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A ciência do comportamento humano, que se baseia principalmente na abordagem comportamentalista radical na Psicologia e suas ramificações em um amplo espectro de

79 Ambos são punições, mas as contingências responsáveis e os respectivos padrões comportamentais a que dão

disciplinas80, visa estabelecer leis do comportamento humano (DUTRA, 2001a, 2001b, 2003a,

2005), entendidas como regularidades comportamentais empiricamente válidas, que são sistematizadas em um modelo básico de ser humano atuante (KUNKEL, 1975), a partir do qual se busca, com os devidos acréscimos relativos às várias áreas de pesquisa, elaborar descrições, predições e formas de controle do comportamento humano, cientificamente fundamentadas. As regularidades comportamentais que compõem as normas práticas de controle social do comportamento humano são, portanto, os pressupostos empiricamente válidos sobre o comportamento humano, constantes de um modelo de indivíduo atuante adaptado ao contexto visado pela norma, ou seja, a meta social.

Os elementos básicos dessas leis do comportamento humano são, como foi dito, regularidades comportamentais empiricamente válidas, das quais o enunciado abaixo é um exemplo típico:

Se uma dada resposta comportamental humana ‘R’ (por exemplo, apanhar um pote de

soverte na geladeira e comê-lo) em razão do estímulo produzido por esta resposta ‘S’ (o sabor do sorvete) aumentou de freqüência (diz-se ‘foi reforçada’), então, a oportunidade de

realizar a resposta ‘R’ tornar-se-á capaz de reforçar (aumentar a freqüência de) uma outra

80 A esse amplo espectro de influências mais ou menos diretas do trabalho de Skinner e seus colaboradores e

seguidores assumidos, somadas às afinidades e compatibilidades de pontos de vista com a abordagem comportamentalista radical e suas várias ramificações, encontráveis em praticamente todas as disciplinas que lidam com o comportamento humano, propomos a denominação de ‘paradigma comportamentalista virtual’. Além da amplitude da influência comportamentalista nas Ciências Humanas, tal rótulo tenta levar em conta também que as atuais condições sociais e tecnológicas do trabalho científico já não se limitam ao estilo, digamos, demasiado ‘taylorista’ de ciência paradigmática vislumbrado por T. Kuhn (KUHN, 2001), embora se mantenham válidas grande parte das características associadas ao termo paradigma, especialmente quando entendidas em conjunto com a teoria dos programas de pesquisa (LAKATOS; MUSGRAVE, 1979) e noções correlatas. Com a crescente utilização de métodos computadorizados, a nessidade de uma estrutura custosa como o laboratório experimental típico da era skinneriana diminuiu. O mesmo se pode dizer da Sociologia, da Microeconomia e da Ciência Política. Da mesma forma, a troca de informações pela Internet tem tornado cada vez menos comum os círculos semi-exotéricos de membros de escolas teóricas rivais, o que facilita a mescla de perspectivas interparadigmáticas. Essas e muitas outras fascinantes mudanças nas contingências objetivas do trabalho científico nas Ciências Humanas trouxeram ao estudioso a possibilidade de construir o seu ‘locus individual de pesquisa’, tornando os paradigmas e os programas de pesquisa muito menos rígidos. Por isso escolhemos acrescentar a expressão ‘virtual’ ao paradigma comportamentalista radical, tal como o entendemos existente hoje, na medida em que, menos do que um grupo fechado de pesquisadores, trabalhando em condições semelhantes a uma ‘linha de montagem’, temos uma herança teórica, metodológica, epistemológica e, principalmente, empírica, da qual cada pesquisador faz uso conforme as próprias motivações e contingências de produção intelectual, enriquecendo e levando adiante o cabedal da ciência do comportamento humano.

resposta ‘RR’ (por exemplo, concluir a tarefa escolar), fazendo-se com que ‘R’ seja contingente à emissão de ‘RR’ (só pode apanhar sorvete na geladeira e comê-lo, depois de concluir a tarefa escolar).

São regularidades comportamentais como essa, devidamente adaptadas às condições vigentes nos contextos que interessam às diversas metas sociais a serem realizadas mediante a imposição de contingências sociais normativas, que irão orientar a escolha dessas últimas, tendo em vista a relação causal hipoteticamente existente entre a conduta positiva ou negativamente sancionada pelo direito e a meta social que se pretende alcançar.

