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Software: conceito, classificações e características 65

No Brasil, a definição para o conceito de software é fornecida pela Lei 9.609/1998. Em seu primeiro parágrafo, essa Lei define os programas de computador da seguinte maneira:

Expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento de informação dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos baseados em técnica digital ou análoga para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. (BRASIL, 1998).

O software é definido por Steinmueller (1995, p.2, tradução nossa) como “instruções computacionais que transformam a tabula rasa do hardware de computador em máquinas que desempenham funções úteis”. Inicialmente, o software surge como um apêndice do hardware.

A chamada indústria de software6 surge a partir do desenvolvimento técnico e econômico das atividades produtoras de software (FREIRE, 2002). O início dessa indústria é registrado nos Estados Unidos, na década de 1960. A autonomia da indústria de software ocorre entre a década de 1970 e o início da década de 1980 e sua consolidação ocorre entre as décadas de 1980 e 2000.

A literatura sobre a indústria de software propõe diferentes classificações para a compreensão das divisões internas dessa indústria. Embora não haja unanimidade na classificação adotada por diferentes autores, é possível identificar duas propostas comuns para a classificação dos produtos da indústria de software7. A primeira classificação considera a

forma de chegada dos softwares ao mercado, enquanto a segunda é baseada no tipo de mercado a que os softwares atendem. Neste trabalho serão apresentadas as duas formas de classificação mais comumente adotadas na literatura, embora se registre a ocorrência de outras.

Ao considerar a forma de chegada dos softwares ao mercado (primeira classificação), é possível três categorias para os softwares: pacote, embarcado ou serviço. A figura apresentada representa a classificação proposta para a indústria de software considerando a forma de chegada dos softwares ao mercado.

Figura 9 – Classificação da indústria de software quanto à forma de chegada dos softwares ao mercado Fonte: elaborado pela autora.

Os chamados “software pacote” são comercializados já prontos, ou seja, já elaborados e finalizados, não havendo interação entre o produtor e o cliente no desenvolvimento. Em geral, esses são softwares desenvolvidos com características padronizadas e voltados ao

6 O termo “indústria do software” é adotado neste trabalho como indicativo para toda a atividade produtora de

software de forma indistinta, ou seja, considerando todas as categorias e tipos de software produzidos. A adoção do termo considera o sentido atribuído à expressão “software industry”.

7 As classificações adotadas para a indústria de software neste trabalho são encontradas em Roselino (1998), em

Gutierrez e Alexandre (2001) e em Freire (2002).

Software pacote

Software embarcado Forma de chegada dos

softwares ao mercado

Software serviço

atendimento de grande número de clientes com as mesmas necessidades. Além dos software pacote, a literatura apresenta, ainda, a categorização dos chamados softwares embarcados, caracterizados por sua inserção em um equipamento no momento de entrada no mercado. O último tipo de software trazido pela literatura é o chamado software serviço (ou serviço de

software), que é caracterizado por seu desenvolvimento voltado especificamente para um cliente. Conforme demonstra o relatório produzido pelo SEBRAE (2007, p. 13), os serviços de software compreendem “uma variedade de serviços direta ou indiretamente relacionados a

software, desde capacitação, manutenção e suporte até o desenvolvimento completo sob encomenda”. O relatório demarca, ainda, “o ponto de encontro entre o modelo produto e o modelo serviço”, que seria o software customizável (SEBRAE, 2007, p. 14).

Marca o serviço de software a forte interação entre produtor e consumidor, o que caracteriza uma relação de serviço (GALLOUJ, 2002). Roselino (1998) demonstra que, na maioria das vezes, os serviços de software são produzidos a partir de uma demanda do consumidor (ou seja, por encomenda), que especifica previamente as funcionalidades e características desejadas no sistema. Por serem produzidos a partir de demandas do consumidor, os serviços de software são sistemas considerados intensivos em conhecimentos específicos (BILDERBEKK; HERTOG, 1998). Em alguns casos, ressalta o autor, esses

softwares podem ser ofertados ao consumidor como parte de sistemas integrados compostos por equipamentos, treinamentos, etc.

