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1.3 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA NA VISÃO BEHAVIORISTA RADICAL

1.3.1 O comportamento religioso

De acordo com Schoenfeld (1993, p. 22-23), o comportamento religioso deve

ser tratado como um fato natural e não atribuído a forças espirituais. Dessa forma,

afirma que o comportamento religioso tem elementos comuns independentemente

da época e do lugar em que são emitidos (SCHOENFELD, 1993, p.16).

Na interpretação de Schoenfeld (1993, p.3), o que faz com que a religião

continue sendo praticada nos dias atuais são as próprias consequências que ela

produz.

Não existe entre os behavioristas uma conceituação clara sobre o que é o

comportamento religioso. Schoelfeld (1993, p. 6) utiliza as palavras “religião”,

“religiosidade” e “comportamento religioso” de forma indiscriminada em sua obra. O

uso deste termo é mais frequente em Skinner que associa à adoção desta

terminologia ao que o organismo faz dentro de um contexto específico. Contexto

esse tanto marcado por fatores antecedentes quanto estímulos consequentes.

Uma das formas mais utilizadas para o controle comportamental advindo da

agência religiosa é o uso do reforço e da punição. Os vários tipos de reforços e

punições podem estar presentes na experiência religiosa e exercem um papel

central na manutenção destes repertórios, levando-se em consideração que o

comportamento religioso não difere, em termos funcionais, dos outros tipos de

comportamentos (SCHOENFELD, 1993, p.20).

Geralmente, as regras de comportamento estabelecidas pelas religiões são

acompanhadas de promessas, seguindo uma lógica retributiva. Parte-se do princípio

de que, a depender da sua ação, alguém será beneficiado ou prejudicado pelo

sagrado. O comportamento classificado como religioso pode ser reforçado tanto

positivamente quanto negativamente. Uma pessoa que participa de uma

determinada cerimônia ou ritual religioso, por exemplo, pode ter acesso a diversos

reforçadores positivos, como a obtenção de determinados favores, tais como

crescimento financeiro, sucesso na vida amorosa, admiração e respeito das pessoas

que valorizam tal prática, conteúdo de alento, etc.

Os chamados “reforços sociais” são muito importantes tanto para a

aquisição quanto para a manutenção do comportamento religioso. Um exemplo

disso são os pais que incentivam seus filhos a irem a um culto, prometendo-lhes

algo e elogiando frequentemente tais práticas. Esse reforço social também pode vir

das pessoas que fazem parte do grupo e valorizam aquelas atitudes condizentes

com as expectativas morais da religião.

De acordo com Skinner (1953/2003, p. 327), diversos tipos de reforços

requerem, necessariamente, a presença e ação de outras pessoas. Às vezes a outra

pessoa pode funcionar apenas como um objeto, ou mesmo, ser bastante ativa no

processo de reforçamento, como no caso da pessoa que fornece para outra algo

que ela precisa após ter pedido.

No caso do reforço social, não se pode falar em reforço sem referência a

outra pessoa como agente reforçador. Ele é visto como um processo de mediação

pessoal. Como exemplo, pode ser citado o fato da mãe que dá um certo alimento ao

seu filho. O alimento em si pode ser considerado um reforçador primário, porém a

atitude da mãe em apresentar o alimento é um tipo de reforço social.

O comportamento verbal geralmente acarreta um reforço social. Por isso que

a verbalização “Dê-me um copo d’água, por favor” não teria efeito nenhum em um

ambiente em que não houvesse alguém da mesma comunidade verbal do falante

que pudesse reforçar o seu comportamento apresentando-lhe a água pedida. Em

outras palavras, seria um comportamento com maior probabilidade de reforço, desde

que fosse emitido em um ambiente verbal apropriado e que favorecesse o

recebimento do reforço primário, isto é, a água.

Formas comuns de reforçamento social são: atenção, aprovação, afeição e

submissão. Além desses, podem estar presentes também estimulações aversivas

que têm relação direta com os comportamentos de uma outra pessoa. Trata-se, por

exemplo, da desaprovação, desprezo, da ridicularização, do insulto, etc.

Todos estes mecanismos de reforçamento social podem estar presentes no

caso da experiência religiosa. As principais estratégias de controle, nesse sentido,

estão associadas ao reforçamento social de práticas desejadas pela agência e na

punição de atitudes incompatíveis com o que se espera de um membro daquela

religião.

Outra forma de reforço presente em práticas religiosas é o reforço negativo.

Um comportamento que se mantém por ter como consequência a retirada de um

estímulo aversivo também pode estar presente na religião. Alguém, por exemplo,

que faz uma oferta no templo com objetivo de agradar a divindade que acredita

julgando estar afastando a possibilidade de condenação eterna está sendo reforçado

pela retirada de um estímulo aversivo que podem ser as palavras ameaçadoras de

seu pregador favorito. Praticar determinado ritual para eliminar dores, doenças,

incapacidades, problemas relacionais, etc. também são exemplos de

comportamentos mantidos por reforçadores negativos.

Por este viés, assim afirma Skinner:

As descrições tradicionais do Céu e do Inferno condensam reforços

positivos e negativos. Os aspectos variam de cultura para cultura,

mas se todos os reforçadores positivos ou negativos bem conhecidos

foram usados ou não, é difícil saber. Para um povo primitivo que

depende da floresta e do campo para a alimentação, o Céu é um feliz

campo de caça. Para um povo extremamente pobre, preocupado

com a fome da próxima refeição, é uma perpétua fritada de peixe.

