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3.1 Do Haiti para os Estados Unidos

3.1.2 Compreendendo o percurso migratório

Durante o período colonial e no pós-independência, haitianos emigravam, principalmente, em direção à França, às colônias francesas na África e ao Canadá de língua francesa (STEPICK, 1998, p. 4). Os primeiros movimentos migratórios com destino aos Estados Unidos foram constatados a partir de 1910, com sua interferência política e econômica em território haitiano e intensificaram-se no período que correspondeu à ocupação do Haiti pela Marinha Americana (1915-

1934). Na tentativa de escapar da violência rural resultante da ocupação americana,

os haitianos fugiam para territórios vizinhos, como Cuba e República Dominicana,

mas também foi neste período que os primeiros deles se direcionaram aos Estados Unidos, tratava-se especialmente de estudantes patrocinados pela liderança política do Haiti, na época, imposta pelo governo americano. Houve um período, mais precisamente durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, em que os movimentos diminuíram razoavelmente, em razão da falta de interesse da elite em deixar o Haiti, e quando o faziam preferiam outras localidades que não os Estados Unidos (BUENKER; RATNER, 2005, p. 174). No início da década de 1950, com o novo Decreto de Imigração e Naturalização, que favorecia imigrantes de diversos grupos, inclusive do Haiti, o número de haitianos que migravam para o território americano voltou a crescer. Vale ressaltar que, considerando que a elite já não tinha tanto interesse em deixar o país, os imigrantes haitianos desse período pertenciam a uma classe menos privilegiada, e em consequência disso, menos instruída em relação ao anterior (BUENKER; RATNER, 2005, p. 175).

Em meados da década de 1960, o Decreto McCarran-Walter, de caráter mais rígido em relação à imigração, estabeleceu o status de refugiado para aqueles que adentravam o território americano em busca de proteção. Nesse período, o Haiti já estava sob o controle da Dinastia Duvalier (1957-1986), primeiro sob a liderança do pai, François Duvalier, Papa Doc, e depois do filho, Jean-Claude, Baby Doc, fato que está diretamente relacionado ao aumento do fluxo de Haitianos que tentavam deixar o país, fugindo dos problemas ocasionados pela ditadura opressora dos Duvalier. Foi então que a elite haitiana retomou o interesse em emigrar, almejando melhores oportunidades. Profissionais como médicos, advogados, professores e tantos outros seguiram para regiões tanto do Canadá quanto dos Estados Unidos, sendo que, impedidos de exercer sua profissão, acabavam por viver em situações precárias no que diz respeito à saúde, educação e moradia (BUENKER; RATNER, 2005, p. 176). Estes imigrantes, assim que entravam em território estrangeiro, estabeleciam sua própria comunidade, na tentativa de integrar-se à nova sociedade. No caso dos Estados Unidos, a primeira comunidade de haitianos foi estabelecida em Nova Iorque, formada por imigrantes com maior grau de instrução, para, em seguida, outras começarem a se formar em Miami e áreas vizinhas, composta, em maior parte, pela classe menos favorecida.

Os primeiros haitianos a chegarem à Nova Iorque se estabeleceram a oeste de Manhattan. À medida que a política migratória facilitava a entrada de mais imigrantes na região, estes foram direcionando-se ao Brooklyn, onde encontravam mais oportunidades de trabalho e moradia. Logo, o Brooklyn se tornou a maior comunidade de haitianos em Nova Iorque, devido à grande concentração de negócios estabelecidos por esses imigrantes (PIERRE-LOUIS, 2013, p. 28). Começaram então a surgir os Centros Comunitários, como o Alliance des Immigres

Haitiens, que tinham o objetivo de prestar serviços aos imigrantes recém-chegados, tais como encaminhamentos para oportunidades de trabalho, traduções e cursos de inglês, além de divulgar novidades sobre o que acontecia no Haiti e estimular o engajamento político contra a dinastia Duvalier. Em 1982, organizações se uniram e fundaram o Haitian Centers Council (HCC), que agia em nome de todos os outros centros e foi responsável por conseguir melhor assistência aos refugiados e imigrantes, no que diz respeito à saúde e educação, além de incentivar a criação de programas de prevenção contra a AIDS e a violência doméstica (PIERRE-LOUIS, 2013, p. 28-29). Manifestações culturais e celebrações de feriados nacionais, como o Dia da Independência e o Dia da Bandeira, ajudam a preservar a história e a reafirmar a identidade dos imigrantes haitianos no interior das comunidades (PIERRE-LOUIS, 2013, p. 30-31).

