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7 “O RIO TEM VIDA”: DIREITO E DIGNIDADE HUMANA

SUMÁRIO

7 “O RIO TEM VIDA”: DIREITO E DIGNIDADE HUMANA

Esse capítulo buscou refletir sobre os direitos e a dignidade da pessoa idosa e as relações que se estabelecem de diferentes formas com a sociedade, discutindo também os preceitos normativos voltados para esse público.

Autores como Veras (1994) e Spirduso (2005) discutem a questão de quem realmente é o idoso. É consenso que a fase da velhice é um período de vida que compreende uma idade mais avançada, mas quando realmente ela inicia? Seria aos 40, aos 45, aos 50, aos 60 ou aos 70 anos? É preciso levar em consideração fatores de extrema importância nesse contexto, como as características culturais, sociais, políticas, econômicas, físicas, psicológicas e ambientais de cada população. Dessa forma, é possível afirmar ser insuficiente caracterizar alguém como idoso considerando única e exclusivamente a sua idade.

A discussão está pautada nos dispositivos da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e no Estatuto do Idoso, aprovado em outubro de 2003, Lei nº 10.741 (BRASIL, 2003), os quais asseguram direitos e garantias às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, enfatizando a questão da dignidade humana e dos direitos que estão assegurados nesses preceitos normativos.

Sabemos que existe uma legislação que visa garantir os direitos fundamentais ao indivíduo que chega à terceira idade, como a própria Constituição Federal de 1988 e do Estatuto do Idoso de 2003, que garante a todo indivíduo maior de 60 anos dignidade, saúde e cidadania. Contudo, em contrapartida, testemunhamos diariamente fatos de violência e agressão contra o idoso por parte da família e da sociedade, o que nos leva a refletir sobre o quanto a dignidade do público idoso é desrespeitada, desprotegida e violada, seja nas questões culturais impostas pelo mundo ocidental e que desvalorizam o ser humano a partir da meia idade, seja nas questões econômicas ou sociais.

É difícil estimar em números, inclusive mundialmente, o peso da violência contra os idosos. São escassas as fontes de dados confiáveis e expressivas. Isto porque o fato é oculto pelas famílias, e também porque os profissionais de saúde ainda não focalizam seu olhar clínico para a detecção do problema (gerando registros imprecisos nos prontuários hospitalares). Ainda não há uma consciência coletiva de denúncia dos abusos, assim como não há em todas as cidades serviços destinados à receptação de tais denúncias (ex: SOS idoso) (FLORÊNCIO; FILHA; SÁ, 2007, p. 849-850).

É necessário que a sociedade desperte para fatos graves de violência contra os idosos que, na maioria das vezes, são omitidos criando novas formas de registrar tais acontecimentos e divulgar os abusos cometidos contra esse público.

O estudo de Santin e Borowski (2008, p. 152), ao referenciar o idoso e o princípio constitucional da dignidade humana, conclui que:

É importante reconhecer que o envelhecimento populacional é um fenômeno social que requer a atuação positiva do Estado, da sociedade e de suas instituições como forma de efetivar sua existência digna, não negá-la. O envelhecimento humano é um dos únicos fatores naturais que interligam a todos; torna-se primordial o respeito à vida e à dignidade humana, o que é responsabilidade do poder público, mas também de todos os cidadãos.

Com base nessa exposição, pode-se afirmar que é de suma importância que sejam conhecidos os aspectos legais que amparam e asseguram os direitos e a dignidade dos idosos do nosso país, mas, acima de tudo, é necessário que toda a sociedade reconheça realmente que o envelhecimento se constitui em um fenômeno social e, para que de fato o respeito aos seus direitos e à sua dignidade se efetive, não só o Estado deverá cumprir com sua responsabilidade, como também as instituições deverão fazer a sua parte, reconhecendo tanto as fragilidades quanto os potenciais desse público.