Para o infeliz é o alívio da dor e da tristeza ou a reunião com amigos

e pessoas já falecidas. O Inferno, por outro lado, é um ajuntamento

de estímulos aversivos que tem sido com frequência

imaginativamente descrito. No Inferno de Dante, por exemplo,

encontramos a maioria dos reforçadores característicos de

ambientes sociais e não sociais. Apenas o choque elétrico do

laboratório psicológico está faltando (SKINNER, 1953/2003, p. 384).

Do ponto de vista prático, a ameaça de perder o céu ou até mesmo de ir

para o inferno é contingente ao chamado comportamento pecaminoso, isto é, aquele

que está em desacordo com a vontade da divindade.

A punição também é bastante utilizada em tais práticas. No Judaísmo antigo,

por exemplo, Javé também era interpretado como um ser que pune o pecado dos

pais nos filhos até a quarta geração (cf. Ex 20,4). Uma pessoa apanhada em

adultério ou em outras práticas de desobediência à Lei Mosaica também eram

passíveis de punições que variavam da exclusão social ao apedrejamento.

A agência religiosa pune o comportamento pecaminoso e, dessa forma, gera

uma condição aversiva que é descrita geralmente pelo fiel com “sentimento de

pecado”. Assim, uma forma da agência promover a fuga dessa condição aversiva é

usar de práticas de expiação ou de absolvição, oferecendo uma condição de

reforçamento ao comportamento tido como piedoso.

Para evitar comportamentos tidos como pecaminosos, as agências religiosas

estabelecem uma censura sobre situações e condições que podem favorecer o

desvio daquela moralidade defendida pelos adeptos de determinada religião. Nesta

direção, promovem o reforçamento de leis que controlam atitudes modestas no

vestir, proibição de bebidas alcoólicas, censura de livros, filmes, etc. (SKINNER,

1953/2003, p. 386)

Skinner continua dizendo que tanto a saciedade quanto a privação são

manipuladas. Como exemplo, pode-se citar o caso de São Paulo que, na primeira

carta aos coríntios (cf. 1 Cor 7), indica o casamento como uma medida eficaz para

combater a licenciosidade. Tem também esta função as indicações de jejum e

regimes espirituais que objetivam fazer com que as pessoas consigam refrear os

seus impulsos.

Algumas religiões apresentam classes de comportamentos substitutas

daquelas que são consideras erradas, isto é, moralmente inaceitáveis no conjunto

de seus ensinamentos. Para isso, encorajam formas substitutas de comportamento

para reduzir tendências sexuais ou outras. Esta prática foi conceituada por Skinner

como “saciação transferida” (SKINNER, 1953/2003, p. 386-387).

O uso da arte na experiência religiosa, como músicas, apresentações

teatrais, pinturas, danças, etc. favorecem o aparecimento de respostas emocionais.

Muitas destas produções artísticas tematizam aspectos da existência terrena e

também das realidades espirituais que podem fazer com que o sujeito tenha acesso

a experiências emocionais que favorecem o controle comportamental religioso.

O sujeito, sob tais condições, pode viver um processo de condicionamento

respondente. De acordo com Skinner (1953/2003, p. 386), respostas emocionais

específicas podem ser transferidas para estímulos, sejam eles verbais ou não

verbais. Estes estímulos poderão ser usados mais tarde pela agência religiosa com

propósitos de controle.

Os repertórios comportamentais relacionados à experiência religiosa são

diferentes de religião para religião, mas mantêm seus aspectos funcionais. Um

curandeiro pode utilizar de procedimentos mágicos com objetivos exclusivamente de

engrandecimento pessoal. Outros repertórios podem ser construídos a partir de

regras altruístas onde princípios éticos e cuidado com outro que sofre e a supressão

do egoísmo seriam muito mais passíveis de reforço social.

Um outro conceito bastante importante na obra de Skinner, e que tem

relevância para a presente discussão, é o de “comportamento supersticioso”. No ano

1948, ele escreveu um artigo intitulado: “Superstition in the Pigeon”. Nele, ele faz

uma descrição dos comportamentos de pombos que giravam em torno de si mesmos

ou batiam as asas, por exemplo, quando determinado alimento lhes era

apresentado. Estas respostas continuavam sendo emitidas com novas

apresentações do alimento a partir de uma relação de contiguidade com a comida.

Uma distinção clara entre comportamento religioso e supersticioso pode ser

encontrada em Benvenutti, 2010, p. 40:

Comportamento supersticioso é o efeito da contiguidade sobre o

comportamento individual; indica a seleção do responder de um

indivíduo pela coincidência de respostas com mudanças ambientais.

Superstições, por outro lado, são práticas de grupos de pessoas ou,

pelo menos, constituem-se de comportamentos individuais afetados

por variáveis sociais, como as instruções e descrições verbais.

Conforme dito acima, o comportamento supersticioso está diretamente

relacionado à contiguidade que exerce efeito sobre o comportamento do indivíduo.

Há uma coincidência entre o comportamento do sujeito e mudanças ambientais

específicas.