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COMPORTAMENTOS DE CIDADANIA ORGANIZACIONAL EM EDUCADORES DE INFÂNCIA

Paula C. Neves Ana Coelho

Instituto Politécnico de Coimbra Universidade de Coimbra

pneves@esec.pt ana@esec.pt

RESUMO: Vários estudos têm identificado a natureza e as características dos

comportamentos de cidadania organizacional (CCO) em docentes dos ensinos básico e secundário, mas a investigação no campo da educação pré-escolar é quase inexistente. A evidência empírica do contributo deste tipo de comportamentos para o bom funcionamento de qualquer organização e as particularidades das funções dos/as educadores de infância relativamente às dos/as professores/as, justificam a realização de estudos sobre esta temática com profissionais de educação de infância. Nesta comunicação apresentam-se algumas conclusões de um estudo qualitativo em desenvolvimento realizado com a colaboração de educadores/as de infância onde se identificam os comportamentos de cidadania organizacional realizados por estes/as profissionais, bem como os fatores pessoais e contextuais que os influenciam. Os dados recolhidos nas entrevistas e analisados seguindo os procedimentos da Grounded Theory, em particular a técnica da comparação constante, indicam que: embora as educadoras inquiridas tendam a perspetivar a maioria das atividades que desenvolvem como dimensões centrais da sua profissionalidade específica, não as descrevendo portanto como CCO, é possível identificar algumas formas de CCO específicas das educadoras, quer ao nível profissional (de âmbito pedagógico e/ou organizacional) quer ao nível interpessoal (atividades focalizadas na relação com as crianças e com as famílias).

Introdução

O conceito de comportamentos de cidadania organizacional (CCO), inicialmente proposto por Smith, Organ e Near (1983), é definido por Organ (1988, p.4) como “comportamento individual discricionário, não direta ou explicitamente reconhecido pelo sistema formal de recompensas e que no seu conjunto promove o eficaz funcionamento da organização”. A importância e a pertinência do seu estudo reside na sua forte contribuição para o desempenho e a eficácia das organizações (Podsakoff, MacKenzie, Paine, & Bachrach, 2000).

A investigação sobre CCO, embora inicialmente reportada ao contexto empresarial (Podsakoff et al., 2000), foi sendo posteriormente alargada ao sector educativo (DiPaola & Neves, 2009; DiPaola & Tschannen-Moran, 2001; Somech & Drach-Zahavy, 2000). No âmbito das instituições educativas a investigação tem fornecido evidências de que, nas escolas que funcionam adequadamente, os docentes

não limitam as suas atividades às formalmente exigidas, mas desenvolvem outras que, não sendo obrigatórias, fazem a diferença porque têm impacto no rendimento dos alunos (DiPaola & Hoy, 2005; Oplatka, 2009). Na realidade, para alcançarem os seus objetivos, as escolas dependem da disponibilidade dos professores para exercerem esforços significativos, para além dos requisitos formais das suas funções (Bogler & Somech, 2004; Somech & Bogler, 2002).

A investigação sobre esta temática no campo da educação, embora ainda pouco abundante, tem sido realizada essencialmente com professores sendo quase inexistente no âmbito da educação de infância (Oplatka & Stundi, 2011).

Neste âmbito, a literatura tem identificado comportamentos CCO dos professores que se estruturam em três grandes categorias: comportamentos dirigidos aos estudantes (e.g. manter-se atualizado em termos pedagógico e científico; ficar depois do horário para ajudar alunos); comportamentos dirigidos aos colegas (e.g. apoiar novos professores, partilhar materiais, aliviar colegas mais sobrecarregados); comportamentos dirigidos à escola (e.g. voluntariar-se para tarefas extra, fazer sugestões de melhoria) (Christ, Van Dick, Wagner, & Stellmacher, 2003; Somech & Bogler, 2002; Somech & Drach-Zahavy, 2000).

Uma vez que a prática e os contextos profissionais dos educadores de infância apresentam especificidades e diferenças em relação aos dos professores, os dados encontrados na investigação com professores não poderão ser generalizados aos educadores.

