• Nenhum resultado encontrado

Weber, Georg Simmmel, Ludwig von Mises, Vilfrido Pareto, entre outros.

A palavra comportamento tem dois sentidos básicos (LEE, 1992). O primeiro é sinônimo de variação de um determinado fenômeno de um estado ‘a’ para um estado ‘b’, em um dado período de tempo. Assim, o sociólogo Donald Black (1976) fala em comportamento do direito (behavior of law), querendo se referir à variação, em um dado período, de um conjunto de parâmetros pertinentes ao conceito de direito definido por ele, da mesma forma como um meteorologista falaria do comportamento de uma frente fria, com base em parâmetros pertinentes a esse conceito meteorológico. O segundo sentido, ao contrário, é restrito aos seres vivos ou organismos, podendo-se assemelhá-lo ao conceito de ação ou atividade (LEE, 1988). Geralmente, os psicólogos comportamentais definem comportamento como sendo ‘tudo o que os organismos fazem’ (RACHLIN, 1991; PIERCE; EPLING, 1995; CATANIA, 1998). Em seu estudo clássico sobre o comportamento dos organismos, Skinner define comportamento como “o movimento de um organismo ou de suas partes em uma estrutura de referência provida pelo organismo mesmo ou por vários objetos externos ou campos de força”121. Logo

em seguida, ele esclarece que considera conveniente localizar o ponto focal da definição proposta como sendo a ação do organismo sobre o mundo externo, acrescentando que se trata em geral do efeito mais do que do movimento propriamente dito. De fato, a idéia de comportamento como implicando a ocorrência de movimento do organismo é problemática, porquanto, para Skinner, assim como para todos os psicólogos comportamentais ditos radicais122, o ato de pensar é comportamento, embora não envolva necessariamente nenhum movimento do organismo em relação ao mundo externo123, por isso que eles deixaram ao final

121 Traduzido do original: “the movement of an organism or of its parts in a frame of reference provided by the

organism itself or by various external objects or fields of force” (SKINNER, 1938, p. 6).

122 Os psicólogos comportamentais ‘radicais’, conforme a expressão criada por Skinner, se diferenciam dos

psicólogos comportamentais ditos ‘metodológicos’, porquanto, ao contrário destes, não recusam a possibilidade de se estudar cientificamente os chamados fenômenos mentais, tais como, a consciência, o pensamento e a intenção, sob o pretexto de que são inobserváveis publicamente (por mais de um observador), propondo, no entanto, considerar tais fenômenos também como comportamento, destarte ‘radicalizando’ a proposta comportamentalista (SKINNER, 1953).

de se preocupar com a definição precisa de comportamento para ater-se à descrição, classificação e controle dos padrões comportamentais.

Os padrões comportamentais podem ser classificados em tipos, segundo o critério mais relevante para a Psicologia Comportamental que é o das contingências responsáveis pelo estabelecimento, manutenção e alteração desses padrões, as quais dividem-se tradicionalmente em contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais (GLENN, 1991, 2004). Assim, as contingências filogenéticas são responsáveis por padrões comportamentais inatos, como os reflexos, taxias e cinesias, além de padrões mais complexos, chamados genericamente de padrões fixos de ação (BAUM, 1994), como os ‘rituais’ de acasalamento, cuidado dos filhotes, forrageio e assim por diante. Embora não haja controvérsia quanto à base filogenética de tais padrões fixos de ação, cabe observar que, como argumentaremos no próximo capítulo, eles não podem ser adequadamente descritos, a partir da postulação de genes diretamente causadores de tais padrões, ainda que com o auxílio de entidades mentais fictícias, como os ‘instintos’ e os ‘módulos mentais’ postulados por filósofos e psicólogos cognitivos de formação mentalista.

Um caso exemplar é o da estampagem que ocorre em certas espécies de ave, logo após a saída do ovo. Descrevia-se a estampagem, com base na observação de campo, dizendo-se que os filhotes recém-saídos do ovo aprendiam imediatamente a seguir a mãe ou outra ave adulta que estivesse junto aos mesmos no momento da eclosão. Daí a origem da expressão ‘estampagem’, porque se dizia que a imagem da ave adulta em questão ficava como que impressa ou estampada na mente do filhote, preenchendo, por assim dizer, um espaço mental predeterminado, e liberando (releasing) dessarte o padrão comportamental de seguir a ave adulta cuja imagem ficara estampada. Porém, experimentos de laboratório mostraram que se podia alterar significativamente esse padrão, garantindo-se basicamente que um objeto de tamanho aproximado ao da ave adulta fosse mantido próximo ao filhote, mesmo que para

tanto este último devesse comportar-se de modo muito diferente do que normalmente ocorre no ambiente natural (SKINNER, 1953; CATANIA 1998). Com esse resultado, abriu-se a perspectiva de que os chamados padrões fixos de ação pudessem ser entendidos como causados pela combinação entre capacidades de aprendizagem inatas e ambientes relativamente estáveis, os ‘nichos’, nos quais as espécies reiteram comportamentos que têm sido, ao longo das gerações, úteis à sua sobrevivência e reprodução.

