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SUMÁRIO

APARELHOS QUE TEM EM CASA

9.2 INDICADORES DE ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

9.2.4 Comprometimento com a tarefa

O bloco dos indicadores do Comprometimento com a Tarefa do questionário foi estruturado em 13 questões fechadas no intuito de pesquisar os aspectos referentes à motivação, como a dedicação de tempo e energia maior nas atividades de interesse; exigência e criticidade consigo mesmo; busca por solução de problemas; organização; segurança em relação às suas convicções; estímulo em relação às atividades de interesse; envolvimento nas atividades de interesse abrindo mão de outras; percepção de obstáculos ao planejar; facilidade para estabelecer prioridades; definição de etapas; detalhes e métodos para desenvolvimento de uma atividade; persistência e conclusão nas atividades de interesse ou atividades relacionadas; e distinção entre os efeitos e as consequências das ações próprias.

Dois sujeitos (U e O) escolheram a maioria das respostas “frequentemente” e “sempre”, optando somente por duas diferenciadas; três sujeitos (R2, E e P) apresentaram três respostas diferentes, dois (C e R1) apresentaram quatro respostas diferentes, e um sujeito optou por cinco respostas diferenciadas.

O comprometimento, ou envolvimento, com a tarefa, de acordo com Alencar (2007b, p. 22):

[...] constitui-se no componente motivacional e representaria a energia que o indivíduo canaliza para resolver um dado problema ou tarefa. Inclui atributos pessoais, como perseverança, dedicação, esforço, autoconfiança e a crença na própria habilidade de desenvolver um importante trabalho.

Dessa forma, constitui-se em um indicador importante que demonstra um envolvimento de características pessoais que, assim como os outros indicadores, dependem de uma série de fatores que estão relacionados como o meio em que a pessoa vive e os aspectos culturais.

O desejo e o fascínio por conhecimentos diferenciados são constantes nas trajetórias de vida de pessoas com AH/SD. O Sujeito R1, ao ser questionado sobre a motivação de voltar a estudar, diz que:

[...] é muito mais uma atividade terapêutica do que acadêmica. Você não faz ideia se você aposenta, você realmente, aquele negócio da depressão da aposentadoria, de uma entropia que o sujeito entra, isso é real, dia a dia ele vai te propiciando, quando tu vê, as quatro da tarde, tu tá de pijama. Eu tenho uma filha de doze anos, quando ela tiver 18 eu vou ter 70, eu vou ter que chegar nos 70 mais ou menos, vou ter que dar um jeito (Sujeito R1).

É possível vislumbrar na sua fala a preocupação em desenvolver uma atividade, de se dedicar a uma causa, no seu caso em específico, a preocupação com a busca pelo conhecimento tão sonhado, que, como explicitado em outro momento de seu depoimento, foi postergada em função dos compromissos e das exigências do trabalho. Outra questão que se destaca é a importância das relações sociais, que exercem um papel fundamental na tendência ao isolamento, característica de pessoas com AH/SD e também do envelhecimento, que pode acabar originando patologias envolvendo fatores psicológicos.

O Sujeito S, quando questionado sobre retomada dos estudos, relatou:

Eu retornei quando meus filhos estavam com sete ou nove anos eu acho, 1971, daí eu senti que dava pra retornar. Com muita conversa, eu consegui que meu marido deixasse, e daí eu estudei, estudei, estudei em casa, fiz vestibular e passei, na Universidade Federal Fluminense, porque daí eu estava morando em Niterói. Eu casei em Porto Alegre, mas um tempo depois eu fui pra Niterói, pro Rio, e aí eu consegui entrar então na Universidade Federal em letras, aí cursei letras, entrei em 1972 e me formei no final de 75. Eu consegui me formar sem nenhuma reprovação e nenhuma prova final, e com toda a tarefa de casa, dois filhos pequenos que eu levava pro colégio, trazia, fazia todo serviço de casa, não tinha empregada, você sabe o que é isso, né, e eu consegui conciliar essas coisas muito bem e me formei (Sujeito S).

Na fala do Sujeito S, fica evidenciado um grande comprometimento com a busca pelo saber, pois, mesmo com tantos afazeres que a vida lhe exigia, dedicava-se na certeza de que conseguiria atingir os objetivos que almejava. O Sujeito S, considerando o fato de ser mulher e a época em que viveu, comprova, por meio de seus comportamentos, que conseguiu quebrar barreiras se impondo e lutando pelo que verdadeiramente queria para se sentir realizado, conciliando casamento, filhos, afazeres domésticos e atribuições acadêmicas.