Uma diferença fundamental entre as regularidades comportamentais e as contingências normativas em geral, inclusive as sociais, é que as primeiras, embora tendo uma estrutura lógica condicional idêntica, são compostas por tipos diferentes de variáveis. Senão vejamos. Nas contingências sociais normativas, não há, a priori, qualquer relação empiricamente válida entre a conduta e a conseqüência81, razão pela qual, justamente, essa última tem de ser

socialmente ligada à primeira, por intermédio, por exemplo, da atuação de algum agente da autoridade pública. Com efeito, a conseqüência – Pena: seis a doze anos de reclusão. – não tem, em princípio, qualquer relação empiricamente válida com a conduta – Matar alguém.-, razão pela qual tem de ser imposta socialmente, a fim de servir à meta social que presumidamente preside a punição jurídico-penal do homicídio simples82. Da mesma forma

que, no exemplo acima, a contingência normativa familiar – Concluir a tarefa escolar.

Recompensa: poder apanhar sorvete na geladeira e comê-lo. -, também não tem, em

princípio, qualquer relação empiricamente válida ligando a conduta à sua conseqüência. Em ambos os casos, a relação empiricamente válida existente a priori é aquela que vincula a

81 Porém, vale lembrar, essa relação empírica pode existir, a posteriori, como resultado da imposição

politicamente bem-sucedida da contingência social normativa em questão, em uma dada sociedade, em um determinado momento histórico.

imposição da própria contingência normativa – punir jurídico-penalmente o homicídio simples, recompensar nutritivamente a conclusão da tarefa escolar – à obtenção de uma determinada meta, social em um caso, familiar em outro, qual seja, a diminuição da freqüência do homicídio simples e o aumento da freqüência da conclusão das tarefas escolares, respectivamente. Explicitando-se as principais regularidades comportamentais subjacentes, a norma familiar acima poderia ser formulada nos seguintes termos:

Dado que, na história comportamental desse estudante em cujo repertório se pretende tornar

mais freqüente o comportamento de concluir as tarefas escolares, o sabor do sorvete aumentou a freqüência do comportamento de pegar o pote de sorvete na geladeira e comê-lo; e dado que, segundo uma regularidade empírica comprovada pela ciência do comportamento

humano, um comportamento que foi reforçado por um determinado estímulo pode reforçar outro comportamento, se tornado contingente a este último; então, o comportamento de

concluir as tarefas escolares tornar-se-á mais freqüente, se o comportamento de pegar o pote

de sorvete na geladeira e comê-lo for tornado contingente à conclusão das tarefas escolares.

Analisando o raciocínio acima, podemos perceber que, no caso da contingência normativa familiar – Só pode pegar sorvete na geladeira para comê-lo, após concluir a tarefa escolar. -, a variável dependente, inferida das regularidades empíricas, é a própria meta de tornar mais freqüente o comportamento de concluir a tarefa escolar; ao passo que a variável independente é a imposição da contingência familiar vinculando a conclusão da tarefa escolar à liberação do acesso ao sorvete guardado na geladeira. Já com relação às regularidades comportamentais envolvidas, seja a que afirma, para o indivíduo em questão, a capacidade reforçadora do sabor do soverte em relação ao comportamento de ter acesso à geladeira para comer sorvete, seja a que afirma, com base na Psicologia Comportamental, que, em face à história comportamental

imputação, bem como entre as noções correlatas de ordem natural ou natureza e ordem social ou sociedade.

do estudante, o comportamento de concluir tarefas escolares pode ser reforçado pelo livre acesso à geladeira para comer sorvete, as variáveis independentes são, respectivamente: a) o poder reforçador do sabor do sorvete; e, estabelecido o vínculo entre o reforçador ‘sabor de sorvete’ e o comportamento de ter acesso à geladeira para comer sorvete83, b) o próprio

comportamento de ‘ter acesso à geladeira para comer sorvete’, o qual, por conseguinte, pode ser utilizado, em uma contingência normativa familiar, como reforçador de outros comportamentos familiarmente desejáveis, ou seja, metas familiares.

83 Quando um vínculo desse tipo é estabelecido, diz-se que o comportamento ‘ter acesso à geladeira para comer

sorvete’ se torna um ‘reforçador condicionado’, porque pode reforçar outros comportamentos pelo fato de ser contingente ao ‘reforçador primário’, que é o ‘sabor do sorvete na boca’.

CAPÍTULO 3 – PRESCREVENDO NORMAS JURÍDICAS