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Capítulo I Comunicação Matemática dos futuros professores: Conceções e

2. A Comunicação Matemática

2.2 Comunicação como processo de interação social

O sistema de linguagem constitui um fenómeno exclusivamente social, organizado por padrões que caraterizam a linguagem do grupo social que o utiliza. As linguagens sociais diferem entre si pelas caraterísticas dos estratos sociais a que pertencem os indivíduos, enquanto os géneros de discurso diferem na sua forma. Deste modo, o discurso de uma pessoa invoca uma linguagem social que, por sua vez, só tem existência num meio social quando as vozes entram num processo dinâmico. Num determinado discurso social, a voz do professor, dentro da sala de aula, tem mais poder do que a dos alunos e é esta voz que possui uma função reguladora do pensamento e da sua atenção (Wertsch, 1991, como citado em M. Rodrigues, 2000).

Segundo Ponte e Serrazina (2000), o professor necessita garantir que essa comunicação se efetua em numerosos sentidos, isto é, dele para os alunos, dos alunos para si e entre os próprios alunos, devendo, para isso, fomentar interações entre todos os intervenientes na aula,

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estabelecendo as regras adequadas. Considera-se, assim, qualquer interação, entre o professor e os alunos, como comunicação na sala de aula, desde questões, comentários, críticas, elogios,

feedback, entre muitos outros aspetos.

Um estudo de Voigt (1994) assinala que a negociação de significados em Matemática pode ser feita de forma explícita, se os participantes no discurso social argumentarem diferentes perspetivas, ou de forma implícita, se os participantes ajustarem as suas ações de acordo com a avaliação das expetativas dos outros. As interações sociais devem ser tomadas em consideração, no que respeita à construção do significado matemático, sendo através delas que se realiza: a atividade de suporte, por parte do professor, num dado assunto; a atividade de clarificação das ideias, conseguida pelo confronto com ideias diferentes; o conceito do poder associado à sua

voz, que se repercute na envolvência prestada ao trabalho a realizar; e a emergência de novos

significados matemáticos e, consequentemente, de novos objetivos matemáticos (M. Rodrigues, 2000).

A experiência do sujeito é um ponto de partida para entender a relação entre interação social e aprendizagem, encarando a negociação entre professor e alunos como unidade de análise. Voigt (1995) fala em padrões de interação definindo-os como “regularidades que são interactivamente constituídas pelo professor e pelos alunos” (p. 178), criadas pelas relações entre obrigações e rotinas, através das quais os professores e os seus alunos chegam a significados matemáticos partilhados.

Alguns exemplos de interação enriquecedora e produtiva, para o avançar do conhecimento matemático, consistem na grande frequência de interações verbais numa sala de aula, na qual, o professor evita proferir, de forma adiantada, afirmações matemáticas que conduzam ao resultado do problema. Desta forma, permite que sejam os alunos a elaborar as diversas soluções, através do trabalho exploratório, realizado em grupo, procurando compreender a sua atividade matemática, assim como o raciocínio matemático envolvido, e estabelecendo um papel de parceria na procura de possíveis caminhos (G. Oliveira, & Mastroianni, 2015).

Sendo a comunicação um processo de interação social, identificam-se diferentes padrões de interação e, consequentemente, determinadas formas de comunicação, quando se analisam as práticas comunicativas em sala de aula. Wood (1998) refere que “as aulas de Matemática podem ser caracterizadas por padrões de interacção e modos de comunicação que (…) revelam as diferentes visões sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática defendidas pelos participantes” (p. 167).

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Organizando as perspetivas de vários autores (R. Ferreira, 2005; Menezes, 2004), os padrões de interação agrupam-se, na sala de aula, em diversas categorias: de discussão; de

recitação; de extração; de funil; e de focalização.

A categoria de discussão, como o nome indica, valoriza as discussões. Nesta categoria, em primeiro lugar, os alunos resolvem, muitas vezes em pequenos grupos, os problemas propostos pelo professor, após o que o professor pede a alguns alunos que apresentem a solução obtida e a expliquem. De seguida, o professor coloca questões, a fim de clarificar partes da explicação, para “que, a pouco e pouco, possa emergir uma solução conjunta que seja aceite por todos” (Menezes, 2004, p. 142). Finalmente, o professor pede a outro aluno que apresente a sua solução, reiniciando o “ciclo de discussão e de negociação de significados” (R. Ferreira, 2005, p. 66).

No caso da categoria de recitação, esta divide-se em três momentos distintos: o professor coloca uma questão, dando início à interação; o aluno responde; e o professor, rapidamente, avalia a resposta do aluno verificando se está correta (Martinho, & Ponte, 2005). Em relação à categoria de extração, está compreendida por três fases: o professor propõe uma tarefa e os alunos vão apresentando soluções de forma a alcançarem a resposta pretendida; se as sugestões são variadas, ou diferentes, o professor guia-os de modo a “extrair pequenas parcelas do conhecimento” (R. Ferreira, 2005, p. 55); e, finalmente, o professor e os alunos avaliam o trabalho efetuado.

Relativamente à categoria de funil, o professor, inicialmente, coloca um problema; os alunos não o conseguem resolver de imediato; o professor vai formulando questões mais fáceis, relacionadas com o problema, até que consigam chegar à resposta correta.

Por último, a categoria de focalização compreende as três fases seguintes: o professor propõe uma tarefa; perante as dificuldades observadas, o professor focaliza a atenção dos alunos em determinados aspetos; depois, incentiva a comunicação das suas ideias, deixando à responsabilidade dos alunos a resolução da tarefa, até encontrarem a sua solução. Refira-se que, enquanto a categoria de funil e a categoria de extração acabam sempre com uma solução para o problema em mãos, no caso da categoria de focalização, esta não termina, obrigatoriamente, com uma solução para um problema inicial (R. Ferreira, 2005).