Renzulli (2014, p. 241) a respeito do comprometimento com a tarefa, traz importantes informações:

Um segundo grupo de traços constantemente encontrados em pessoas criativo- produtivas é uma forma refinada e concentrada de motivação que chamo de comprometimento com a tarefa. A motivação é usualmente definida como um processo geral de energia que desencadeia respostas em organismos, já o comprometimento com a tarefa representa a energia conduzida a um problema particular (tarefa) ou área específica de desempenho. Os termos mais frequentemente usados para descrever o comprometimento com a tarefa são perseverança, persistência, trabalho árduo, prática dedicada, autoconfiança, crença na própria habilidade de desenvolver um trabalho importante e ação aplicada à área de interesse.

Nessa perspectiva, pode-se citar também o Sujeito R1, que, ao mencionar a sua trajetória profissional destacando um grande envolvimento com a tarefa, evidencia persistência, trabalho árduo e prática dedicada a uma área específica:

[...] eu tenho outra característica. Eu entrei na Caixa em 78, a Caixa tinha uma área de treinamento, e isso era uma coisa que me fascinava, porque eu fui professor primário, lá no interiorzão, do tempo que não exigia, fui ser professor, e essa era uma área que me atraía muito, e eu fui pra instrutoria da Caixa em 86. Entrei na instrutoria da Caixa como instrutor da área de habitação e hipoteca, eu saí da área de habitação e hipoteca e saí da instrutoria, aí um dia me convidaram, me perguntaram se eu queria migrar de área, área de atendimento, que estava precisando, porque a Caixa ia passar pra aquele banco comercial que se vê hoje, aquilo não existia nos anos 80. No início dos anos 90, a Caixa começou a trabalhar com banco comercial, aí precisou muito treinamento para os empregados, aí eu migrei de área, continuei na instrutoria da Caixa e essa instrutoria da Caixa ela foi evoluindo e ela constituiu uma universidade Caixa. Em 2003 nós criamos a universidade corporativa Caixa, é uma universidade, primeiro ela foi criada assim, mais como instrumento, com internet, curso a distância. Em 2003 ela recebeu o recheio, um modelo pedagógico com definição dos papéis, papel do trainee, papel do instrutor, papel do gestor, papéis de todos os participantes daquele processo todo, porém eleitos o referencial teórico todo (Sujeito R1).

No relato de sua atuação profissional, é possível visualizar a dedicação, o envolvimento e o esforço para atender à demanda que a área exigia, bem como o seu crescimento, por meio de pesquisa e estudos, através do tempo atuando na instituição, como demonstra esta passagem:

[...] nós trabalhamos com Roger, a cria de Rogério da crença incondicional da pessoa, um outro teórico que era o russo aquele do interacionismo, era um teórico que não era conhecido por conta da guerra fria, mas depois nos anos 90, por aí, se começou a conhecer as teorias dele, Vygotsky, a ideia dele é da interação, crescimento pela interação, e é, quando você trabalha com adulto, você não pode ter a pretensão de entrar na sala e ensinar. Aqui sim, aqui o professor entra e ele te ensina, mas muito mais, mas nós lá não, aí depois eu passei pra área gerencial, treinamento na área gerencial, o treinamento desde o gerente de agência e eu dei dois cursos, numa época que a Caixa tinha presidente, diretor, só não entrei na sala do presidente da Caixa, de diretor pra baixo, dentro da sala, dois diretores, três diretores da Caixa, superintendentes regionais, superintendentes nacionais, gerente de mercado, na sala, oito horas por dia, bundinha na cadeira, quietinho. E a gente trabalhava com esse público todo, e trabalhava muito nessa parte da interação com as pessoas, então isso, essa experiência, começou lá em 86 e foi até eu me aposentar em 2010, ela durou 24 anos. Durante esse período todo, a Caixa nos exigiu muito em termos de uma preparação, um processo que foi sendo construído e você teve que andar junto com ele, eu tive que ler muito sobre administração, sobre gestão de pessoas, sobre psicologia, sobre uma série áreas de conhecimento humano (Sujeito R1).

O longo tempo de envolvimento na evolução da sua atuação profissional exigiu novos conhecimentos que eram buscados e utilizados em sua prática profissional, pois paralelamente às suas atribuições na agência bancária, ele também ministrava cursos, o que tomava grande parte do seu tempo extra e implicava em grande envolvimento com o referencial teórico que era utilizado. Em sua fala, também fica evidente o sentimento de orgulho pelo caminho trilhado na instituição, demonstrando a satisfação e a grande quantidade de energia investida na área.

O comprometimento com a tarefa é um indicador que, muitas vezes, é imperceptível para as pessoas com AH/SD, pois elas não reconhecem o tempo que foi desprendido para a realização da atividade, a energia canalizada e a dedicação que, em grande parte, ocupa a maior parte do tempo da sua vida.