A produção de um serviço de software é caracterizada por Roselino (1998) como uma atividade de baixo risco, tendo em vista que seu desenvolvimento é acordado previamente entre o produtor e o consumidor. O autor destaca, ainda, uma especificidade do serviço de

software em relação ao software pacote: “se, por um lado, o desenvolvimento de software sob encomenda apresenta reduzido risco para o produtor, por outro lado inexiste a possibilidade de elevados ganhos com a reprodução em escala, como ocorre com o software pacote” (ROSELINO, 1998, p. 10).

Gutierrez e Alexandre (2001, p. 15) demonstram que, de acordo com o método de compra adotado, é possível dividir os serviços de software em serviços discretos e

outsourcing. Os serviços discretos são concebidos como “aqueles realizados em um período de tempo curto e predeterminado”, sendo caracterizados por contratos simples em que a responsabilidade do projeto fica com o cliente. Em geral, os serviços discretos são prestados por empresas externas em função da incapacidade do cliente de desenvolvê-los internamente. O outsourcing, por sua vez, consiste na transferência de parte da responsabilidade por um projeto à desenvolvedora. Os autores alertam, no entanto, que “a contratação de serviços a

uma empresa externa à organização não configura necessariamente um outsourcing, pois ele requer sempre um nível razoável de troca de informação, coordenação e confiança entre ambas as partes” (GUTIERREZ; ALEXANDRE, 2001, p. 15).

Além da divisão apresentada por Gutierrez e Alexandre (2001), é possível classificar os serviços de software em serviços de alto valor agregado e serviços de baixo valor agregado. Os serviços de baixo valor agregado são aqueles que “envolvem aspectos como manutenção de software ou geração de códigos. São serviços que demandam conhecimentos mais básicos de programação” (SALATTI, 2005, p. 30). O relatório produzido pelo SEBRAE (2007, p. 14) acrescenta, ainda, que os serviços de baixo valor agregado “são os que se baseiam mais na capacidade de saber fazer de acordo com especificações já definidas, como é o caso da programação (codificação) sob encomenda e da capacitação”.

Os serviços de alto valor agregado, por sua vez, envolveriam ações que vão “desde a análise de requisitos do cliente até o conhecimento de regras do negócio” (SALATTI, 2005, p. 30). Conforme complementa o relatório do SEBRAE (2007, p. 14), os serviços de alto valor agregado são marcados pelo “maior aporte de inteligência e expertise na proposição de soluções, como é o caso de levantamento e análise de requisitos e especificação da solução em um serviço de desenvolvimento sob encomenda e da capacitação”.

Além da classificação que considera a forma de chegada dos softwares ao mercado (primeira classificação), propõe-se neste trabalho a adoção de uma segunda forma de classificação, que considera o mercado atendido pelos softwares. De acordo com essa classificação, haveria dois segmentos possíveis para os softwares: segmento horizontal e segmento vertical.

Figura 10 – Classificação da indústria de software quanto ao mercado atendido: segmentos horizontal e vertical

Fonte: elaborado pela autora.

Roselino (1998) aponta o surgimento do segmento de softwares horizontais como uma solução para o atendimento a necessidades semelhantes de vários usuários:

Segmento horizontal

Segmento vertical Mercado atendido pelos

A emergência de uma indústria de computadores padronizados trouxe consigo a demanda por soluções que visam atender necessidades gerais dos mais diversos tipos de usuários, que apresentam exigências semelhantes para equipamentos compatíveis, desde soluções de ‘baixa hierarquia’ do software (sistemas operacionais, linguagens e compiladores) até aplicativos de funções mais complexas (bancos de dados, softwares gráficos e comunicação de dados). (ROSELINO, 1998, p. 12)