No que diz respeito às formas de comunicação, Brendefur e Frykholm (2000) apontam quatro conceções de Comunicação Matemática, em sala de aula: unidirecional; contributiva;

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Na comunicação unidirecional o professor domina o discurso na sala de aula. O papel essencial dos alunos é escutar o professor, tendo poucas oportunidades para comunicarem as suas estratégias, ideias e pensamentos.

Na comunicação contributiva valoriza-se a interação entre alunos e professor, permitindo aos alunos participarem no discurso da aula, apesar dessa contribuição se realizar através de intervenções curtas.

Relativamente à comunicação reflexiva, carateriza-se por valorizar a reflexão dos alunos sobre a ação desenvolvida, na qual se inclui a atividade dos alunos que decorre da realização de tarefas, em particular a atividade discursiva. Esta conceção assemelha-se à contributiva, visto que, também, há partilha de ideias, estratégias e resoluções, embora, na reflexiva, as intervenções dos alunos possam ser mais longas.

A comunicação instrutiva vai mais além do que a simples interação entre professor e alunos. Através da conversação entre professor e aluno, o professor começa a compreender os processos de pensamento dos alunos, pontos fortes e dificuldades dos alunos e, como resultado do diálogo que ocorre entre eles, utiliza-a para modelar a sua própria forma de ensinar.

Numa outra perspetiva, Pollard e Triggs (1997), observam na sala de aula quatro tipos distintos de comunicação: exposição, discussão, questionamento e escuta. A exposição é usada normalmente pelo professor, no sentido de introduzir informação nova, explicar procedimentos, descrever factos ou situações, sistematizar trabalhos e instruir.

Na discussão, os diversos intervenientes interagem expondo as suas ideias, colocando questões mutuamente, passando, assim, o controlo, sucessivamente, de uns para os outros. O professor e alunos, coletivamente ou em pequenos grupos, exploram, debatem ideias e pensam em conjunto.

O questionamento salienta a importância da pergunta no discurso da aula. As questões bem formuladas conduzem os alunos a valorizar e desenvolver o seu próprio pensamento. Este modo de comunicação é usado, frequentemente, pelo professor, para aferir os conhecimentos adquiridos, pelos alunos, e verificar a concretização dos objetivos (Vacc, 1994). Matos e Serrazina (1996) diferenciam três tipos de questões que surgem na aula de Matemática: de

focalização, que ajudam os alunos a seguir um certo raciocínio; de confirmação, que servem

para aferir os conhecimentos dos alunos; e de inquirição, que visam o esclarecimento do professor relativamente à maneira como os alunos raciocinam.

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A habilidade do professor, para o questionamento, passa pela capacidade de decidir quando colocar questões provocadoras e orientadoras, dependendo do entendimento que tem da forma como deve decorrer a aula de Matemática, do seu papel e do aluno.

Segundo Pollard e Triggs (1997), escutar é, também, um tipo de interação comunicativa presente na sala de aula, onde um dos intervenientes ouve e responde ao discurso dos restantes intervenientes.

O atual Programa de Matemática para o Ensino Básico (Bivar, et al., 2013) concede à Comunicação Matemática um papel de grande importância, tanto no ensino como na aprendizagem da Matemática. Referindo que se deve trabalhar, oralmente, com os alunos a competência de compreender os enunciados dos problemas matemáticos, identificando e explicando, de modo claro, as questões que levantam e discutindo, do mesmo modo, estratégias que levem à sua resolução. Os alunos precisam de incentivo para comentar as afirmações dos seus colegas e do professor, para exibir as suas ideias e para discutir as suas dúvidas. Além disso, também necessitam de estímulo para redigir corretamente as suas respostas, evitando o uso de símbolos matemáticos como abreviaturas estenográficas, e explicando, o seu raciocínio e conclusões, de forma adequada.

A Comunicação Matemática define-se como um processo de interação social, diferindo de outras visões de comunicação, enquanto transmissão de informação. Neste contexto, o papel do professor e do aluno adquire significados substancialmente distintos, em consonância com as conceções e práticas da Comunicação Matemática no ensino e na aprendizagem desta ciência (Guerreiro, 2011a). Se encararmos a matemática como uma construção cultural partilhada entre os participantes, tanto a aprendizagem, como o discurso do professor, assumem um significado diferente. Ponte e outros (2007b) referem que, as aulas são caraterizadas por processos de interação social, onde ocorrem processos de significação e construção, da qual faz parte todo o ato de linguagem. A aprendizagem converte-se, desta forma, num processo de interação e reflexão, no qual o professor não se limita à transmissão do conhecimento matemático, empenhando-se em organizar um conjunto de tarefas, variadas e não rotineiras, que promovam uma variedade de estratégias de resolução, com vista à construção de novos conhecimentos e à negociação de conceitos matemáticos.

Refira-se, ainda, que Larson (2000) estudou as conceções que os professores tinham a respeito do termo discussão, tendo identificado seis diferentes tipos de discussão: conversa orientada pelo professor; perspetivada como sendo uma recitação; série de respostas a questões

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desafiadoras; conversa aberta; prática para o desenvolvimento de capacidades verbais; e, por último, guia para a transposição de conhecimento para o mundo fora da escola.

As conceções dos professores, em relação à discussão, consideram-se como um método de instrução, com a finalidade de ajudar os estudantes a envolverem-se, tentando que pensem, em vez de se limitarem a tagarelar a informação que lhes é dada. Relacionada com a discussão temos, ainda, a argumentação matemática, relacionada com toda a conversação, ou discurso, que ocorre na sala de aula de Matemática (Assunção, 2009).