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Compras governamentais enquanto instrumentos para a inovação: uma proposta de

Para este estudo, interessa-nos prioritariamente compreender os aspectos referentes à utilização das compras governamentais como incentivos ao surgimento de inovações nas empresas fornecedoras. Essa alternativa de utilização tem seu registro em novembro de 2004, em um documento, produzido no contexto da União Européia, que reconhecia que “as compras governamentais poderiam ser utilizadas para prover mercados pioneiros para novos produtos intensivos em inovação e pesquisas” (EUROPEAN COMISSION, 2005, p. 10, tradução nossa).

O avanço do uso das compras governamentais enquanto instrumento para o estímulo à inovação é registrado em Fraunhofer (2005, p. 3, tradução nossa), que reporta as demandas por uma “mobilização sistemática das compras governamentais para o bem da inovação e da competitividade”. Os autores seguem sua defesa de utilização desse instrumento, concluindo que as compras governamentais passam a ser reconhecidas, na literatura sobre políticas para a inovação, como “uma das formas mais diretas de estimular a inovação por meio da demanda” (FRAUNHOFER, 2005, p. 13, tradução nossa).

O relatório DTI (2003, p. 82, tradução nossa) apresenta o impacto potencial que o governo pode exercer sobre as inovações no tocante às compras governamentais a partir de três ações principais:

1. O papel do governo enquanto comprador (...);

2. O papel do governo enquanto regulador – a forma como ele define e implementa saúde, segurança e regulações ambientais e de produtos;

3. O papel do governo enquanto fonte de novos conhecimentos – na pesquisa e no desenvolvimento.

O papel desempenhado pelo governo na indução de inovações enquanto comprador – foco deste estudo – revela-se a partir do seguinte momento:

Ao agir como um consumidor inteligente e aberto a novas perspectivas, o governo e suas compras podem promover incentivos para que as firmas desenvolvam novos produtos, processos e serviços. Por outro lado, produtos e serviços inovadores podem ajudar o governo a obter melhor valor para o dinheiro público ao melhorar a qualidade dos serviços e reduzir custos permanentes (DTI, 2003, p. 80, tradução nossa).

Ao assumir a condição de principal consumidor, o governo exerce papel decisivo para as firmas inovadoras, fornecendo “as recompensas iniciais e as respostas de consumidores necessárias para que as empresas sobrevivam e sejam capazes de refinar seus produtos e serviços para que possam futuramente competir efetivamente no mercado global” (NESTA, 2001, p. 1, tradução nossa).

Cabe considerar, além das possibilidades de ação do governo no sentido de fomentar o surgimento de inovações nas empresas fornecedoras, a importância, para o governo, de prezar por soluções inovadoras. A inovação é considerada “a chave de um círculo virtuoso: investimentos levando ao crescimento e à eficiência, gerando recompensas que podem ser usadas para alcançar mudanças futuras e, ainda, para gerar inovações” (CBI, 2006, p. 1, tradução nossa). Ao demandar soluções dessa natureza, os governos são capazes de obter produtos e serviços melhorados, processos produtivos mais eficientes e modelos de negócios melhores a partir do estabelecimento de novas condições de mercado, o que confirma o proposto no Chain-Linked-Model.

Para os consumidores, produtos inovadores representam mercadorias com melhor qualidade e mais valor e, ainda, serviços mais eficientes, sejam eles públicos ou privados. Para as empresas, a inovação representa crescimento sustentável e melhorado, tendo em vista que organizações capazes de desenvolver soluções inovadoras obtêm lucros maiores (DTI, 2003). Os gastos do governo em inovações seriam, portanto, “gastos na intensificação do crescimento” do ponto de vista empresarial (CBI, 2006, p. 1, tradução nossa).

Para os governos, as compras governamentais são apresentadas como soluções para “estimular o desenvolvimento e a adoção de novas tecnologias e produtos e, ao mesmo tempo, para responder às pressões por serviços públicos melhorados” (CORDIS, 2006, p. 1, tradução nossa). Ao apresentar relatórios anteriores produzidos na União Européia, Binks (2006, p. 18, tradução nossa) relata a consideração das compras governamentais enquanto “importantes caminhos para a inovação e a criatividade”, ressaltando que os compradores “rotineiramente não estão procurando soluções mais imaginativas para necessidades e requisitos”.

Para Binks (2006, p. 18, tradução nossa), as especificações de compras dos governos “são geralmente estabelecidas rigidamente em torno de um requisito fixo (...) a ser atendido

com o mínimo custo possível”, o que representa uma “oportunidade perdida”, tendo em vista que “a inovação por parte dos fornecedores deveria ser encorajada durante o ciclo de vida do contrato de compras, especialmente nos estágios iniciais”.

A alternativa de utilização das compras governamentais enquanto instrumento para a inovação é justificada pelos seguintes aspectos:

• O setor público pode diminuir os riscos para as firmas em desenvolvimento e, na seqüência, para seus consumidores ao agir como um consumidor inicial para tecnologias e soluções inovadoras.

• A introdução de requisitos tecnológicos orientados à inovação em procedimentos de compras pode estimular o uso de tecnologias novas, mas ainda não comercializadas. Isso pode incentivar investimentos em pesquisa e desenvolvimento para aperfeiçoar essas tecnologias ou para desenvolver novas, criando um efeito indireto dinâmico na economia (EUROPEAN COMISSION, 2005, p. 11, tradução nossa).

A indução de inovações em empresas fornecedoras a partir das compras governamentais é um processo que se inicia com o posicionamento do governo enquanto mercado consumidor. Esse processo também gera efeitos que podem ser difundidos na economia. Para a compreensão do processo de difusão das inovações geradas por empresas fornecedoras a partir de sua participação em compras governamentais, constrói-se, neste estudo, uma proposta de entendimento que considera três passos apresentados na seqüência.

1) O Estado assume o papel de mercado consumidor para produtos inovadores, sendo o “demandante” para novas tecnologias e soluções desenvolvidas pelas empresas fornecedoras. Para delimitar os produtos inovadores a serem adquiridos, o Estado estabelece requisitos e parâmetros para o fornecimento de soluções com características inovadoras (produtos inexistentes ou que precisam ser aperfeiçoados).

2) Para atender aos requisitos governamentais para soluções inovadoras, as empresas precisam realizar melhorias em suas práticas produtivas e adequações em suas estruturas. Essas novas práticas produtivas são, então, estendidas ao fornecimento para os demais clientes, levando ao estabelecimento de um novo padrão de fornecimento no mercado. As empresas concorrentes são compelidas a gerar soluções inovadoras – ou a imitar - para manter suas posições no mercado.

3) Com a difusão das práticas inovadoras na economia, as empresas alcançam um novo patamar produtivo. O Estado, enquanto comprador, se beneficia com o nível de inovação dos produtos fornecidos e pode estabelecer novos requisitos que impulsionem a

geração de soluções inovadoras adicionais, levando a um novo ciclo de geração e difusão de inovações na economia. Este processo pode ser representado graficamente na figura abaixo:

Figura 7 – Indução de inovações com a utilização de compras governamentais Fonte: elaborado pela autora.