Campos, Nicolau e Simioni (2002, p. 204) definem que o segmento horizontal é formado por “pacotes best-seller de uso difundido (como sistemas operacionais, ferramentas, aplicativos tipo processadores de texto, etc.), tem base de conhecimento intensiva em informática e possui mercado potencial amplo”. Gutierrez e Alexandre (2001, p. 13) acrescentam que os softwares que fazem parte do segmento horizontal são aqueles que podem ser utilizados “por qualquer tipo de usuário, sendo necessária para sua construção apenas conhecimentos de informática”. Como exemplo de softwares que se encaixariam nesse segmento, os autores apresentam os softwares de infra-estrutura, editores gráficos, agendas e planilhas.

O segmento vertical é formado por softwares elaborados “de acordo com as especificações adequadas a alguma atividade ou setor” (ROSELINO, 1998, p. 13). Os

softwares que fazem parte desse segmento podem ser comercializados tanto sob a forma pacote, como embarcado e serviço. Freire (2002) aponta que os softwares do segmento vertical são frequentemente voltados a atividades de saúde, educação, transportes ou pesquisa e que sua comercialização mais comum ocorre sob a forma de encomendas.

Gutierrez e Alexandre (2001) apontam que o desenvolvimento dos softwares do segmento vertical exige conhecimentos específicos da atividade ou do negócio ao qual se destinam, tendo em vista que são softwares produzidos para atender a finalidades específicas de uma atividade. Como exemplo de softwares do segmento vertical, os autores citam “os sistemas para administração hospitalar, projeto de circuitos integrados, previsões meteorológicas, softwares educativos, etc.” (GUTIERREZ; ALEXANDRE, 2001, p. 13). Em função da utilização de conhecimentos específicos da área de aplicação a que se destinam, Freire (2002) destaca, ainda, que os softwares que fazem parte do segmento vertical possuem ciclo de vida mais longo, sendo marcados por atualizações e construção de novas versões em função do surgimento de ambientes comerciais mais favoráveis (como sistemas de comunicação via rede, por exemplo).

Em função da necessidade de desenvolver soluções específicas para uma área, Campos, Nicolau e Simioni (2002) destacam nos softwares do segmento vertical forte relação

entre produtor e usuário, o que caracteriza uma relação de serviço intensa. A comercialização dos softwares do segmento vertical demanda maior proximidade entre o produtor e o cliente, tendo em vista que, em geral, exige treinamentos para utilização do software (interação antes da venda) e, ainda, serviços de assistência técnica (interação pós-venda). Nesse segmento, destacam Campos, Nicolau e Simioni (2002, p. 205), a prestação de serviços geraria receitas até mesmo superiores ao licenciamento de produtos, razão que leva os autores a definir que “o

software vertical, de fato, é um híbrido de pacote e serviços”.

Uma análise da indústria de software permite identificar algumas características específicas e peculiares a ela em relação às demais. A atividade de produção de software demanda “um processo criativo (normalmente coletivo) de concepção às vezes chamado

design” (ROSELINO, 1998, p. 17). Por ser uma atividade criativa, Roselino (1998) demonstra que o desenvolvimento de softwares pode ser caracterizado como uma atividade intensiva em conhecimento e altamente dependente de mão-de-obra qualificada. A atividade de software é destacada por Gutierrez e Alexandre (2001, p. 5) como “um dos responsáveis pela diferenciação de produtos tradicionais8, competindo-lhes maior competitividade”.

Gutierrez e Alexandre (2001) destacam o caráter dinâmico da indústria de software, caracterizando-a como uma indústria em constante processo de mudanças. Para esses autores, novas oportunidades de mercado são criadas constantemente em função das “intermitentes inovações ocorridas tanto na intra-indústria quanto em outros setores de tecnologia” (GUTIERREZ; ALEXANDRE, 2001, p. 34). Em função do dinamismo da indústria, muitas são as oportunidades de negócios geradas. Em alguns casos, as oportunidades geradas na indústria de software exigem capital reduzido, o que abre espaço para a participação de empresas de pequeno e médio porte nessa indústria.

