• Nenhum resultado encontrado

Comunicação, Democracia e Engajamento na Sustentabilidade Urbana

Distrito Vila Medeiros

Capítulo 5 Comunicação, Democracia e Engajamento na Sustentabilidade Urbana

Bordenave define democracia como um “estado de participação” (BORDENAVE, 1994, p. 8). Há quase vinte anos, o autor observava o crescimento do interesse pela participação em todo o mundo, nas mais variadas instâncias, o que ainda ocorre, permitindo vislumbrar, tanto na década de 1990 quanto agora, o adentramento progressivo no que ele denominava “A Era da Participação”:

O uso frequente da palavra participação também revela a aspiração de setores cada dia mais numerosos da população a assumirem o controle do próprio destino. As rádios convidam os ouvintes a “participarem” de sua programação telefonando, escrevendo, solicitando discos; os partidos políticos conclamam a população a participar; o vertiginoso crescimento do associativismo nesta década parece indicar que estamos entrando na era da participação”. (BORDENAVE, 1994, p. 8, grifos do autor)

Entretanto, Bordenave alertava para o fato de que esse interesse pela participação não necessariamente parecia estar acompanhado daquilo que ela é, com seus graus e níveis, suas condições, suas dinâmicas e suas ferramentas operativas. O pesquisador enxergava, ainda assim, um consenso, o qual parecia orientar a intensificação dos processos participativos: “o descontentamento geral com a marginalização do povo dos assuntos que interessam a todos e que são decididos por poucos” (BORDENAVE, 1994, p. 12). Assinalava, ademais, a participação não como apenas “um instrumento para a solução de problemas mas, sobretudo, uma necessidade fundamental do ser humano, como são a comida, o sono, a saúde” (BORDENAVE, 1994, p. 16, grifo do autor).

Cumpre lembrar que para a realização dessa necessidade inerente ao ser humano impõe-se o reconhecimento do indivíduo social. Para alcançar sua realização, norteada por valores como autoconfiança, autorrespeito e autoestima, um indivíduo precisa do outro, que por sua vez o auxiliará no processo de construção de sua identidade – esse conjunto de fatores perfaz o conceito de reconhecimento (HONNETH, 2003; MATOS, 2011). Portanto, uma coletividade, quando toma consciência das injustiças que sofre, na luta pelo reconhecimento inicia um questionamento a fim de modificar os padrões de julgamento e valorização, já institucionalizados, dos indivíduos e grupos. A alteração de padrões não se concretiza, entretanto, se os grupos sociais forem incapazes de se organizar, o que os deixa “em desvantagem para conquistar a visibilidade necessária à obtenção do reconhecimento” (MATOS, 2011, p. 42).

O reconhecimento implicado na participação e no engajamento do cidadão35 liga-se à ideia de que ‘a prova de fogo da participação não é o quanto se toma parte mas como se toma parte” (BORDENAVE, 1994, p. 23, grifo do autor). Ou ainda:

Possivelmente, a insatisfação com a democracia representativa que se nota nos últimos tempos em alguns países se deva ao fato de os cidadãos desejarem cada vez mais “tomar parte” no constante processo de tomada nacional de decisões e não somente nas eleições periódicas. A democracia participativa seria então aquela em que os cidadãos sentem que, por “fazerem parte” da nação, “têm parte” real na sua condução e por isso “tomam parte” ‒ cada qual em seu ambiente ‒ na construção de uma nova sociedade da qual “se sentem parte” (BORDENAVE, 1994, p. 23).

Assim, somos conduzidos ao conceito de comunicação pública como instrumento fundamental da participação de qualidade. Para Matos, na esfera pública ‒ locus de interação social de todos os agentes e interesses envolvidos ‒, a Comunicação Pública articula-se com a Comunicação Política. No interior dessa confluência, portanto,

transitam recursos humanos (cidadãos, políticos, eleitores), físicos (suporte da comunicação massiva, tecnologias interativas e convergentes), econômicos (capital, ativos em geral), comunicacionais (discursos, debates, diálogos estruturados dentro e fora das mídias massivas e recursos interativos) (MATOS, 2006, p. 71).