Entre as décadas de 1970 e 1980, período marcado pela morte de Papa Doc e a posse do sucessor, seu filho Baby Doc, milhares de haitianos emigraram para os Estados Unidos. Esta foi considerada a segunda onda migratória de haitianos para o território norte-americano por alguns pesquisadores como Alex Stepick (1998) e Douglas Payne (1998). Tratava-se, em grande parte, de indivíduos que habitavam a zona rural, com baixo nível de instrução e nenhuma proficiência no inglês (PAYNE, 1998, p. 26). Por se tratar de uma população sem muitos recursos, viajavam em pequenas embarcações de condições precárias que ancoravam no sul da Flórida, onde entravam ilegalmente. A maior concentração de haitianos na Flórida foi ao nordeste de Miami, comunidade que passou a ser conhecida como Little Haiti, enquanto que a segunda maior foi localizada mais ao norte, nas regiões de Fort

Lauderdale e Pompano Beach (PAYNE, 1998, p. 26-27). No início, os casos eram

Entrant Program35, porém, nos últimos cinco anos da Dinastia Duvalier, com o aumento do fluxo de refugiados nos Estados Unidos, o governo americano começou a interceptar os barcos em alto-mar e grande parte desses imigrantes era repatriada para o Haiti, com o apoio do governo haitiano (CONWAY; STAFFORD, 1996, p.

249). Nesse mesmo período, os Estados Unidos também recebiam muitos

imigrantes cubanos, entretanto, a política adotada em relação aos dois grupos era muito diferente. Aos cubanos era concedido o status de refugiado político, enquanto os haitianos eram considerados apenas imigrantes que tentavam fugir da má economia de seu país. A maioria dos cubanos, quando vinha refugiada do regime comunista de Castro, era aceita no território norte-americano, enquanto que imigrantes haitianos eram abordados ainda em suas embarcações e levados para o

Krome Detention Center. Eram mantidos ali enquanto os casos eram

individualmente revisados, eventualmente a alguns era permitido permanecer no país, enquanto que a grande maioria era deportada para o Haiti (PAMPHILE, 2001). Em 1990, com a mudança constitucional realizada em 1987 a favor das eleições presidenciais, o padre Jean-Bertrand Aristide venceu a primeira delas, com 67% dos votos populares. Nos primeiros oito meses de governo, percebeu-se uma importante redução dos abusos aos direitos humanos, bem como no número de haitianos que deixavam o país. Conquanto, alguns grupos, como o exército e os velhos Duvalieristas, não toleraram por muito tempo o novo governo, e no ano de 1991, durante um golpe armado pela base militar haitiana, o então presidente foi exilado, primeiro na Venezuela, e depois nos Estados Unidos, levando o Haiti a uma nova ditadura. Muitos Haitianos foram assassinados durante o golpe militar, o que serviu

de incentivo para dar início à terceira onda migratória para os Estados Unidos, com

a fuga de aproximadamente 38.000 haitianos nos primeiros oito meses depois do golpe (STEPICK, 1998, p. 107). A primeira reação do governo americano, sob a liderança de George H. W. Bush, foi a de não proceder mais com as entrevistas e simplesmente enviar os imigrantes haitianos de volta a Porto Príncipe, o que gerou diversas críticas. Para amenizar as críticas, começou-se a manter os imigrantes haitianos na base militar americana de Guantánamo, em Cuba, como em um campo de refugiados, até que se analisassem os casos. Esta medida configurou-se

35 Conforme informação que consta no site de U.S. Citizenship and Immigration Services, é um programa criado para imigrantes cubanos e haitianos, com o objetivo de garantir-lhes serviços e benefícios durante sua estadia em território americano.

ineficiente, tanto por não conseguir reduzir o número de imigrantes, quanto por provocar o aumento das críticas, principalmente provenientes de membros negros do Congresso Nacional dos Estados Unidos e do então candidato à presidência, Bill Clinton (MARTÍNEZ, 1999, p. 282). Vários críticos referiam-se à prisão de Guantánamo como um campo de concentração haitiano e aos haitianos como os leprosos dos tempos modernos (Atlanta Journal and Constitution, apud STEPICK, 1998, p. 107). O movimento migratório que caracterizou a terceira onda migratória haitiana em direção aos Estados Unidos prolongou-se por todo o período em que Aristide ficou afastado do poder (1991-1994) e de todos os interceptados pela Guarda Costeira Americana, foi concedido asilo para cerca de 30% dos requerentes (PAYNE, 1998, p. 27). O fluxo de haitianos em território estadunidense diminuiu razoavelmente após outra ocupação americana no Haiti, em 1994, quando Aristide foi reiterado como presidente. A reiteração de Aristide não resolveu o problema econômico e social do país, mas foi suficiente para amenizar as tentativas de emigração, mesmo tendo diminuído as interceptações de embarcações haitianas que se direcionavam aos Estados Unidos. Seu mandato durou até 1995, na ocasião das eleições que fizeram de René Préval o novo presidente do Haiti, sendo esta a primeira sucessão presidencial no país considerada pacífica. Durante o mandato de Préval, estando ainda o Haiti ocupado pelas tropas americanas, a fuga de haitianos para os Estados Unidos praticamente cessou (STEPICK, 1998, p. 110).