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Os vários desenvolvimentos da lei da igualação, no plano teórico-experimental e aplicado, deram um grande impulso à perspectiva molar no interior da Psicologia Comportamental, bem como no diálogo desta com outras disciplinas, principalmente com a Microeconomia. Esse diálogo, entretanto, não se dá apenas com a exportação de métodos e conceitos da Psicologia Comportamental para a Microeconomia, mas também pela importação de contribuições da

168 Optamos por traduzir a expressão inglesa ‘extraneous’ por ‘extravagantes’ porque a palavra ‘externas’, no

contexto, poderia dar à impressão de que se trataria necessariamente de fontes localizadas fora do ambiente experimental, quando, na verdade, se pretende dizer que são fontes estranhas ao contexto posto sob o controle do experimentador, o que é diferente. Porém, a palavra estranha não é usada em português com esse sentido sem que venha acompanhada de uma outra a ela subordinada, como, no caso, caberia dizer ‘estranhas ao contexto’, o que só complicaria as coisas. Já a expressão ‘extravagantes’ tem a vantagem de ser utilizada no Direito com esse exato sentido, de não pertencimento a um contexto, quando se fala, por exemplo, em lei extravagante, querendo

Microeconomia para as pesquisas e desenvolvimentos teóricos dos psicólogos comportamentais, resultando esse relacionamento em uma nova disciplina denominada Economia Comportamental (Behavioral Economics), a qual se define como “a combinação entre os conceitos, princípios e medidas da microeconomia e os conceitos, princípios e métodos experimentais desenvolvidos pelos analistas comportamentais”169 (MADDEN, 2000, p. 6).

Uma das principais contribuições da Economia Comportamental é a distinção entre ‘economia aberta’ e ‘economia fechada’ (HURSH, 1980). Nas pesquisas sobre comportamento operante, um procedimento tradicionalmente utilizado é o de se garantir a motivação do animal - isto é, o poder reforçador do estímulo contingente ao comportamento que será usado no experimento -, por meio da privação170. Por exemplo, no caso de se utilizar comida como reforçador,

garante-se a privação, mantendo-se o animal com cerca de 80% do seu peso normal, o que é feito por intermédio de suplementação alimentar, fora do contexto experimental e, conseqüentemente, de modo independente ao comportamento objeto do experimento em questão171. Essa prática foi denominada ‘economia aberta’. Nessas condições, o animal irá manter um padrão comportamental no qual, qualquer que seja o reforçador utilizado, a taxa de resposta será proporcional à taxa de reforço. Entretanto, se o procedimento for modificado de forma a que todo o acesso àquela modalidade de reforçador – por exemplo, todo o acesso à comida por parte do animal submetido ao procedimento – for obtido apenas por intermédio da contingência imposta no aparato experimental, então, a taxa de resposta irá variar, para alguns tipos de reforçador, de modo inverso ao da taxa de reforço; enquanto que, para outros tipos de reforçador, ela irá variar de modo diretamente proporcional à taxa de reforço (HURSH, 1978).

dizer lei que trata de um tema codificado, fora do respectivo código.

169 No original: “a combination of microeconomic concepts, principles, and measures along with concepts,

principles, and experimental methods developed by behavior analysts”.

170 A privação e a saciação, assim como outras operações que aumentam ou diminuem, em uma determinado

momento, a efetividade de um determinado estímulo como reforçador ou punidor são chamadas de operações estabelecedoras ou motivadoras (MICHAEL, 2004).

Essa modificação no procedimento, na qual o animal recebe toda a quantidade diária de um determinado reforçador – por exemplo, alimento – apenas submetendo-se à contingência imposta no aparato experimental foi denominada ‘economia fechada’. A grande vantagem dessa alteração no procedimento é que, em uma economia fechada, se pode levar em conta uma variável molar que não era controlada no procedimento tradicional (economia aberta), qual seja, a quantidade total de um determinado tipo de reforçador obtido pelo animal submetido ao experimento172.

Por outro lado, em uma economia fechada, é possível também se estudar experimentalmente o comportamento de escolha quando os reforçadores são qualitativamente diferentes, por meio do conceito de elasticidade da demanda de um bem ou, na linguagem da Psicologia Comportamental, de um reforçador (HURSH, 1984, 2000). Isto porque a taxa de resposta de um comportamento ao qual o acesso a um bem ou reforçador foi tornado contingente pode ser equiparada ao conceito de demanda utilizado na Microeconomia (RACHLIN et al., 1976; LEA, 1978; MADDEN, 2000; HURSH, 2000). Assim, a demanda (taxa de resposta) de um bem (reforçador) é dita inelástica quando, em condições de economia fechada, a mesma varia de modo inversamente proporcional à taxa de reforço. Chama-se, por sua vez, elástica à demanda (taxa de resposta) de um bem (reforçador) que, em condições de economia fechada, varia de modo diretamente proporcional à taxa de reforço. Exemplos experimentalmente comprovados de reforçadores que, em condições de economia fechada, têm, respectivamente, demanda inelástica e elástica são a comida e a estimulação elétrica cerebral (electrical brain

stimulation) (HURSH, 1984). Entretanto, essa distinção deixa de ser perceptível nas

condições experimentais da economia aberta, nas quais todos os reforçadores têm demanda elástica, o que se explica por força da suplementação, fora da contingência imposta no experimento, de reforçadores com demanda inelástica, como a comida, prejudicando assim o

172 Para um avançado tratamento das relações entre a Psicologia Comportamental e a Microeconomia,

controle dessa variável molar fundamental que é o nível total de consumo de um bem ou reforçador.