Os padrões comportamentais inatos mais estudados pelos psicólogos comportamentais são os reflexos, chamados também de comportamento respondente. O exemplo mais amplamente conhecido é o da salivação em cães, estudada pelo fisiólogo russo Ivan Petrovich Pavlov, no começo do século passado. Os reflexos já haviam sido considerados importantes para o estudo do comportamento animal por René Descartes, no século XVII. Foi somente a partir dos estudos de Pavlov, porém, que se desenvolveu um importante programa de pesquisa, que influenciou alguns dos maiores estudiosos do comportamento contemporâneos, com base no procedimento chamado condicionamento respondente, clássico ou pavloviano. De acordo com esse procedimento, se um reflexo - por exemplo, o aumento da salivação por ocasião da introdução de alimento na boca de um animal -, for precedido por um estímulo ambiental neutro em relação a esse reflexo, como o som de uma campainha, de modo suficientemente constante e temporalmente próximo à estimulação eliciadora do reflexo, o estímulo antes neutro – chamado de estímulo condicional (CS) – tornar-se-á capaz de eliciar o comportamento reflexo124, como se fora o próprio estímulo eliciador natural – chamado de estímulo incondicional (US) (RACHLIN, 1991).

A partir dessa descoberta inicial, o condicionamento respondente propiciou uma série de estudos comportamentais altamente precisos e complexos, como nunca se fizera antes na Psicologia Experimental (KELLER; SCHOENFELD, 1973), tendo sido, desde então, coroado

124 Na verdade, nem todos os estímulos neutros são passíveis de se tornar estímulos condicionados (LESLIE,

de êxito (RESCORLA, 1988), embora não se tenha confirmado a previsão inicial de que os reflexos poderiam se tornar a base principal da ciência do comportamento humano. Para a análise comportamental do direito, o estudo dos reflexos tem uma importância apenas indireta, porquanto a imensa maioria dos padrões comportamentais que são objeto das normas jurídicas é de origem ontogenética125, à qual iremos tratar em seguida, ou cultural, que será objeto do capítulo seguinte.

Quanto aos padrões fixos de ação, estudados geralmente pelos etologistas, sua caracterização científica nos seres humanos é muito menos precisa do que em outros animais126, embora existam atualmente vários programas de pesquisa que buscam ampliar o estudo da base biológico-evolutiva127 do comportamento humano (LALAND; BROWN, 2002; BARKOW; COSMIDES; TOOBY, 1992).

Parte da contribuição desses novos programas de pesquisa comportamental de orientação biológico-evolutiva tem sido incorporada naturalmente à ciência do comportamento humano (HULL; LANGMAN; GLENN, 2001). Porém, a Psicologia Comportamental, embora perfeitamente compatível com a Biologia Evolutiva, tem interesses distintos dos da maioria desses programas de pesquisa, percorrendo uma trajetória paralela128. Por outro lado, como foi

125 Convém lembrar que os reflexos condicionados também são parte da seleção comportamental ontogenética

(RACHLIN, 1989; DONAHOE; PALMER, 1994; FANTINO; LOGAN, 1979). Porém, no condicionamento respondente, não são os comportamentos que são propriamente aprendidos, isto é, selecionados, como no caso da aprendizagem operante, mas os estímulos neutros que, tornados contingentes aos estímulos eliciadores dos reflexos incondicionados, adquirem a propriedade de eliciar os comportamentos reflexos, os quais já eram parte do repertório do animal, se desconsiderarmos o estímulo eliciador. É verdade que, como argumentam os proponentes do chamado princípio do reforço unificado biocomportamental, é possível que aprendizagem respondente e operante sejam aspectos de um mesmo processo de base neurofisiológica. Por outro lado, como veremos adiante, o reflexo condicionado é importante para a aquisição de reforçadores condicionais, os quais, por sua vez, são a matéria-prima de grande parte do comportamento social humano. Daí porque afirmamos que o comportamento reflexo tem uma importância indireta para a análise comportamental do direito, tendo em vista, principalmente, o papel dos reforçadores condicionais na modelagem do comportamento social humano.