A comunicação pública, a despeito dos jogos de poder em permanente vigência nas sociedades, tem como questão central saber o que se busca e o que é obtido nesta esfera de relações: só os temas e interesses comuns dizem respeito à Comunicação Pública, conforme Matos (2006). Vale lembrar que a autora, ao longo dos anos, vem propondo um entendimento da comunicação pública

como o processo de comunicação instaurado em uma esfera pública que engloba Estado, governo e sociedade, como um espaço de debate, negociação e tomada de decisões relativas à vida pública do país (...) A comunicação pública exige, portanto, a participação da sociedade e de seus segmentos: não apenas como receptores da comunicação do governo, mas principalmente como produtores ativos no processo

comunicacional (MATOS, 2011, p. 45).

Matos também sustenta: para que exista de fato interlocução e debate entre os atores da comunicação pública, é necessário criar espaços de discussão e deliberação acerca de temas políticos e sociais ‒ “espaços capazes de viabilizar a formulação de suas demandas e sua consequente repercussão no governo, na sociedade e na mídia” (MATOS, 2011, p.45).

35 Dahlgren (2009) estabelece diferença significativa entre esses conceitos. Engajamento político, conforme o autor, é um pré-requisito para que a participação ocorra; engajamento envolve estados subjetivos a partir dos quais se torna possível a mobilização, o centramento da atenção do indivíduo em um determinado objeto. O envolvimento do cidadão pode ser ancorado no individual, mas a participação requer coletividades, com cidadãos conectados por ligações cívicas. Para o engajamento tornar-se participação e contribuir para o aumento da ação cívica, é preciso proceder ao empoderamento dos cidadãos, a fim de que se sintam capazes de realizar atividades. De nossa parte, embora compreendamos perfeitamente a explicação, preferimos não adotar uma distinção muito rígida entre os termos, uma vez que às vezes nos parece que a participação é que precede o engajamento.

Em termos de políticas públicas municipais na área ambiental, como exemplo desses espaços (ainda que assolados por certos desvios de função conforme a região da cidade em que se encontram), destacamos os Conselhos de Meio Ambiente. A cidade de São Paulo conta com um conselho central, o Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CADES), e com 32 conselhos regionais cuja constituição total levou cerca de quatro anos para completar-se36. Sobre esses conselhos discorreremos agora, com vista a explicitar ao leitor sua natureza e funcionamento, bem como com o intuito de relacioná-los de maneira mais efetiva aos processos de participação que levam à cidadania ambiental no município.

5. 1. Os Conselhos de Meio Ambiente (CADES) na cidade de São Paulo e a participação do cidadão

5.1.1. O CADES ‘geral’ do município

Instituído nos termos do artigo 22 da Lei n.º 11.426, de 18 de Outubro de 1993, o CADES - Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, é um órgão consultivo e deliberativo em questões referentes à preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, construído e do trabalho, em todo o território do Município de São Paulo. Seu funcionamento foi regulamentado pelo decreto nº 33.804, de 17 de novembro de 1993 e reorganizado nos termos da lei nº 14.887, de 15 de janeiro de 2009. O Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável é integrado por 36 membros, todos com seus respectivos suplentes, sendo 18 do Poder Público e 18 da Sociedade Civil, garantido o princípio da paridade.O mandato dos membros é de até dois anos, permitidas duas reconduções por igual período, conforme dispõe o artigo nº 34 (PORTAL PREFEITURA, 2011).

5.1.2. OS CADES regionais

Os Conselhos Regionais de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (CADES regionais) foram criados no município de São Paulo no ano de 2007, por meio de uma portaria intersecretarial. Em 2009, a lei municipalnº 14.887, de 15 de janeiro de 2009,

36 Informação fornecida pelo Secretário do Meio Ambiente do município, Eduardo Jorge, em palestra proferida no III Encontro dos Conselhos Regionais de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz e Fóruns da Agenda 21 da cidade de São Paulo (2012).

consolidou a proposição da existência deles em todas as subprefeituras. Os CADES regionais têm caráter participativo e consultivo, sendo compostos por oito membros indicados pelo poder público e oito conselheiros eleitos pela sociedade civil, em número paritário, cujo mandato tem a duração de dois anos, prevista reeleição por igual período. De acordo com o poder público municipal37, as responsabilidades dos CADES regionais abrangem:

I - Colaborar na formulação da Política Municipal de Proteção ao Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz, por meio de recomendações e proposição de planos, programas e projetos ao Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, às Subprefeituras, à Secretaria Municipal de Participação e Parceria, à Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação e demais órgãos interessados;

II - Apoiar a implementação, no âmbito de cada Subprefeitura, da Agenda 21 local e do Programa A3P – Agenda Ambiental na Administração Pública;