Dentre os preceitos normativos, podemos citar a Constituição atual, que elevou a dignidade da pessoa humana ao patamar de princípio fundamental do Estado Brasileiro (art. 1º, III). Significa dizer que a Constituição erigiu, expressamente, a pessoa à condição de protagonista das relações jurídicas, sociais, políticas, econômicas, culturais, transformando o patrimônio, outrora centro dessas relações, em coadjuvante. A pessoa é a razão primeira da vida em sociedade e a proteção da sua dignidade pela Constituição Federal denota que o espírito patrimonialista perde em força quando com ela entra em conflito.

A dignidade humana está estruturada em várias questões, entre elas, a garantia à saúde e o acesso à moradia, ao lazer, à educação, ao trabalho e aos proventos. Muitos autores discorrem sobre esse assunto, respaldando, assim, uma vida mais digna e justa para o ser humano.

Pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana é uma qualidade inata de cada ser humano cuja obrigação de respeito se pode qualificar como uma das mais relevantes conquistas históricas, nela se identificando: a) uma dimensão ontológica, como qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável e inalienável, devendo ser reconhecida e protegida; b) uma dimensão intersubjetiva, na medida em que a ideia de dignidade de cada ser humano se reflete no meio social em que se vive e também o reflete, postulando uma dignidade social, que se manifesta por meio do acesso aos bens da vida necessários ao desenvolvimento da pessoa, do reconhecimento pela

sociedade e suas instituições da igual dignidade de cada ser humano; c) uma dimensão política, em que cada ser humano deve tomar parte das decisões relevantes sobre o próprio destino; d) uma dimensão histórico cultural, já que sua compreensão varia de acordo com a evolução histórica e os valores culturais (NETO, 2010, p. 176).

Durante décadas os idosos foram vistos com descaso, sendo marginalizados pela diminuição da sua força produtiva e extremamente excluídos da sociedade, transformando-se, consequentemente, em sinônimo de vergonha e inutilidade, sofrendo, assim, um forte estigma social. No entanto, é importante mencionar que em diversos países, como o Japão, o idoso é muito valorizado e utilizado como exemplo de dignidade e cidadania, tendo seus direitos garantidos e preservados. No Brasil, mesmo os sujeitos idosos não sendo valorizados e reconhecidos, a legislação lhes confere direitos e garantias, destacando-se, nesse âmbito, a Constituição Federal e o Estatuto do Idoso.

O legislador, ao elaborar, redigir e estruturar a Constituição, preocupou-se também com a dignidade humana, elencando os direitos fundamentais e regulamentando-os em nossa constituição cidadã intitulada Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, como fundamento da República Federativa do Brasil.

Os direitos sociais foram assegurados na Constituição de 1988, no artigo 6º, e alterados pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

Por serem direitos sociais, seu atendimento pelo Poder Público firma o interesse público, ou seja, não se tratam de direitos individuais, mas de direito público e social.

Em relação à saúde, a Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu art. 196, assegura que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. As normas constitucionais referem-se à efetivação de políticas públicas que se dirigem à população como um todo, assegurando-lhe acesso universal à saúde. Nesse sentido, a responsabilidade do Poder Público nas ações e nas políticas de saúde deve ser voltada à satisfação do maior número possível de indivíduos, de forma a otimizar a aplicação dos escassos recursos disponíveis, financiados por toda a sociedade, sempre sem olvidar ser absolutamente impossível atender integralmente a todos e ao mesmo tempo.

O art. 230 da Constituição Federal protege o idoso, a fim de defender a sua dignidade, “garantindo-lhe bem-estar e direito à vida”, que nada mais é do que estratégia da biopolítica voltada à população do Estado, no sentido da efetivação das legislações vigentes:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.

§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos (BRASIL, 1988).

Dessa forma, o art. 230 da Constituição Federal e os artigos 1º, 2º, 3º e 4º da Lei nº 10.741/2003 disciplinam a responsabilidade dos entes públicos em relação aos idosos. A seguir, alguns deles:

Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se- lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;

II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;

III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;

IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;

V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;

VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;

VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;

VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais. IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. (Incluído pela Lei nº 11.765, de 2008).

