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4.2 O drama da família Dantica narrado em Brother, I’m Dying

4.2.2 Entre memórias e histórias

4.2.2.1 Dois importantes acontecimentos

A narrativa foi dividida em duas partes: PARTE UM – ELE É MEU IRMÃO E PARTE

DOIS – NA ADVERSIDADE60, facilitando, dessa forma, a compreensão dos fatos por parte do leitor. O primeiro capítulo inicia com a descoberta simultânea, por parte da narradora, de sua gravidez e da doença terminal de seu pai, “Eu descobri que estava grávida no mesmo dia em que a súbita perda de peso e a falta de ar crônica de meu pai foram diagnosticadas como o estágio final de fibrose pulmonar.”61 (p. 1/27, HAVE YOU ENJOYED YOUR LIFE?). A autora revela então a dicotomia de sentimentos, a alegria e a expectativa de se tornar mãe, o que a deixou um pouco confusa, e a tristeza pela situação de seu pai, “Meu pai estava morrendo e eu estava grávida.”62 (p. 14/27). Dessa forma, decide não dar a notícia da gravidez à sua família, com exceção de seu marido, pois além de não saber lidar com os dois acontecimentos ao mesmo tempo, queria evitar que se distraísse com outra coisa

que não a condição de seu pai. Entretanto, no seu íntimo, ambos os sentimentos já

se confrontavam, ainda sem ter noção do espaço que disputavam. Por outro lado, seu pai, que pensava ela estar fragilizado, demonstrou-se forte ao ter que lidar com o diagnóstico da doença e com o que enfrentaria daquele momento em diante, assim, quando conseguiu estar com todos os filhos, decidiu convocar uma reunião

de família, “‘A razãodessa reunião’, ele anunciou, ‘é para decidir o que irá acontecer

com sua mãe quando eu partir’.”63 (p. 19/27) O resigno do pai à sua situação

despertou em Bob, o irmão que viveu no Haiti com Edwidge, certa curiosidade, o que o levou a fazer uma pergunta importante, a qual deu nome ao primeiro capítulo:

“Você gostou de sua vida?”64 (p. 22/27) Após um tempo de reflexão, Mira chegou a

uma conclusão:

“Eu não – Eu não consigo lembrar todos os momentos. Mas o que posso dizer é isso. Eu não desfrutei de prazeres no sentido de festas e glórias. Eu não conheci tantos lugares e nem fiz tantas coisas, mas eu tive uma vida boa.” [...]

[...] “Vocês, meus filhos, não me envergonharam”, ele continuou, “Tenho

60 No original: PART ONE – HE IS MY BROTHER e PART TWO – FOR ADVERSITY.

61 No original: “I found out I was pregnant the same day that my father’s rapid weight loss and chronic shortness of breath were positively diagnosed as end-stage pulmonary fibrosis.”

62 No original: “My father was dying and I was pregnant.”

63 No original: “‘The reason of this gathering’”, he announced, ‘is to discuss what is going to happen to your mother after I’m gone’.”

orgulho disso. Poderia ter sido tão diferente. Edwidge e Bob, sua mãe e eu deixamos vocês por oito anos no Haiti. Kelly e Karl, vocês cresceram aqui, num país que sua mãe e eu não conhecíamos muito bem quando os tivemos. Vocês todos poderiam ter seguido um caminho ruim, mas não o fizeram. Eu agradeço a Deus por isso. Agradeço a Deus por todos vocês. Agradeço a Deus por sua mãe.” Então ele voltou seus olhos para Bob, e falou, “Sim, pode-se dizer que gostei da minha vida.”65 (p. 22/27, HAVE YOU ENJOYED YOUR LIFE?, aspas da autora)

Nesse momento, a narradora inicia um processo de rememoração, de quando ela e o irmão ainda viviam no Haiti, com seu tio Joseph e tia Denise, e a cada dois meses recebiam uma carta formal de seu pai. O rememorar da autora é ativado a partir das reflexões de seu pai, que a faz alternar entre passado e presente, em busca de lembranças que conectem suas vidas. Desse modo, e sob a perspectiva de Maurice Halbwachs, é a memória coletiva sendo ativada por meio das lembranças individuais (1990, p. 14). Suas recordações a transportam para o momento em que a família se reunia na sala de estar, rosa e pouco mobiliada, da casa de seus tios para ler as cartas de seu pai. Em geral, eram notícias de como estavam de saúde, perguntas sobre as crianças, instruções de como deveriam gastar o dinheiro que lhes enviavam e, enfim, que mandariam mais notícias em breve. Lembrava-se de quando o tio solicitava sua ajuda para decifrar a caligrafia de seu pai e também de como “[...]

costumava sonhar em contrabandear-lhe palavras.”66 (p. 21/27), no sentido de que

desejava ouvir mais dele, faltavam em suas cartas mais proximidade e sentimento, as palavras que escrevia não lhe bastava. Então, quando seu tio a envolvia na leitura, pedindo sua ajuda com as palavras que não entendia, fazia com que se sentisse mais próxima de seu pai, e logo compreendeu que suas cartas imparciais eram uma maneira de evitar preocupá-los ou ferir seus sentimentos. Evitava notícias muito boas que pudessem causar-lhes a ânsia de estarem com eles, e também notícias tristes, que pudessem causar-lhes preocupações desnecessárias.

Logo, ler as cartas de seu pai tornou-se uma tarefa sua, e quando as lia, era como se lesse para si mesma, analisando a letra minúscula de seu pai, conjeturando se os

65 No original: “I don’t – I can’t – remember every moment. But what I can say is this. I haven’t enjoyed myself in the sense of party or glory. I haven’t seen a lot of places and haven’t done that many things, but I’ve had a good life.” [...]

[...] “‘You, my children, have not shamed me”, he continued, “I’m proud of that. It could have been so different. Edwidge and Bob, your mother and I left you behind for eight years in Haiti. Kelly and Karl, you grew up here, in a country your mother and I didn’t know very well when we had you. You all could have turned bad, but you didn’t. I thank God for that. I thank God for all of you. I thank God for your mother.” Then turning his eyes back to Bob, he added, “Yes, you can say I have enjoyed my life.”

pontos realmente significavam o fim de uma sentença ou se eram marcas que a caneta fazia quando seu pai parava para pensar no que iria escrever a seguir, ou para enxugar uma lágrima que, por acaso, escorria pelo seu rosto. Verificava se havia vírgulas para separar as frases ou se simplesmente escrevera corrido, como alguém apressado falando sem pausas para respirar. Tudo isso a fazia estar próxima deles e diminuir a saudade que sentia. De sua parte, quando escrevia, o que não acontecia constantemente, falava de suas notas na escola, dos presentes que gostaria de ganhar, como a boneca americana no Natal, a máquina de escrever de aniversário e um par de brincos de ouro na Páscoa. No entanto, o que realmente gostaria de falar ou perguntar, e tinha medo, era quando, finalmente, os veria novamente. A verdade é que as palavras que realmente gostariam de ter dito, seu pai e ela, nunca disseram, sempre estiveram receosos de ferir os sentimentos um do outro, por isso, preferiram manter o silêncio que os separavam.