126 Por exemplo, é questionável que se possa derivar as características distintivas entre o namoro que se

praticava, digamos, no começo da década de 1970 e o ‘ficar’ que os adolescentes praticam atuamente no Brasil, com base tão-somente nas contingências filogenéticas que redundaram no comportamento sexual humano.

127 É interessante diferenciar o interesse atual em incorporar os conhecimentos da moderna Biologia Evolutiva ao

estudo do comportamento humano de outros movimentos intelectuais, ocorridos no final do século XIX e no começo do século passado, que se caracterizaram por tentar uma extrapolação da teoria evolucionista de Darwin para a Psicologia e a Sociologia, sem praticamente nenhuma base empírica e tampouco consistência teórica (ALEXANDER, 1979).

comprovado em relação à estampagem, o fato de se ter uma base filogenética para um determinado padrão comportamental não exclui que o mesmo possa ser objeto de modificação através da aprendizagem (ALEXANDER, 1987), o que torna a Psicologia Comportamental relevante para uma área aplicada como o Direito, mesmo em se tratando desses padrões fixos de ação, para não falar no condicionamento respondente. Como ressaltam Fantino e Logan (1979), todos os padrões comportamentais estudados pela ciência do comportamento humano têm uma base filogenética, seja no tocante à preparação (preparadness) dos seres humanos para a aprendizagem de certos comportamentos (CATANIA, 1998), seja, principalmente, no que tange aos chamados ‘eventos filogeneticamente importantes’, como comida, sexo e relacionamento social, que constituem a base dos reforçadores e punidores presentes nas contingências da aprendizagem de novos padrões comportamentais humanos (BAUM, 1994; SKINNER, 1987c).

Indubitavelmente, a área de estudo da Psicologia Comportamental de maior aplicabilidade na análise comportamental do direito é a do chamado comportamento operante, inaugurada pela obra pioneira de Edward L. Thorndike e posteriormente desenvolvida por Burrhus Frederic Skinner e seus muitos discípulos ao redor do mundo (RACHLIN, 1991; STADDON, 1993; O’DONOHUE; KITCHNER, 1999). O conceito de comportamento operante foi inventado por Skinner para enfatizar um tipo de padrão comportamental o qual opera no ambiente de tal modo que, conforme as suas conseqüências, isto é, as alterações ambientais resultantes dessa operação, o respectivo padrão se mantém, se altera ou se extingue. O comportamento operante, ao contrário do reflexo condicionado ou incondicionado, não pressupõe um estímulo eliciador determinado, mas sim um contexto, um comportamento e uma conseqüência, compondo uma unidade básica de investigação comportamental conhecida como tríplice

compatíveis com a Psicologia Comportamental são a Ecologia Comportamental Humana e a Co-evolução Genético-cultural, enquanto que o menos compatível é a Psicologia Evolutiva, ficando a Memética e a Sociobiologia em uma posição intermediária, conforme inclusive as especificidades dos subprogramas de pesquisa rotulados como tal (LALAND; BROWN, 2002).

contingência, assim chamada porque a conseqüência é contingente129 à ocorrência do

comportamento em um dado contexto (LESLIE, 1996).

Embora não tendo as mesmas propriedades físico-mecânicas dos reflexos, os operantes estudados pelos psicólogos comportamentais provaram-se também capazes de ser descritos segundo regularidades empíricas bem definidas e com alto grau de confiabilidade (DUTRA, 2001a, 2001b, 2003a, 2005). A principal regularidade empírica estabelecida pela pesquisa comportamental operante é a seleção comportamental pelo reforço ou punição – também chamada de seleção operante -, segundo a qual o comportamento operante irá sofrer modificações regulares e mensuráveis em razão das suas conseqüências, ou seja, das alterações ambientais ocasionadas pelo comportamento em questão, em particular, aquelas que consistam na apresentação ou remoção de determinados estímulos, chamados de reforçadores ou punidores, conforme, respectivamente, tendam a aumentar ou diminuir a freqüência com que o comportamento em questão ocorre (PIERCE; EPLING, 1995; CATANIA, 1998; BAUM, 1994; RACHLIN, 1991; KELLER; SCHOENFELD, 1973; LESLIE, 1996).