIVEIRA JÚNIOR, Eudes Quintino de; SECANHO, Antonelli Antonio Moreira. Crime societário e a

responsabilidade penal dos sócios ou diretores. Disponível em:

<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI260514,11049-

Crime+societario+e+a+responsabilidade+penal+dos+socios+ou+diretores>. Acesso em: 02 maio 2018.

135BARROS, José Ourismar. Criminalidade de empresa: a responsabilidade penal dos diretores empresariais.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 69 e 83.

136LIRA, Rutilene. A responsabilização dos sócios e administradores de empresas nos crimes contra a

ordem tributária. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31738/a-responsabilizacao-dos-socios-e-

administradores-de-empresas-nos-crimes-contra-a-ordem-tributaria>. Acesso em: 02 maio 2018.

137MENDES, 2011 apud SAIBRO, Henrique. A denúncia genérica nos crimes societários. Disponível em:

<https://canalcienciascriminais.com.br/a-denuncia-generica-nos-crimes-societarios>. Acesso em: 03 mai. 2018.

emanada, tendo “conhecimento de que a conduta é capaz de gerar o resultado e vontade de obtê-lo.”138

Nesse sentido foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, exarado pelo Ministro Relator Ricardo Lewandowski:

[...] não se pode invocar a teoria do domínio do fato, pura e simplesmente, sem nenhuma outra prova, citando de forma genérica os diretores estatutários da empresa, espalhados pelo Brasil, para lhes imputar um crime fiscal que teria sido supostamente praticado no Estado-membro. O Colegiado pontuou que, em matéria de crimes societários, a denúncia deve apresentar, suficiente e adequadamente, a conduta atribuível a cada um dos agentes, de modo a possibilitar a identificação do papel desempenhado pelos denunciados na estrutura jurídico-administrativa da empresa. Ressaltou que, no caso, a acusação feita aos pacientes deriva apenas dos cargos por eles ocupados na empresa de telefonia, estando ausente descrição mínima dos supostos atos ilícitos por eles praticados.139

A complexidade se faz maior ainda, quando se trata de autoria coletiva, que para Juarez Cirino, ocorre diante da “divisão de trabalho entre os co-autores”, cada um contribui de forma diferenciada para a ocorrência do delito, sendo que possuem em conjunto o “domínio comum do tipo injusto”, o que faz com que a responsabilidade penal deva ser imputada de forma individual, “diferenciada pela natureza das contribuições respectivas para o tipo de injusto, como objeto de valoração do juízo de culpabilidade”, nos termos do artigo 29, do Código Penal.140

Porém, diante de tamanha complexidade que o tema abrange, os tribunais brasileiros vêm aceitando a propositura da ação mediante a “narração genérica da conduta dos coautores e dos partícipes, devendo o autor apenas deixar bem clara a existência das elementares do concurso de agentes (CP, art. 29).”141

Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça em caso recente:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, IV, LEI N. 8137/90). INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO CONFIGURADA. ART. 41 DO CPP ATENDIDO. DESCRIÇÃO DA CONDUTA DELITIVA E CLASSIFICAÇÃO DO CRIME. ADEQUAÇÃO. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO DIREITO DE DEFESA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...]III - "Nos chamados crimes de autoria coletiva, embora a

138GRECO; ASSIS, 2014 apud BARROS, José Ourismar, 2016. p. 91.

139BRASIL. Supremo Tribunal Federal.: Compliance. Notícias STF, Brasília, 06 de setembro de 2012.

Disponível em: < http://m.stf.gov.br/portal/noticia/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=217450>. Acesso em: 20 maio 2018.

140SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 2. ed. Curitiba: Lumen juris, 2007. p. 361. 141CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 193.

vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa. Precedentes" (HC n. 394.225/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 24/8/2017). Habeas corpus não conhecido.(STJ - HC: 383376 SP 2016/0333211-3, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 14/09/2017, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/09/2017).142

Impende destacar que nos crimes de empresa, podem aos superiores ser imputada a responsabilidade penal, diante do dever de vigilância. Parte-se aqui do pressuposto de que o agente pode não ter praticado o ato ilícito efetivamente, mas “a ele incumbia a administração e fiscalização da escrituração contábil, e o recolhimento do montante devido ao fisco, pois na condição de responsável tributário a sua omissão, anuência ou participação na gerência dos negócios contribuiu para o crime de sonegação.”143

Trata-se de uma conduta omissiva por parte dos dirigentes que “tinham o dever de vigilância, em razão de fontes produtoras de perigo, característico da atividade empresarial, bem como em razão da delegação de funções.”144

Nesse sentido o artigo 13, §2º, do Código Penal, prevê que:

A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.145

Para José Ourismar Barros, “Tal dispositivo constitui verdadeira norma de extensão e permite que se puna, a título de autor, pela prática descrito em tipo comissivo aquele que tinha a posição de garantidor”, mesmo que o artigo em debate não seja claro quanto a quem figurará o polo ativo da ação, necessitando ser complementada pelas “normas

142BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 907793. Relator: Min. Felix Fischer. Brasília, DF,

14 de novembro de 2017. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=383376+&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i =4 >. Acesso em: 21 maio 2018.

143LIRA, Rutilene. A responsabilização dos sócios e administradores de empresas nos crimes contra a

ordem tributária. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31738/a-responsabilizacao-dos-socios-e-

administradores-de-empresas-nos-crimes-contra-a-ordem-tributaria>. Acesso em: 02 maio 2018.

144BARROS, José Ourismar. Criminalidade de empresa: a responsabilidade penal dos diretores empresariais.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 141.