Foi neste contexto que se planeou uma investigação com o objetivo geral de identificar os comportamentos dos educadores que podem ser considerados CCO, bem como os fatores antecedentes ou promotores deste tipo de comportamentos. Ou seja, pretende-se conhecer os comportamentos que os próprios educadores identificam como sendo discricionários (i.e. comportamentos que não fazem parte das suas obrigações formais), mas que estes realizam nos seus jardins de infância, e, ao mesmo tempo, compreender quais os fatores que, na perspetiva dos educadores, aumentam a probabilidade da sua ocorrência.

Nesta comunicação apresentam-se os dados referentes à segunda etapa da investigação qualitativa em curso.

Método

A metodologia global deste estudo é uma metodologia de cariz indutivo, onde a recolha de dados se processa através da realização de entrevistas semi-estruturadas.

O primeiro momento do estudo (já antes apresentado1) reportou-se a educadores de infância a trabalhar na rede pública, tendo sido identificados um conjunto de comportamentos/ atividades consideradas CCO pelos próprios educadores.

Neste trabalho apresentam-se os dados referentes ao segundo momento do projeto global, que se reportam às entrevistas realizadas a educadoras que exercem a sua função em instituições privadas (com fins lucrativos e da rede solidária). O critério de seleção utilizado foi o exercício de funções (pelo menos 8 anos) no setor privado com início logo após a licenciatura. Ou seja, educadores cuja experiência de trabalho tenha sido predominantemente realizada no setor privado

À semelhança do que aconteceu na primeira fase do estudo, no decorrer das entrevistas as educadoras foram convidadas a identificar as atividades/comportamentos obrigatoriamente exigíveis aos educadores, e aqueles que, não sendo obrigatórios, elas realizavam. Foi-lhes também solicitado que identificassem os fatores intervenientes (estimuladores ou inibidores) da realização deste segundo tipo de comportamentos.

Os dados recolhidos nas entrevistas foram posteriormente analisados seguindo os procedimentos da Grounded Theory (Glaser & Strauss, 1967), em particular a técnica da comparação constante.

Resultados

A análise indutiva das entrevistas evidenciou uma ideia transversal a todos os discursos analisados: a dificuldade em demarcar os limites e diferenciar com nitidez o que constitui atividade obrigatória e atividade discricionária para o educador de infância que exerce no setor privado. A ideia de que as funções são voláteis e dependem de instituição para instituição, ou seja “depende da casa onde estamos”, acompanhou o discurso das educadoras ao longo das entrevistas. A colagem das funções e atividades desenvolvidas pelas educadoras às características dos contextos, concretamente aos regulamentos internos e às lideranças das instituições,emergiu como uma característica central do discurso das educadoras inquiridas. Ficou claro que há instituições “onde

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nada é obrigatório, há uma autonomia total” e outras onde está claramente definido o que as educadoras têm de fazer e a sua “autonomia é muito reduzida”.

No entanto, a partir dos depoimentos das educadoras foi possível também identificar algumas formas de CCO, que foram organizadas em duas grandes categorias: profissional (atividades de âmbito pedagógico e de âmbito organizacional) e interpessoal (atividades focalizadas na relação com as crianças e com as famílias).

Apesar da ligação dos limites da função às normas e regulamentos das instituições o aprofundamento dos discursos ao longo das entrevistas permitiu compreender que, de um ponto de vista profissional, no âmbito pedagógico /curricular, as educadoras que exercem no privado relatam o mesmo tipo de atividades como não obrigatórias, e portanto CCO, que as suas colegas a exercerem funções na rede pública. É o caso do recurso a pedagogias participativas (Oliveira-Formosinho, 2007), que assegurem o envolvimento da criança no processo de decisão e na gestão do currículo, e da construção de dispositivos de regulação das práticas, em particular a utilização de formas de documentação pedagógica em vez de dispositivos estandardizados de avaliação. Embora as opções pedagógicas centradas nas crianças correspondam a princípios enunciados nos normativos que enquadram as práticas profissionais em educação pré-escolar, nomeadamente nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (Ministério da Educação, 1997), estas educadoras consideram que não são uma obrigação do educador. Apenas alguns o fazem por implicar manifestamente maior disponibilidade de tempo, e portanto ter subjacente um maior envolvimento e investimento.