III - Apoiar a implementação do Plano Diretor Estratégico e dos Planos Diretores Regionais em questões relacionadas à proteção do meio ambiente, à promoção do desenvolvimento sustentável e da cultura de paz;

IV - Fomentar a cultura e os ideais de sustentabilidade, apoiando ações públicas ou privadas de conservação do meio ambiente, de promoção do desenvolvimento sustentável e cultura de paz;

V – Promover a participação social em todas as atividades das Subprefeituras

relacionadas à proteção do meio ambiente, à promoção do desenvolvimento sustentável e cultura de paz;

VI - Receber propostas, denúncias e críticas relacionadas à proteção do meio ambiente, à promoção do desenvolvimento sustentável e cultura de paz, encaminhadas por qualquer pessoa ou organização, responsabilizando-se pelos encaminhamentos e esclarecimentos necessários;

VII - Promover ações conjuntas com outros Conselhos que atuem na região das Subprefeituras correspondentes. (TERRITÓRIO CIDADÃO, 2011)

Na mesma fonte, encontramos a chamada ao exercício da cidadania ambiental, “que requer a participação efetiva de todos”. O discurso enfatiza a necessidade de não só apontar problemas ou denunciar o uso indevido dos recursos naturais, mas de propor soluções, realizar parcerias, mobilizar as comunidades, construir junto ao poder público políticas referentes ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Tudo isso, além de representar o que é participar, constitui-se no zelo pelo bem-comum (TERRITÓRIO CIDADÃO, 2011).

Percebemos, até aqui, uma dimensão bastante positiva dos CADES rumo à ampliação da participação cidadã na resolução dos problemas socioambientais do município. No entanto, há que observar um certo descompasso entre os reais objetivos dos CADES regionais e o que se verifica, ao menos em alguns deles, na atualidade.

Depoimentos espontâneos ‒ e extraoficiais ‒ coletados em conversações nas reuniões de um dos CADES regionais, no III Encontro Regional dos CADES municipais e na 11ª Conferência de Produção Mais Limpa e Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo

37 Informações extraídas das diretrizes do curso Território Cidadão ‒ curso de formação de conselheiros oferecido às comunidades da macrorregião Norte 1 da cidade de São Paulo, realizado em 2011. Referências completas ao final deste trabalho.

(CONFERÊNCIA, 2012) dão conta do esvaziamento progressivo dessas instâncias de participação em algumas regiões da cidade. Os motivos alegados por alguns dos depoentes38 consistem em: a) insatisfação com os processos dialógico-deliberativos adotados nos CADES regionais (predominância da visão e dos interesses do poder público, tornando o espaço um espaço de manobra da administração pública em prol da consecução de seus objetivos; repressão da fala cidadã, conforme o assunto abordado); b) o subsequente desânimo por não enxergarem nesse canal um meio real de “formulação de demandas e sua consequente repercussão no governo, na sociedade e na mídia”, para retomar as palavras de Matos (2011, p.45) e c) desagrado quanto à ausência repetida, nas reuniões, de representantes do Poder Público nomeados para integrar os CADES regionais. (Alguns se valem da ausência da obrigação legal de fazê-lo)39.

Verifica-se, face ao exemplo dado, a existência de diversos problemas correlacionados ao envolvimento público na gestão ambiental. Jaffray (1981, apud FURRIELA, 2002) realizou leitura anotada de extensa bibliografia sobre esse tema. Apropriamo-nos aqui dos aspectos destacados por ele e recolhidos por Furriela (2002), por entendermos tratar-se de elementos fundamentais a considerar quando pensamos em participação cidadã:

a) A participação pode dar ensejo à mobilização de interesses antagônicos;

b) A participação pode ser cara, lenta e gerar demora para a tomada de decisão;

c) Muitos segmentos promovem lobby em favor de interesses locais/próprios ou de

privilégios especiais;

d) A participação pode não ser representativa: todos os segmentos relevantes não estão

presentes;

e) A participação pode não ser legítima: aqueles que participam não são

necessariamente aqueles que devem ser os reais portadores da opinião do público ou da população afetada;

f) Muitas questões envolvem conhecimento técnico específico, de difícil alcance ao

cidadão comum;

g) Muitas agências circulam apenas informações previamente selecionadas ou

maculadas de vícios;

h) Falta de interesse ou competência profissional do coordenador para a realização de

um processo participativo (necessidade de um coordenador competente, qualidade rara de se encontrar);

i) Tomadores de decisão podem muitas vezes ser alienados, pouco se importando com

os “representados” e suas “crises emocionais”, típicas em situações em que se decide sobre problemas ambientais;

j) Tendência a maior influência por parte dos cidadãos mais afluentes e poderosos;

k) Desigualdades econômicas e sociais prejudicam a participação por diferentes

segmentos;

38 Que não representam, obviamente, a opinião da totalidade dos participantes dos CADES, mas dão uma ideia de algumas insatisfações que podem comprometer a participação cidadã em instâncias dessa natureza.

