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Representações Sociais, Meio Ambiente e Comunicação: da construção de sentidos à ação ambiental proativa

Distrito Vila Medeiros

Capítulo 2 Representações Sociais, Meio Ambiente e Comunicação: da construção de sentidos à ação ambiental proativa

O conjunto das reflexões tecidas nesta revisitação teórica remete aos processos comunicacionais envolvendo as relações munícipe e diferentes esferas sociais: poder público, sistema educacional, igrejas, empresas, meios de comunicação de massa, organizações da sociedade civil. Estabelece, a partir dessa ótica, significativa ponte com o papel das representações nas Ciências Sociais, do que nos ocupamos neste capítulo, no intuito de amarrar os contributos dessa vertente ao objetivo de estudar os processos de comunicação ambiental enquanto produtores de sentido e proatividade no cidadão urbano.

Reigota sustenta que, “nas Ciências Sociais, o estudo das representações sociais remonta ao século passado, tendo como um de seus marcos fundamentais o trabalho desenvolvido por Émile Durkheim”. Este, um dos fundadores da Sociologia, discutiu “a importância das representações dentro de uma coletividade e como elas influem nas decisões que os seres humanos tomam individualmente” (REIGOTA, 2010, p. 67).

Durkheim separa radicalmente representações “individuais” e “coletivas” (DUVEEN, 2011, p. 11) ao longo de seu esforço para estabelecer a sociologia como uma ciência autônoma. Sugere que as representações individuais deveriam constituir-se o campo da psicologia, enquanto as representações coletivas comporiam o objeto de estudo da sociologia. A partir da discussão das formulações de Durkheim, frutificaram estudos capazes de nos auxiliar na melhor compreensão da natureza das representações, entre eles os de Moscovici (2011).

O interesse de Moscovici pela inovação e a mudança social, afirma Gerard Duveen, seu editor, levaram-no a perceber que, da perspectiva sociopsicológica, “as representações não podem ser tomadas como algo dado nem podem elas servir simplesmente como variáveis explicativas”. A partir da perspectiva tecida é que, ao contrário, a construção dessas ‘formulações’ transforma-se na questão a discutir (DUVEEN, 2011, p. 15).

Na introdução da obra Representações Sociais14, de Serge Moscovici, Duveen realça o fato de que as representações ilustram o papel e a influência da comunicação em nossas vidas, pois adentram nosso mundo cotidiano, circulam na mídia que lemos e olhamos, integram

nossas conversas e discussões com amigos e colegas. “Sustentadas pelas influências sociais da comunicação, constituem as realidades de nossas vidas cotidianas” e funcionam “como o

principal meio para estabelecer as associações com as quais nos ligamos uns aos outros” (DUVEEN, 2011, p. 8).

As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas correspondem, dum lado, à substância simbólica que entra na sua elaboração e, do mesmo modo como a ciência ou o mito, correspondem a uma prática científica ou mítica (MOSCOVICI, 1976, apud DUVEEN, 2011, p. 10).

Serge Moscovici observa que há razões históricas diversas as quais dificultam a compreensão exata do conceito de representação, embora seja, a seu ver, simples compreender a realidade do termo. Entrecruzam-se, para compor essas razões históricas, conceitos sociológicos e psicológicos, formando a encruzilhada na qual, segundo ele, devemos nos situar (MOSCOVICI, apud DUVEEN, 2011, p. 10).

Sêga (2000), analisando os olhares de Jodelet e Moscovici acerca da representação social, assegura que ela é um conhecimento prático, conferidor de sentido aos acontecimentos que nos são normais, forjador de evidências em nossa realidade consensual e auxiliar na construção social da realidade na qual nos inserimos. Isso se dá porque as representações emergem como uma forma de interpretar a realidade cotidiana e refletir sobre ela, um modo de conhecimento da atividade mental que os indivíduos e os grupos desenvolvem “para fixar suas posições em relação a situações, eventos, objetos e comunicações que lhes concernem” (SÊGA, 2000, p. 128).

O contexto concreto no qual estão situados os grupos e as pessoas individualmente, a comunicação que se estabelece entre eles, o quadro de apreensão que fornece sua bagagem cultural, os códigos, símbolos, valores e ideologia ligados às posições e vinculações sociais específicas demonstram a intervenção multifacetada do social nesse processo (SÊGA, 2000).