Todavia, no âmbito organizacional, evidenciam-se diferenças entre os depoimentos das educadoras das redes pública e privada. As educadoras da rede privada relatam a assunção de responsabilidades e a execução de outras funções para além das pedagógicas, nomeadamente funções de acompanhamento das crianças nas rotinas habitualmente assumidas pelas auxiliares, como parte integrante das suas funções em alguns estabelecimentos. Assim, participar nas rotinas das crianças (e.g. hora de almoço), participar na organização da instituição (horários, organização dos espaços, das rotinas), trabalhar em equipa ou planificar eventos em conjunto podem, ou não, ser consideradas CCO, dependendo da instituição em que o educador está.

Ainda no âmbito organizacional, foi contudo possível identificar pontos de convergência entre os dois grupos de educadoras (do público e do privado). É o caso da disponibilidade efetiva para estender a atividade para além do horário formalmente estipulado; da participação efetiva em reuniões e iniciativas da instituição, com vista à melhoria dos processos (embora este aspeto esteja condicionado à existência ou não destas práticas nas instituições); e da procura de formação, como estratégia e condição para o desenvolvimento profissional e melhoria das práticas que desenvolvem.

No domínio interpessoal, a intencionalização da escuta das crianças, a par da organização de um ambiente educativo que seja simultaneamente desafiador e securizante, são também encarados pelos dois grupos de educadoras como opções que dependem “da sensibilidade e do profissionalismo do educador” e da compreensão da responsabilidade “do que é ser educador”. As diferenças que emergem neste âmbito resultam do facto de as educadoras do privado assumirem frequentemente algumas tarefas das auxiliares nas ações concretas de “cuidados” (higiene, alimentação,..), que no público são assumidas como CCO e que no privado podem ou não ter este estatuto.

Ainda no registo interpessoal, o aprofundamento da relação com os pais, e a definição de processos de verdadeira parceria, são apresentados por ambos os grupos como CCO, ou seja, comportamentos que apenas algumas educadoras escolhem adotar.

Por fim, os depoimentos acerca dos fatores facilitadores e/ou explicativos dos CCO dos educadores são também um aspeto onde se evidenciam diferenças nos dois grupos. Enquanto as educadoras do público apontam essencialmente fatores facilitadores centrados em aspetos que se referem à esfera pessoal, como a vocação, o gosto pela profissão ou a responsabilidade pessoal, as educadoras do privado, embora também se refiram à vocação e à responsabilidade de ser educadora, colocam especial ênfase nos aspetos relacionados com o contexto em que as práticas são exercidas. Como elemento de relevo apontam a cultura e o clima vivido em cada instituição valorizando particularmente as características da liderança. Sobre esta última acentuam essencialmente o seu papel determinante quer na delimitação dos limites da função, quer também como incentivadora ou inibidora da autonomia e da liberdade de opção que estão na base dos CCO. Embora as situações mais individualizadas como cansaço, desmotivação ou, no limite, a falta de vocação, apareçam tanto na rede pública como na privada, é na privada que surgem com maior destaque os fatores de ordem mais

organizacional, acentuando-se a ideia de que um bom clima institucional e uma liderança suportativa são condições para o envolvimento em CCO.

Considerações finais

Embora o estudo dos CCO dos educadores de infância constituía uma área de pesquisa recente e o presente projeto se encontre ainda numa fase inicial, de índole fundamentalmente exploratória, poder-se-á afirmar que os dados obtidos estabelecem um primeiro esboço do modo como as educadoras perspetivam as suas missões e concetualizam as fronteiras entre o que pode ser considerado uma obrigação profissional e uma opção que a transcende. As diferenças identificadas neste estudo entre as perspetivas das educadoras das redes pública e privada, sendo sugestivas, deverão ser, nesta fase da pesquisa, entendidas como indicativas e a necessitarem de maior exploração.

Referências Bibliográficas

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