Algumas características específicas da indústria de software são identificadas por Freire (2002). Entre elas, é possível destacar a alta taxa de natalidade e de mortalidade entre as firmas do setor e a mudança constante no perfil da empresas (em relação ao conteúdo tecnológico e organizacional). Rocha (1998), por sua vez, destaca o alto índice de crescimento da produtividade do setor, atribuindo esse fenômeno a dois fatores: a emergência da chamada “engenharia de software”, que teria permitido o desenvolvimento de softwares com reduzido custo de manutenção e reaproveitamento de soluções já desenvolvidas e, ainda, ao “surgimento de máquinas com maior capacidade de processamento e armazenamento de informações” (ROCHA, 1998, p. 1).

Bresnahan e Greenstein (1999, p. 2-3) apresentam características da indústria de computadores que podem ser estendidas à indústria de software. Esses autores defendem que há três características básicas a serem associadas a essa indústria. São elas:

• Inovações tecnológicas ocorrem rapidamente e de forma constante.

• A própria natureza da comercialização das inovações. Nos novos segmentos (como microcomputadores), o nível de especialização é muito maior que nos segmentos mais antigos. A entrada de novas firmas não se dá pela competição direta com as firmas já estabelecidas, mas pelo suprimento de necessidades incrementais.

• A interação entre compradores e vendedores se organiza em torno de plataformas.

Dentro das plataformas, as possibilidades de aperfeiçoamento de softwares reduzem a necessidade de desenvolvimento de produtos inteiramente novos, o que reduz os custos de produção (CAMPOS; NICOLAU; SIMIONI, 2002). O desenvolvimento de novos produtos nas plataformas, aliado ao aprimoramento (ou upgrade) dos já existentes, contribui para a manutenção do domínio tecnológico das empresas já existentes nas plataformas. Esse fenômeno, chamado de cumulatividade tecnológica9, contribui para a manutenção das firmas existentes no mercado e se comporta como uma barreira para os novos entrantes. Afinal, para competir com as firmas já estabelecidas, os novos entrantes precisarão realizar investimentos elevados para desenvolver soluções que já são de domínio das firmas estabelecidas. O desenvolvimento de inovações radicais ficaria, portanto, mais restrito às firmas já estabelecidas, restando às firmas entrantes a opção de realizar inovações incrementais sobre

softwares já desenvolvidos nas plataformas.

Steinmueller (1995) destaca três peculiaridades para a indústria de software:

• Embora o desenvolvimento de software seja uma atividade intensiva em conhecimento, a reprodução do software final demanda custos irrisórios. Essa é uma característica incomum no setor de serviços e faz com que firmas interessadas em comercializar serviços de programação procurem “oportunidades para reutilizar partes ou mesmo todo um software criado previamente para outros clientes ao fornecer um serviço para novos clientes” (STEINMUELLER, 1995, p. 3). Um software que é produzido uma única vez deve ser visto como um “service output”, enquanto um

programa reproduzido várias vezes tem características de desenvolvimento e de comercialização semelhantes às de bens manufaturados.

• Na indústria de software, é preciso considerar dois tipos de outputs: os intermediários e os finais. Os outputs intermediários são utilizados para produzir outros produtos e serviços, enquanto os finais são vendidos para consumidores. A disseminação dos computadores pessoais fez com que a venda de softwares como produtos finais se tornassem a indústria dominante.

• E preciso estabelecer distinção entre o software e a produção de outros commodities econômicos. “O software, assim como outros commodities, exige inputs que possuem usos alternativos e que, uma vez produzidos, adquirem valor econômico enquanto bens intermediários ou finais” (STEINMUELLER, 1995, p. 4). Por outro lado, o

software é por si só um commoditie incomum em função de seus custos marginais de reprodução, que são muito baixos ou mesmo desprezíveis.