No tocante à realidade ambiental, a sociedade traduz seu modo de ver ou sua opinião corrente por intermédio das representações sociais. Tais representações alteram-se conforme as regiões e os estamentos sociais, entretanto permanecem ligadas à cultura dominante (REIGOTA, 2010; COIMBRA, 2004). Coimbra (2004) afirma que isso é resultado de fatores históricos, culturais e naturais, considerando-se o paradigma norteador da formação nacional, a visão religiosa de mundo, a organização política, os modelos econômicos adotados, bem como os componentes físicos do ambiente natural e suas influências no meio.

os resultados das pesquisas em psicologia social mostram que existe uma certa impermeabilidade à informação. As informações são dispersas e se manifestam em diversas circunstâncias. Tantos que os sábios ingênuos, as pessoas que tendem a resistir aos fatos, não aceitam as teorias implícitas do conhecimento. Eles tendem a excluir certas informações e apegar-se a outras menos importantes. Essas crenças conservam todas as informações que lhes confirmam e se livram de todas as que lhes invalidam (SÊGA, 2000, p. 131-132, grifo do autor).

No Brasil, pari passu com o desperdício e um sem-número de agressões ao meio ambiente originadas de representações questionáveis, bem como da inconsciência, da ignorância ou da ganância, aparece uma sensibilização vaga e tímida acerca dos problemas ambientais regionais e nacionais. Habitualmente, confirmam pesquisas15, o brasileiro age “seguindo a conjunção de ideias, sentimentos e ações, nem sempre em equilíbrio” (COIMBRA, 2004, p. 546), o que dificulta a percepção objetiva dos problemas ambientais e suas soluções. Tal fenômeno, considerado contraditório por Coimbra, faz-se notadamente perceptível “quando se comparam as representações sociais do meio ambiente com as representações sociais do desenvolvimento e do progresso”. São incoerentes, para o autor, as práticas adotadas e o discurso ambiental em uma sociedade na qual o consumismo se impõe como costume cotidiano da maioria.

A adoção sem questionamentos de modelos alienígenas de desenvolvimento e de padrões de consumo prevalece sobre a consciência ecológica, e assim sobre a consciência ética, social e cidadã. Infelizmente, essa percepção retrata o ânimo geral da sociedade. Uma transformação radical se impõe! (COIMBRA, 2004, p. 546)

A trilha de mudanças urgentes a implantar “aponta para as comunidades locais ou pequenas comunidades, para os grupos de militância e os formadores de opinião” (COIMBRA, 2004, p. 546). A abordagem de temas de interesse local contribui para melhorar a percepção social do meio ambiente e, assim, torna-se capaz de criar motivações para uma ação ambiental participativa, à maneira do que disse Goothuzem (2009). Coimbra (2004) agrega a esse raciocínio um velho aforismo filosófico: “nada pode ser desejado se antes não for conhecido” – e a partir daqui vislumbramos um elo adicional entre a comunicação e a questão ambiental, dessa vez condicionado à circulação do discurso produzido nessa interface.

O vetor principal da formação das representações sociais é perceptível através do discurso pelo qual circula, segundo Jodelet (1998). Um exemplo significativo do quanto a manifestação discursiva permite apreendê-las pode ser apreciado em um dos resultados da

15 Ver, por exemplo, a evolução dos resultados da pesquisa O que o brasileiro pensa do meio ambiente, realizada a cada quatro anos, desde 1992, pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o ISER (Instituto de Estudos da Religião). Disponível entre outras fontes, na revista ECO21, n. 63. Ver também: http://www.eco21.com.br/textos/textos.asp?ID=262.

pesquisa O que o brasileiro pensa do meio ambiente16, publicado na Revista ECO 21 de fevereiro de 2002: o texto jornalístico em questão indica que tanto na investigação de 1997 quanto na de 2001, mais de 50% da população entrevistada não foi capaz de identificar nenhum problema ambiental no seu bairro. Isso mostrou aos pesquisadores que é preciso incrementar os esforços para informar ao grande público sobre questões de meio ambiente e qualidade de vida (ECO21, 2002). Chegar a essa análise, naturalmente, implicou considerar que as representações sociais “circulam no discurso, são realizadas pelas palavras e transmitidas nas mensagens e imagens de mídia, cristalizadas nos equipamentos condutivos e nos agenciamentos materiais ou espaciais” (JODELET, 1998, p. 32).

