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4.3 APLICAÇÕES DA TEORIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL AO

4.3.2 O contexto histórico do decálogo como estímulo discriminativo

Nos estudos bíblicos, a análise do contexto histórico do texto é de

fundamental importância para a compreensão mais profunda das mensagens que o

texto veicula. Para a Análise do Comportamento, tal contexto tem o papel de

sinalizar para o autor ou redator as condições sob as quais seu comportamento de

escrever, e mesmo as exigências que faz com a transmissão de regras escritas,

pode ser reforçado, ou seja, produzir consequências que sejam agradáveis a quem

o produziu ou o uso como material autoritativo.

Por esta perspectiva, o ato da análise contextual deverá levar em

consideração a funcionalidade que o contexto exerce e seu poder de controle sobre

a forma e o conteúdo veiculado no texto.

O texto do decálogo, conforme visto anteriormente, não surgiu

exclusivamente da tradição deuteronomista, mas foi ali inserido com propósitos

estreitamente ligados ao projeto teológico desta tradição. No contexto do politeísmo,

o projeto deuteronomista se fortalecia no intuito de centralizar o culto e fazer com

que este fosse exclusivamente a YHWH. No período persa, por exemplo, o

mandamento “Não terás outros deuses” mantinha profunda relação com o processo

de reconstrução da comunidade judaica. Nesta reconstrução, objetivava-se manter o

povo unido em torno de um lugar oficial de culto a um único Deus.

Esse contexto supracitado sinaliza que o uso do mandamento pode exercer

significativo controle em vistas do fato da necessidade de resgate desta

reconstrução. Todavia, ainda antes deste período, na época das reformas josiânicas

no século VII a.C. havia o trabalho de reforma cultual e litúrgica. Além disso,

buscava-se resgatar a importância da Lei, tendo Moisés como figura síntese da

mesma. Tal fato sinalizava que o resgate da memória daquilo que Moisés fez e disse

poderia servir como forma de fortalecer a autoridade e a legitimidade das leis

propostas. Daí a existência de vários discursos de Moisés no livro do Deuteronômio,

colocando-o como peça chave nas narrativas (WEINFELD, 1972, p. 40).

O contexto histórico da deportação e do exílio babilônico foi interpretado na

literatura deuteronomista como punição de YHWH em função da infidelidade do povo

de Israel em oposição à ideia de que YHWH teria sido derrotado por Marduque. O

fato de as pessoas imaginarem que este último poderia ser mais forte que YHWH

sinaliza para o autor que sua narrativa e interpretação teológica que se opõe a tal

perspectiva pode produzir as consequências que deseja na medida em que oferece

uma explicação que seja compreendida e aceita pelos seus leitores.

Uma das questões que poderia favorecer tal entendimento era o uso de uma

explicação coerente com aquilo que já se acreditava: a Teologia da Retribuição. Esta

parte do princípio de que Deus dá a cada um conforme sua conduta. Assim, pune

aqueles que não obedecem aos seus preceitos e recompensa aqueles que lhe

obedecem (SOARES, 2004, p. 29).

A Teologia da Retribuição é bastante frequente em diversas passagens

bíblicas, tanto do Antigo quanto no Novo Testamento. Assim como fazia parte da

cultura religiosa de outros povos também no contexto do Antigo Oriente Próximo.

Estava presente no modo de outras civilizações entenderem a sabedoria na sua

estreita relação com o movimento da natureza em termos de causa ou efeito. Assim

afirma Ziener (2004, p. 381): “Sabedoria, como ciência adquirida mediante acurada

observação e reflexão sobre os dados da experiência, cujo objeto são as leis divinas

que governam o mundo, às quais o homem deve se submeter se quiser ter sucesso

e felicidade na vida”.

O fato desta forma de conceber a justiça divina estar tão presente na

mentalidade das pessoas no contexto do judaísmo antigo, sinaliza que a

interpretação do acontecimento do exílio em termos da lógica retributiva pode ser

acolhida pelas pessoas, uma vez que já tinham enraizado tal perspectiva, mas que

agora poderia atingir o propósito de colocar a culpa do exílio em Deus por ser visto

como mais fraco que Marduque, a lógica agora seria fazer com que o próprio povo

observasse que Deus estaria punindo o povo por sua conduta reprovável, ou seja,

ele continua sendo o grande protagonista da história e que caberia aos judeus a

responsabilidade de seus atos e que estes teriam a reação de YHWH (SOARES,

2004, p. 105).

No texto em questão, lê-se uma clara interpretação da ação retributiva de

Deus quando se afirma que o mesmo pune o pecado dos pais nos filhos, mas

também do mesmo modo age com misericórdia:

Não te prostrarás diante desses deuses nem os servirás, porque eu,

Iahweh teu Deus, sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos

pais sobre os filhos, até a terceira e a quarta geração dos que me

odeiam, mas que também ajo com amor até a milésima geração para

com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Dt

6,9-10).

A existência desta concepção de que Deus age de modo retributivo sinaliza

para o autor ou redator do texto deuteronômico que o uso do argumento acima

citado pode aumentar as chances do seguimento dos mandamentos aos quais tais

proposições se referem.

Assim sendo, numa abordagem bíblica analítico comportamental o contexto

histórico a ser analisado no processo interpretativo tem papel fundamental. Aqui se

evidencia que uma das grandes contribuições desta abordagem para os estudos

bíblicos consiste em favorecer que o texto seja visto em função do contexto, não

apenas em termos do conteúdo em si produzido, que é melhor esclarecido por esta

análise, mas também pelo fato de que o contexto funciona como estímulo

discriminativo para quem realizou a produção daquela literatura.

Na qualidade de estímulo discriminativo, o estudo do contexto aponta para

as condições sob as quais aquelas palavras podem exercer um papel controlador

sobre os ouvintes. Assim, a escolha das mesmas e a formação daquele discurso

específico será orientado para produzir os efeitos desejados.

No caso do texto deuteronômico em questão, a apresentação da imagem de

um Deus punitivo ao mesmo tempo em que lembra as pessoas uma concepção que

já era presente na mentalidade dos judeus, exerce um poder de coercitividade na

medida em que aponta para o fato de que se as exigências de YHWH não forem

cumpridas Israel não ficará impune.