145BRASIL. Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 08 maio 2018.

de extensão existentes nas leis especiais”, levando sempre em consideração as especificidades do crime empresarial.146

Nas relações de empresa, quando houver a existência de normas que imputam um “dever especial”, deverá o superior exercer a vigilância, “tendo como pressuposto um conhecimento mínimo da prática de atos que superem o risco permitido”. Parte-se da premissa que “o superior dispõe de dados suficientes para saber que a conduta de seus subordinados, executadas no âmbito de suas funções e no marco de seu poder de direção, cria um risco juridicamente desaprovado”. O que deve ficar claro é que somente pode ser imputado aos superiores quando ocorrer “infração ao dever de vigilância”, ou seja, deve existir uma norma que exija um “dever de agir dos superiores empresariais.”147

Assim, se não demonstrada à ausência do dever de vigilância por parte dos superiores, e se comprovada que o subordinado agiu em proveito próprio, estaremos diante da hipótese de culpa exclusiva do funcionário, pois não existiu qualquer ilicitude perpetrada pelos superiores. Isso tudo, partindo-se da premissa que não se pode responsabilizar penalmente uma pessoa por fato de outrem, sendo, sempre, “necessária a apuração dos fatos de sorte a que reste identificada a pessoa natural responsável pelo cometimento. E essa pessoa pode ser, ou não, sócio ou diretor.”148

Em se tratando de delitos contra a ordem tributária, esse dever de vigilância é imposto aos dirigentes da empresa, sob pena de lhes serem imputados as respectivas sanções penais. Nesse sentido, importante trazer à baila recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. NULIDADES. IN

OCORRÊNCIA. SONEGAÇÃO FISCAL. TIPICIDADE. ADMINISTRADOR. DEVER DE CUIDADO E VIGILÂNCIA. DOLO. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. DANO GRAVE. DISCRICIONARIEDADE. PREJUÍZO. VALOR ALTO. INCIDÊNCIA. CONTINUIDADE DELITIVA. NÚMERO DE CRIMES. PENA PECUNIÁRIA. DESPROPORÇÃO. REDUÇÃO. [...]IV - O administrador de sociedade empresária tem a obrigação de fiscalizar, administrar, gerenciar a empresa e zelar por sua regularidade, sob pena de responder por eventuais crimes contra a ordem tributária cometidos. [...].149

146BARROS, José Ourismar. Criminalidade de empresa: a responsabilidade penal dos diretores empresariais.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p 193 e 194

147BARROS, José Ourismar. Criminalidade de empresa: a responsabilidade penal dos diretores empresariais.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 194 e 197.

148MACHADO, Hugo de Britto. Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 82. 149BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1582308. Relator: Min. Nefi Cordeiro. Brasília,

DF, 19 de junho de 2009. Disponível em:

É diante do medo dos dirigentes em suportar processos de cunho criminal, tendo em vista esse dever de vigilância que lhes é imposto, bem como os catastróficos danos que esses processos podem gerar a empresa, que cada vez mais se vêm adotando o sistema

Criminal Compliance, que sob o prisma do Direito Penal, se faz de suma importância para

prevenir o cometimento de delitos das mais diversas naturezas. Isso porque o Criminal

Compliance, nesse âmbito, age como “um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e

legais, que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como atitude de seus funcionários.”150

Portanto, a implantação do sistema Criminal Compliance gera maior proteção a pessoa jurídica e aos seus dirigentes, pois esses além de ter maior controle sobre as condutas de seus acionistas, corpo diretivo, sócios, subordinados, colaboradores, dentre outros, conseguiram com maior facilidade apurar a quem imputar a respectiva culpabilidade e fazer a divisão das respectivas responsabilidades, dentre outros benefícios que esse mecanismo traz e que passaremos a elucidar no próximo capítulo.151

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1582308+&&tipo_visualizacao=RESUMO&b= ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true> . Acesso em: 15 maio 2018.

150CANDELORO RIZZO; PINHO, 2012 apud PEGORARO, Mariana Martins do Lago Albuquerque; PAIVA,

Danilo Tavares. Compliance: a novidade no direito penal econômico e sua aplicação no âmbito político- partidário. In: LAMY, Eduardo. Compliance Aspectos polêmicos e atuais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 282

151SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo

modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. 1. ed. São Paulo: Liberars, 2016. p. 45.

4 O SISTEMA CRIMINAL COMPLIANCE NO AMBITO DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO, COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO DA EMPRESA E DELEGAÇÃO DE RESPONSABILIDADE PENAL

Este capítulo traz uma análise do sistema Criminal Compliance, como mecanismo de prevenção utilizado pela empresa, no âmbito do direito penal tributário.

A discussão que cerca esse assunto é de extrema importância para os dias atuais, tendo em vista que o Compliance vem se tornando um mecanismo cada vez mais utilizados pelos empresários, não só como forma de prevenir a empresa nas mais diversas atividades que ela possa exercer, mas também como método de prevenção pessoal dos superiores, tendo em vista a crescente possibilidade de responsabilização pelo “dever de vigilância”, que lhes é imposto, inclusive no que tange aos crimes contra a ordem tributária, previstos na Lei nº 8.137/1990.

De início, o capítulo traz uma noção geral sobre o Compliance e seus mecanismo para assegurar o cumprimento de normas, passando para a análise do sistema Compliance no âmbito tributário e finalizando com a análise do Criminal Compliance no âmbito do Direito Penal Tributário.

4.1 COMPLIANCE E SEUS MECANISMOS PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO

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