39 Segundo o Secretário do Meio Ambiente do município em exercício no momento desta pesquisa, Eduardo Jorge, em fala pública no III Encontro dos Conselhos Regionais de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz e Fóruns da Agenda 21, a Secretaria Municipal de Participação e Parceria (SMPP), a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação (SEME)não são obrigadas por lei a participar dos CADES regionais, mas é desejável que participem. O Portal da Prefeitura (PORTAL, 2012) esclarece que Caso a SEME e SMPP não indiquem representantes, outras Secretarias podem ser convidadas para indicar representantes no seu lugar.

l) Falta de senso de comunidade: a sociedade ocidental valoriza mais o sentido de liberdades e interesses individuais do que estimula o sentimento de pertença a uma comunidade, fundamental em prol da participação na mesma.

m) A participação na tomada de decisões sobre questões ambientais tende a ser

altamente politizada, permeada por julgamentos de valores e conflitos de valores40;

n) Falta de acesso à informação;

o) Falta de conhecimento do público sobre as questões em discussão;

p) Questionamentos sobre conteúdo e origem da informação sob discussão;

q) Excesso de burocracia e procedimentos extremamente restritivos, problemas de

entendimento do público sobre procedimentos;

r) Falta de cooperação por parte do administrador público que muitas vezes não gosta e

vê com suspeita a participação pública;

s) Falta de infraestrutura, recursos humanos e econômicos por parte do administrador

público que promove o processo de envolvimento da população;

t) A participação de alguns grupos de cidadãos é tida muitas vezes como

excessivamente radical, romântica ou ainda desprovida de fundamento científico ou falta pesquisa sobre a realidade sob análise. (FURRIELA, 2002, p. 63/64)

Ao mesmo tempo que notamos, por meio da listagem acima, a miríade de dificuldades associadas à participação do povo nas decisões que afetam sua vida, cabe observar a existência de autores trabalhando com afinco ‒ e propondo soluções ‒ em um ou vários dos aspectos assinalados. Interessa-nos, na próxima seção deste trabalho, pontuar alguns prismas que consideramos fulcrais.

5. 2. Engajamento ambiental urbano: ruptura ou construção?

Esta seção trata de questões adicionais envolvidas na construção dos processos de engajamento do cidadão urbano na preservação do meio que habita. Buscamos um entendimento mais apurado das razões e condições vinculadas ao ingresso do indivíduo citadino na construção da sustentabilidade ambiental e/ou os fatores condicionantes de uma ruptura nessa relação, considerando as mediações comunicacionais aí reinantes. Vamos, pois, a mais aportes teóricos que facilitam a tessitura das pontes de engajamento ambiental.

Para Daniel Bell, a política local, de porte restrito, torna oportunas práticas significativas criadas e moldadas por compreensões sociais, em contraste com a abstrata e burocrática aparelhagem política institucional (Bell, 2000). Nesse sentido, o voluntariado é citado por ele como um dos meios pelos quais não apenas se deflagra um processo participativo, mas também como elemento capaz de manter uma coesão social indispensável ao engajamento dos indivíduos:

A demanda por um retorno à “sociedade civil” é a procura de um retorno a uma escala gerenciável da vida social, particularmente onde a economia nacional tornou-

40‘Conflitos de valores’ é a expressão tal como aparece na publicação em foco, porém imaginamos que pudesse haver aqui algum engano de digitação, já que nos pareceria melhor a expressão ‘conflito de interesses’.

se incorporada a um quadro internacional e a política nacional perdeu algum grau de sua independência. Ela enfatiza associações voluntárias, igrejas e comunidades, sob o argumento de que as decisões devem ser tomadas localmente – algo mais factível agora, dadas as novas tecnologias, com sua promessa de indústrias descentralizadas ou pequenas firmas (BELL, 2000, p. 388, tradução nossa).