Art. 4º “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei” (BRASIL, 1988, grifos meus).

Conforme dispõe o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), em seu art, 2º, o sujeito idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata o estatuto. Além disso, assegura-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (BRASIL, 2003).

Mais do que isso, o referido Estatuto, em seu art. 3º, afirma ser:

[...] obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003).

O artigo 3º, inciso V do Estatuto, manifesta que existe a priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto aos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência.

Destaca-se ainda o teor do artigo 3º e 4ºdo Estatuto do Idoso, segundo os quais é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.

O art. 3º do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) impõe à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público assegurar às pessoas com idade igual ou superior à 60 (sessenta) anos, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

O art. 4º, por sua vez, garante que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

A proteção ao idoso é efetivada por meio das medidas de proteção, sempre que os direitos previstos na Lei forem ameaçados ou violados (art. 43), como no caso, em que se afirma a prática de atos violentos, físicos e morais contra os demandantes. É dever do Estado garantir ao idoso a liberdade, o respeito e a dignidade, assim como é dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, bem como evitando inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral (Art.10 da Lei 10.741/2003). (BRASIL, 2003).

Como podemos observar, os princípios normativos destacam a proteção integral à pessoa idosa, assegurando-lhe a preservação da saúde física e mental, em condições de liberdade e dignidade, e colocando como obrigação também da família garantir-lhe, com absoluta prioridade, a efetivação de tais direitos.

Assim, ao direcionar o olhar para um indivíduo idoso, é necessário realizar uma leitura da realidade em que este se insere, considerando as estatísticas e as legislações vigentes em nosso país, elencando importantes documentos, como o Estatuto do Idoso, as políticas públicas de saúde e o avanço tecnológico e científico, que se constituem em estratégias biopolíticas que conduzem a uma maior expectativa de vida, resultando em um envelhecimento populacional de grandes proporções.

De acordo com o censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2010 (IBGE, 2011), a população com 60 anos ou mais no país corresponde a 8,6% da população total (cerca de 14 milhões, segundo o censo de 2000). As projeções e os estudos demográficos indicam que, nos próximos 25 anos, esse número pode ultrapassar 30 milhões.

Estamos com um contingente muito grande de indivíduos idosos fazendo parte da sociedade, fato que nos remete a uma reflexão a respeito de várias questões, entre elas, a de o ser humano atualmente ter acesso a uma qualidade de vida melhor e ter perspectivas de ultrapassar os 80 (quem sabe até mesmo os 90) anos com mais saúde e disposição – pois somos herdeiros de uma ciência médica fabulosa e somos mais conscientes de todos os fatores maléficos para a saúde do nosso corpo.

O idoso está cada vez mais conquistando seu espaço, demonstrando ser forte e mais aberto a novas conquistas e aprendizagens na velhice. A vida corrida, a criação dos filhos e o trabalho fizeram com que, muitas vezes, o idoso de hoje deixasse para trás muitas vontades, desejos e curiosidades.

A ciência está evoluindo e proporcionando acesso à saúde e, assim, concedendo mais vitalidade e disposição aos idosos do nosso país. Aliados a ela, estão preceitos normativos que priorizam direitos e possibilidades de uma vida mais digna.

Entretanto, também há uma parcela da população idosa do Brasil que desconhece seus direitos e, muitas vezes, acaba perdendo seu espaço e sendo conivente com situações que podem se tornar vergonhosas, constrangedoras e desagradáveis. Porém, com as futuras gerações tomando conhecimento, desde cedo, de seus direitos, teremos, nos próximos anos, idosos conhecedores de suas possibilidades, direito e garantias.

CAPÍTULO 8

“Mas, no meio de tudo isso, vai seguindo seu caminho. [...] Seu caminho é seguir em frente”...

8 O TRAJETO QUE DÁ FORMA AO PERCURSO: CAMINHOS