Algumas características são listadas por Moscovici para explicar a complexidade e a necessária inscrição das representações dentro de “um referencial de um pensamento preexistente”: a) são sempre dependentes de “sistemas de crenças ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência”; b) são “o objeto de um permanente trabalho social, no e através do discurso, de tal modo que cada novo fenômeno pode ser sempre reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares e, consequentemente, aceitáveis”; c) ocorre,ao longo desse trabalho permanente, o processo de troca e composição de ideias, deveras necessário porque responde às duplas exigências dos indivíduos e das coletividades. Auxiliam tais características, pois, na construção de sistemas de pensamento e compreensão e, de outro ângulo, prestam-se à adoção de visões consensuais de ação as quais permitem aos indivíduos manter um vínculo social, ou, ainda, “a continuidade da comunicação da ideia” (MOSCOVICI, 2011, p. 216). Ou:

Representar significa, a uma vez e ao mesmo tempo, trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que satisfaçam as condições de uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da integridade normativa do grupo. É, portanto, muito importante que isso se dê de forma comunicativa e difusiva, pois não há outros meios, com exceção do discurso e dos sentidos que ele contém, pelos quais as pessoas e os grupos sejam capazes de se orientar e se adaptar a tais coisas (MOSCOVICI, 2011, p. 216).

Em consequência, o status simbólico constituinte dos fenômenos de representação social estabelece um vínculo, constrói uma imagem, evoca, diz e faz com que se fale, partilha um significado por meio de “algumas proposições transmissíveis e, no melhor dos casos, sintetizando um clichê que se torna um emblema” (MOSCOVICI, 2011, p. 216). Grize lembra que um indivíduo imerso num dado momento dentro de uma sociedade é em grande parte um reflexo das representações coletivas de que esta é feita (GRIZE, 1993, p. 3). O autor emprega

a expressão ‘modelos mentais’ em seus estudos a respeito das representações e acrescenta que estas são “funcionalmente eficazes em uma dada sociedade, o que significa que elas requerem para cada um de seus membros o desenvolvimento de modelos mentais que eles utilizam para agir” (GRIZE, 1993, p. 3).

Vignaux enxerga “todo discurso como uma redução dos elementos (atores, processos, domínios), a tópicos julgados suficientes para a representação que um indivíduo pretende fazer de alguma coisa” (VIGNAUX, 1991, p. 309-310). Ademais, considera o processo de esquematização discursiva inseparável de uma categorização permanente e fixa qualquer expressão simbólica dos nossos relatórios cognitivos como algo que só pode ser expresso simbolicamente, por meio de argumentos que estabelecem as formas comuns dos discursos e representações do mundo (VIGNAUX, 1991, p. 317).

As representações são vistas em Grize, Vignaux e Moscovici como fenômenos que interferem em todas as relações simbólicas criadas e mantidas por uma sociedade e que se interconectam a tudo que gera efeitos em termos de economia ou poder. Não se trata de uma questão ideológica, diz Moscovici − apoiado em GRIZE (1993) e Vignaux (1991) − mas de “todas aquelas interações que, das profundezas às alturas, das matérias brutas até as efemeridades das estruturas sociais, são transmitidas através do filtro das linguagens, imagens e lógicas naturais” (MOSCOVICI, 2011, p. 216, grifo nosso).

As interações de que nos fala Moscovici objetivam, conforme o autor, a constituição de mentalidades ou crenças as quais influenciam os comportamentos. Torna-se possível verificar a banalidade de um fenômeno quando ele é percebido e observado como um efeito descritível; sua complexidade, por outro lado, constata-se quando o fenômeno “é uma questão de corrente ascendente que flui em direção ao que constitui o ‘núcleo semântico’ de alguma concepção generalizada no corpo social e o estrutura em algum momento ao ponto de motivar histórias, ações, acontecimentos” (MOSCOVICI, 2011, p. 217).