A ênfase em trabalho voluntário, participação das igrejas e de comunidades locais de qualquer natureza conduz-nos a Walzer. Este autor define a sociedade civil como o espaço no qual se materializam relações humanas não coercitivas, cujo elemento comum é a associação; também a traduz como o conjunto de redes formadas em favor da família, da fé, do interesse e da ideologia daqueles que delas participam (WALZER, 1998).

O trabalho voluntário, afirma Maia, é valorizado de maneira especial por permitir que as pessoas alcancem seus objetivos, “através do diálogo, da barganha ou da persuasão, ao invés de compromissos impostos por governos ou através de incentivos mercadológicos proporcionados por firmas” (MAIA, 2011, p. 54). As associações dedicadas ao voluntariado, segundo ela, “ajudam a desenvolver nos indivíduos hábitos cívicos benéficos à democracia: habilidades participativas, confiança recíproca e tolerância mútua” (MAIA, 2011, p. 54), ou seja, auxiliam na construção do capital social tal como delimitado por Putnam: “Capital social refere-se a redes de conexão social – fazendo com. Fazer o bem para outras pessoas, embora louvável, não faz parte da definição de capital social” (PUTNAM, 2000, p. 117, grifos do autor, tradução nossa).

Entretanto, a operacionalização do conceito vinculado à tríade de hábitos cívicos recém-mencionada, passa, necessariamente, por outra linha de força, aquela relativa à conversação cívica e sua relação com a deliberação.O poder de deliberação permanece, via de regra, restrito ao Estado e a grupos econômicos hegemônicos, e isso retarda a concretização de um espírito participativo ancorado nos valores coletivos reais e nos interesses individuais41 da população.Em tal quadro, a conversação representa uma possibilidade de que o sujeito social se torne um sujeito democrático, fortalecendo sua capacidade argumentativa. Matos (2009, p.71), a esse respeito, assegura:

Uma vez orientada para a busca da intercompreensão e do entendimento cooperativo acerca de um problema de interesse geral, a conversação pode politizar-se e, assim, proporcionar efeitos democráticos ligados à formação do cidadão.

Os vínculos de solidariedade e pertencimento propiciados e reforçados pelas conversações cívicas (Marques e Maia, 2008), além de contribuírem para o processo

41Em relação à importância dos interesses individuais enquanto constructo pertinente à participação e à tomada de decisões em plano coletivo, consultar o artigo O papel dos interesses na construção de uma ética dos processos comunicativos, de Ângela Marques (2011). Referências completas ao final deste trabalho.

democrático, ajudam os cidadãos a desafiar as relações de poder existentes na sociedade, uma vez que a conversação os auxilia na interpretação de seus problemas de maneira objetiva e coletiva (MATOS, 2009). Pesquisadores das áreas de Ciência Política, Filosofia Política e Comunicação Social demonstram interesse crescente pelo papel desempenhado pelas interações comunicativas “em contextos em que os indivíduos buscam desenvolver, rotineiramente, capacidades e habilidades vinculadas à participação política e à construção da cidadania” (MARQUES E MAIA, 2008, p.143). Esses estudos

mostram que formas específicas de interação discursiva, como a conversação e a discussão, são essenciais para a criação de modos mais complexos de entendimento de situações, políticas públicas, programas ou questões problemáticas relativas à vida cotidiana dos cidadãos. (...) contudo, ao procurarem evidenciar as contribuições da discussão política ou da conversação cotidiana à democracia deliberativa, não exploram a dinâmica das trocas comunicativas que se dão entre parceiros dialógicos localizados em esferas de maior invisibilidade social com a devida atenção. O foco ainda persiste nos discursos que compõem o fluxo principal (mainstream) das questões de ampla publicidade (MARQUES E MAIA, 2008, p. 143-144).

A reduzida atenção à “dinâmica das trocas comunicativas entre parceiros dialógicos localizados em esferas de maior invisibilidade social” parece, sob nosso prisma, emperrar também os diálogos em favor de um meio ambiente com qualidade de vida nas grandes cidades. Destarte, tanto o reforço dos vínculos de solidariedade e pertencimento quanto a ampliação das pesquisas comunicacionais sobre a conversação e os fluxos comunicativos menos visíveis socialmente fazem parte de um processo cujo valor é inominável na democracia deliberativa. Ainda mais quando se considera que

a expansão metropolitana no Brasil tem se realizado como processo de