Outra contribuição importante da Economia Comportamental é a distinção entre bens173 substitutos e complementares. Essa distinção é importante em razão de a grande maioria dos estudos experimentais do comportamento de escolha se utilizar de um único tipo de reforçador, em ambas as opções, variando apenas as contingências em termos de magnitude, atraso e probabilidade do reforço (RACHLIN, 1989). Porém, quando os tipos de reforçadores utilizados são diferentes, as propriedades do comportamento apresentado também são distintas. Assim, se os reforçadores utilizados forem permutáveis entre si – digamos, água do filtro e água mineral sem gás – o padrão comportamental desenvolvido em um esquema de reforço concorrente será tal como descrito na lei da igualação. Por exemplo, se forem programadas duas opções com diferentes taxas de razão fixa, o animal irá concentrar as respostas quase que exclusivamente na opção que lhe garanta a maior taxa de reforço, conforme já mencionado por nós. Nesse caso, diz-se que os bens em questão são substitutos174. Na hipótese, porém, de bens ou reforçadores que só possam ser consumidos conjuntamente, chamados de bens complementares, à medida que a taxa de reforço de um deles aumenta (aumentando assim a quantidade total disponível do reforçador em questão, em condições de economia fechada), diminui a respectiva taxa de resposta, ao mesmo tempo em que aumenta a taxa de resposta na opção que torna o outro reforçador disponível, resultando na eliminação de quaisquer alterações significativas na quantidade relativa total de consumo dos mesmos. Um exemplo seria o de sapatos do pé esquerdo em relação aos do pé direito (RACHLIN, 1989, p. 193). Se, em um experimento hipotético, alguém estivesse submetido a

KAGEL; BATTALIO; GREEN, 1995.

173 Enquanto estivermos tratando da Economia Comportamental, iremos nos referir aos reforçadores, à maneira

dos economistas, como bens.

174 Na realidade, a grande maioria dos bens ou reforçadores mantêm graus variados de substitutibilidade entre si,

variando ainda de pessoa para pessoa, sendo raro o caso de bens substitutos perfeitos. Nos experimentos com o mesmo tipo de reforçador em um esquema concorrente, contudo, temos um exemplo de substituto perfeito.

um esquema de reforço concorrente por meio do qual, em uma das opções, cada 10 respostas fosse reforçada com um pé de sapato direito, enquanto que, na outra, cada 20 respostas fosse reforçada com um pé de sapato idêntico, porém esquerdo, é de se supor que a pessoa em questão distribuiria suas respostas de tal modo a obter um número máximo de pares de sapato, em vez de concentrá-las na opção que lhe garantiria mais sapatos, porém todos do pé direito175.

A Economia Comportamental é mais um importante desdobramento da perspectiva molar no sentido de dar conseqüência aos amplos horizontes teóricos e práticos do comportamentalismo radical de Skinner. Não obstante, a mera extensão dos padrões comportamentais no tempo não responde totalmente ao desafio de construir uma ciência do comportamento humano (DUTRA, 2003a), especialmente considerando-se as necessidades de uma disciplina social aplicada como o Direito. É preciso fazer a transição do laboratório para a vida social concreta de um modo que se contraponha à crítica recorrente contra o comportamentalismo radical skinneriano, segundo a qual este só se prestaria a aplicações práticas e, por conseguinte, a explicações teóricas, em se tratando de aspectos da existência humana muito semelhantes ao contexto experimental, em que há um controle quase absoluto do ambiente por parte do pesquisador, tais como em instituições fechadas, chamadas também de instituições totais, como hospitais, prisões, escolas e fábricas (LACEY, 2001). Ou ainda, em situações-limite, como as chamadas doenças psicóticas, nas quais a própria condição, por assim dizer, patológica do indivíduo o tornaria semelhante ao modelo de ser humano cognitivamente limitado que, segundo esses críticos, é o preconizado pela Psicologia Comportamental.

175 Nem sempre se pode saber, a priori, se dois reforçadores são ou não complementares, para um dado

indivíduo. O conceito de complementaridade, portanto, não se refere apenas aos bens que, obviamente, só podem ser consumidos em conjunto, mas a todos aqueles que apresentem as características descritas pelo conceito de complementaridade, em contextos de escolha. É importante ressaltar também que a economia fechada é uma condição molar, isto é, que leva em conta um período mais ou menos extenso de tempo. Nessas condições, mesmo dois bens que possam ser consumidos em momentos diferentes, se forem submetidos a uma contingência concorrente, podem demonstrar-se complementares, como é o caso da comida em relação à água (HURSH,

Não seria o caso aqui de responder a esses críticos, arrolando exemplos das muitas aplicações da Psicologia Comportamental que não se enquadram nos limites pressupostos por eles, mas de tentar traçar um esboço da visão comportamentalista de sociedade, porquanto, se essa visão for plausível e capaz de aplicação prática em um campo tão relevante e complexo como o Direito, não haverá mais como sustentar semelhantes críticas. É o que tentaremos fazer no capítulo seguinte.

1984).

CAPÍTULO 5 – ANÁLISE DO COMPORTAMENTO SOCIAL