• Nenhum resultado encontrado

Spanglish (Espanglês): um fenômeno linguístico em

5.2 Os dois mundos de María, em Call me María

5.2.3 Entre o passado e o presente

5.2.3.2 O presente: apropriando-se de culturas e linguagens

5.2.3.2.1 Spanglish (Espanglês): um fenômeno linguístico em

O Spanglish (Espanglês) é um fenômeno muito explorado por Cofer em sua escrita, pois nos Estados Unidos é como se fosse, para os hispânicos, um idioma alternativo - com características híbridas - que lhes proporciona a satisfação de sonhar em duas línguas, de fazer presente o espanhol, sua língua materna. Entretanto, há controvérsias, para muitos ele é considerado abominável, como aponta o pesquisador Ilan Stavans em seus estudos sobre esta outra linguagem, ou mais

precisamente, este “código verbal transnacional”138 (STAVANS, 2000a, p. 557). Os

que o abominam, alegam que os falantes do Spanglish não são capazes de falar adequadamente nem uma língua, nem outra. Para estes, o fenômeno é considerado o jargão dos pobres, dos imigrantes sem educação, os quais não são proficientes nem no inglês, nem no espanhol. A favor do Spanglish, Stavans afirma que “[...] a língua não pode ser legislada; é a forma mais democrática de expressão do espírito

137 No original: English Declaration: I Am the Subject of a Sentence: The subject of a sentence (underlined) is the part talked about. “María, please read some of your poems to our class.” (I do not say this aloud: Oh no, Mr. Golden. I am afraid of what my classmates will think. I will be the subject of their insults.) They will say: The girl thinks she is an American. María thinks she is good in English. The girl can’t write. María speaks with an accent. The poems have an accent just like María’s. The poems are ugly. She is ugly. The teacher likes María. María is the teacher’s little pet. He will say to the class, you are fools. The class will laugh at María. They will hate her and her poem.

humano.”139 (STAVANS, 2000a, p. 556). Estudos contemporâneos já demonstram que, independentemente de ser uma linguagem formal ou apenas mais uma gíria criada, definitivamente, a língua inglesa não está imune à influência do Spanglish. Por muito tempo, o Spanglish foi considerado apenas um problema da língua espanhola, de fato, ainda nos dias atuais, alguns dicionários como o American

Heritage Dictionary, definem o fenômeno como sendo o “Espanhol caracterizado por

vários empréstimos do Inglês”140 (2015). Conquanto, autores como Stavans, que

descreve o fenômeno como “o encontro verbal entre civilizações Anglófonas e

Hispânicas”141 (CASHMAN, 2005), após estudos mais aprofundados, chegaram à

conclusão que o Spanglish é uma convergência linguística que afeta ambos os idiomas, o inglês e o espanhol. Stavans denota ainda, que o Spanglish é utilizado entre a população hispânica para estabelecer uma empatia entre eles, e não pode ser definido levando em consideração a classe social, pois se trata de um código utilizado tanto por trabalhadores migrantes, como por políticos e apresentadores de

TV (2000a, p. 557).

Apesar do contato que tiveram no século XV, o diálogo entre as duas línguas deu-se a partir do século XIX, mais precisamente entre 1803 e 1848, quando grande parte do México foi entregue aos Estados Unidos, através do Tratado de Guadalupe Hidalgo. Foi então que, com a entrada dos norte-americanos em território mexicano, identificaram-se os primeiros indícios de fusão entre os dois idiomas. Com a concessão da cidadania americana aos mexicanos, o inglês tornou-se o idioma dominante, utilizado em âmbito empresarial e diplomático, entretanto, o espanhol continuou vivo nos lares e escolas. A persistência da língua espanhola em se manter viva, trouxe-lhe resultados. Com o passar do tempo, dicionários americanos passaram a incluir em seu glossário palavras de origem espanhola, bem como a Academia Real Espanhola começou a aceitar vocabulários provenientes desta mistura, denominando-os de “Americanismos”. (STAVANS, 2000b, p. 3-4).

lasso

noun, plural lassos, lassoes.

1. a long rope or line of hide or other material with a running noose at one end, used for roping horses, cattle, etc.

139 No original: “a language cannot be legislated. It is the most democratic form of expression of the human spirit.”

140 No original: “Spanish characterized by numerous borrowings from English” 141 No original: “the verbal encounter between Anglo and Hispano civilizations”

Verb (used with object), lassoed, lassoing.

2. to catch with or as with a lasso. (HARPER, [s.d.]) Figura 7 – Origem da palavra lasso

Fonte: Online Etymology Dictionary. Douglas Harper, Historian.

Para María, Spanglish é como um “inglês quebrado”142, porém, para aqueles que

nascem no barrio, como sua amiga Whoopee Dominguez, é natural utilizá-lo no dia a dia, considerando que se trata de uma característica importante na formação identitária desses indivíduos. María tem como objetivo aprender o inglês para entrar na universidade, mas para ela “[...] Spanglish é como uma canção que você não

consegue tirar da cabeça. Tem ritmo, uma batida, você quer dançar.”143 (p. 18)

Durante todo o seu desenvolvimento cultural e psicológico em Nova Iorque, percebe- se que a personagem vai se tornando bilíngue, ou pode-se dizer trilíngue, e, de forma natural, conscientiza-se de quando deve usar o inglês, bem como o espanhol ou o Spanglish. O inglês representa para ela a língua que a fará evoluir dentro do contexto em que se encontra, sem apreendê-la, não atingirá seus objetivos. Em contrapartida, o espanhol é parte de sua identidade porto-riquenha, ao mesmo tempo em que o sente escapar, esforça-se para não perdê-lo, pois a língua é o principal elo entre ela e sua cultura de origem. E ainda, María vai tomando para si o

142 No original: “broken English”

143 No original: “[...] Spanglish is like a song you cannot get out of your head: It has rhythm, it has a beat, you want to dance to it.”

Spanglish, fenômeno que, segundo ela, foi o modo que os latinos encontraram de

sonhar em duas línguas, de não esquecer suas origens, além de, ao utilizá-lo, poder assumir o seu sotaque hispânico, o qual a denuncia toda vez que fala o inglês, mesmo que se esforce em pronunciá-lo corretamente.

O bilinguismo é característica básica em sua escrita, em praticamente todas as páginas do livro se fazem presentes palavras ou frases em espanhol. A utilização constante do espanhol no texto é mais do que um desejo de ativar memórias do passado, é a intenção que a autora tem de fazer com que os dois idiomas se relacionem, de forma a se fundirem em um só. Cofer busca, através da interseção linguística entre o espanhol e o inglês, a interação entre as duas linguagens no trânsito entre as duas culturas.