A tessitura de crenças e mentalidades ligadas à problemática ambiental urbana também estabelece vínculos com eventuais problemas de comunicação vivenciados pelos munícipes. Em termos de gestão ambiental, Ribeiro considera existir um problema de comunicação quando o público recebe informações inapropriadas ou inadequadas, tecidas e impingidas de maneira autoritária17; em contraposição a isso, lembra que “os interlocutores devem se reconhecer” nos objetivos traçados pelos gestores ambientais, pois somente assim se

17 Ribeiro faz uma crítica às escolas tradicionais de comunicação, afirmando que elas costumam tratar da mensagem, ou seja, “do conteúdo daquilo que será difundido, através de diferentes canais”. Considera essa uma abordagem “’de cima para baixo’, em que o coordenador diz às pessoas o que deve ser feito”. Esse tipo de comunicação, segundo a pesquisadora, tem por base “a ideia de que basta as pessoas terem informação para que elas alterem seu comportamento, ou seja, a primazia da comunicação é dada ao conteúdo” (RIBEIRO, 2004, p. 82-83).

alcançará a comunicação eficaz. Pontua, ademais: “os objetivos da comunicação devem ser coerentes com as opções de ação escolhidas, pois elas devem influenciar as pessoas, fazendo com que mudem suas atitudes e comportamentos no sentido desejado” (RIBEIRO, 2004, p. 82).

Os dispositivos comunicacionais empregados para concretizar as opções de ação selecionadas podem influir profundamente sobre os resultados esperados. Um primeiro olhar sobre os instrumentos eficazes para divulgação da ação ambiental proativa conduz-nos quase que de imediato ao emprego dos recursos televisivos. Ribeiro, apoiada em material de curso realizado na década de 1990, em Genebra, na Académie Internationale d’Environment (AIE)18, nota que diversas investigações atestam a televisão como a fonte mais importante de informação ambiental:

Inúmeras pesquisas têm indicado que a televisão é a principal fonte de informação em matéria de meio ambiente para a maioria das pessoas, mas que o nível de informação ambiental ainda é baixo na maior parte das comunidades. (...) pesquisas também mostram que geralmente o espectador esquece de 93% a 95% do que ele viu na televisão, depois de algumas horas (...). Indicam, também, que as pessoas instruídas tendem a usar menos a televisão como fonte de informação ambiental que as pessoas com nível de instrução mais baixo. As pessoas com maior escolaridade tendem até mesmo a rejeitar a televisão como fonte confiável de informação, preferindo a imprensa escrita como fonte com credibilidade para informação científica sobre o meio ambiente. (RIBEIRO, 2004, p. 89)

Ribeiro procura organizar e classificar os dispositivos de comunicação ambiental, fornecendo-nos um quadro geral dos canais disponíveis, que não têm, naturalmente, o mesmo peso, mas compõem um panorama a partir do qual se pode promover − caso se deseje − uma análise da efetividade/eficácia de cada modalidade comunicativa. Desse último aspecto, no entanto, não nos ocuparemos no presente texto, por ser outro o objetivo do capítulo.

Pretendemos, no momento, somente observar a disponibilidade, apontada pela autora, tanto dos canais de comunicação de massa (jornais diários, jornais comerciais, televisão, rádio, revistas, cinema) quanto dos canais que ela lista como alternativos, separando-os em: a) impressos: cartas, adesivos, bandeirolas, faixas, panfletos e cartilhas, boletins, relatórios, revistas especializadas, camisetas, distintivos, bonés, cadernos de colorir, material pedagógico em geral, poemas, guia de informações, publicações locais; b) audiovisuais: exposições, canções, vídeos e diapositivos, filmes documentários, pôsteres, fotos, cartazes, anúncios públicos; c) interativos: apresentações, visitas de campo, organização de competições, face a face (vizinho a vizinho etc), reuniões públicas, telefonemas, teatro de fantoches, mesas-

redondas, conferências, demonstrações, passeatas, internet, visitas, debates públicos, conferências com a imprensa, simpósios em faculdades, animação (em lugares públicos), dias especiais (p. ex. Dia Mundial do Meio Ambiente), atividades em igrejas, competições na comunidade (p. ex.: jardim mais bonito...), recompensas, participação em eventos já existentes, clube de jovens, paradas e programas religiosos (RIBEIRO, 2004, p. 88).

A pesquisadora apresenta, como podemos observar, cinquenta e quatro possibilidades dialógicas. Quaisquer que sejam, entretanto, as formas de comunicação ambiental disponibilizadas ao cidadão hoje, cientes delas, haveremos de refletir continuamente sobre o valor da palavra como dispositivo magno, capaz de gerar a multiplicidade de representações que conduzirão ou não a uma postura proativa do indivíduo em plano glocal. Dedicamos, então, o próximo capítulo a estudos concernentes a esse prisma.

Capítulo 3 - Da palavra e da conversação como dispositivos da (na) comunicação