• Nenhum resultado encontrado

4 ARTE E CIÊNCIA

4.1 Comunicação e Música

Dentre as artes, ressalta-se a música que também vem se mostrando sempre presente neste contexto da divulgação científica, sendo um elemento fundamental na composição de exposições científicas e de centros e museus de ciências (Francisca, 2001; E. Hamburger, 2001; Mascarenhas, 2001; Cazelli e cols., 2002; Stocklmayer, 2002; Bauer, 2003). A música parece adequada e pertinente nestes espaços por apresentar algumas características determinantes, principalmente no que se refere aos aspectos comunicativo, social e representativo.

É no âmbito da comunicação não-verbal que a música está inserida e pode ser concebida como linguagem. Embora não tenha um conteúdo objetivamente decifrável e denotativo, a música apresenta um conteúdo e é capaz de comunicá-lo (Magnani, 1996; Queiroz, 2001, Sampaio, 2002). No que se refere ao significado veiculado pela linguagem musical, encontra-se três teorias bem distintas entre si. A teoria Formalista, entendendo que a música basta a si mesma e a experiência musical é puramente intelectual; a teoria Referencialista, onde a relação entre a música e seu compositor ou executante é carregada de significados, e não o produto musical em si; e a teoria Expressionista, cuja visão considera a partilha dos trabalhos artísticos análoga às relações sociais estabelecidas pelo indivíduo no meio em que vive. (Sampaio, 2002).

Não se atendo à polêmica corrente entre os teóricos da Estética, entende-se que a música tem regras para a combinação de seus diversos elementos, preenchendo determinadas qualidades que caracterizam a linguagem, como elementos morfológicos, sintaxe sonora e fraseologia musical entre outros, por exemplo, apontados por Magnani (1996). É preciso deixar claro, entretanto, que a linguagem musical, apesar de possuir certas analogias, não pode substituir ou ser comparada literalmente à linguagem verbal. Por ser uma linguagem não objetiva ou não referencial, a música não pode ser traduzida como na linguagem verbal, mas nem por isso perde sua capacidade de representação, simbolização e comunicação.

Sekeff (1998) aborda a música por um prisma intersemiótico, justificando que a música é, entre outras coisas, uma forma de se representar e de nos relacionarmos com o mundo. A autora caracteriza a música como uma experiência fenomenológica e triádica (fazendo uma analogia às categorias do pensamento e da natureza de Peirce):

“porque a música possibilita diferentes leituras, seja em nível fisiológico, psicológico, estético, plástico e/ou cênico; porque a música permite concretizar os

sentimentos numa forma que a consciência capta de maneira mais global e abrangente que a linguagem verbal (...); porque ela permite leitura plástica e poética, expressiva e metalingüística” (Sekeff, 1998, p. 54).

De um modo geral, semiótica é a ciência que estuda todos os signos, seus modos de significação, de denotação e de informação, englobando signos verbais e não-verbais (Santaella, 1998). Para os semioticistas, portanto, a música se caracteriza como um sistema de signos, uma linguagem e, ainda, uma forma de comportamento. Charles Sanders Peirce (1839-1914) concebeu uma filosofia científica da linguagem, fundamentado nos princípios da fenomenologia e em suas categorias, chamadas triádicas. Estas categorias são comuns a toda e qualquer experiência fenomenológica, quais sejam: primeiridade, secundidade e terceiridade.

A primeiridade está relacionada ao nível do sensível, no caso da música, é a experiência global da materialidade sonora, a sensação auditiva. A secundidade dá a experiência um caráter factual, sendo o movimento seguinte ao puro sentir e anterior ao pensamento articulado. A terceiridade corresponde à esfera cognitiva, à síntese intelectual por meio da qual representa-se e interpreta-se o mundo, é a captação da estrutura musical (Sekeff, 1998).

A leitura semiótica feita pela autora entende que a música emprega, na sua construção, características comuns a outras linguagens tais como as catalogadas por Freud: condensação, emprego do mesmo material e duplo sentido. Especifica a linguagem musical por possuir uma função poética e pontua a ocorrência do paralelismo, ou correspondência entre as artes, pois forma, estrutura, ritmo e movimento são categorias comuns a diferentes linguagens. Conclui que uma semiótica da música mostra-se importante por ser um “processo formativo que auxilia o homem a desenvolver sentidos e significados, propondo novas maneiras de sentir e pensar” (Sekeff, 1998, p. 56).

Assim como a história do conhecimento e a evolução do pensamento humano, ou melhor, como a conseqüente expressão deste desenvolvimento, percebe-se um desenvolvimento na história da música. Os gregos demonstram sua sensibilidade característica com o foco na simplicidade, ordem e organização democrática na sua arte, com a utilização dos ethos, por exemplo, onde cada modo musical possuía um sentimento determinado a ser comunicado. Na Idade Média, regida pelos princípios do teocentrismo, a música surge com a função de exaltar as coisas de Deus; toda música feita fora da Igreja é considerada da periferia pagã. Com as revoluções da Idade Moderna, a dualidade mente- corpo e o crescente culto à razão, a música mostra uma maior preocupação com a estética

enquanto forma, a valorização da formação musical formal e o virtuosismo. Já a Idade Contemporânea vem com a proposta de quebrar toda e qualquer forma, sendo necessário incluir ruído e silêncio numa concepção mais ampla de música (Magnani, 1996; Queiroz, 2001).

Como se pode notar, a função comunicativa da música está intrinsecamente relacionada ao seu aspecto social, sendo necessário sempre considerar uma relação sistemática entre ela e o contexto social que a produz e a recebe. “Os sons são condicionados por seus contextos sociais e por isso são marcados por eles. Neste sentido, podemos considerar os sons como um meio de representação” (Bauer, 2003). Bauer (2003) traz a música e os sons como um meio de representação simbólica e uma fonte útil de dados sociais, fazendo uma ressalva no que se refere à pragmática da música, pois os elementos musicais apresentam um sentido que não está ligado a um referente único. O autor afirma ainda que o sentido conotativo da música é proveniente de imagens e associações que são idiossincráticas e podem ser partilhadas por um grupo social.

Assim como as artes num geral, a música também pode ser estudada enquanto sua função representativa, sob a perspectiva das representações sociais. A música, entendida como fenômeno de comunicação social, diz respeito às trocas de mensagens lingüísticas e não lingüísticas entre indivíduos e grupos. Desta forma, objetos musicais podem ser entendidos como objetos sociais e, conseqüentemente, são também objetos de representações sociais (Duarte, 2002; Duarte & Mazzotti, 2003). A Teoria das Representações Sociais é pertinente neste contexto por ser uma teoria integrativa capaz de explicar processos de criação e apreciação artísticas agregando aspectos históricos, sociais e culturais com processos psicológicos individuais.

Duarte e Mazzotti (2003) afirmam que os processos formadores de representação social, a objetivação e a ancoragem, coincidem com ou abarcam o processo de significação musical. O processo de objetivação pode ser identificado na criação de objetos musicais, onde há uma seleção de elementos sonoros (coincidentes com o sentido que o criador quer dar ao som), uma descontextualização, com o objeto musical adquirindo valor e significado para o que o (re)cria (o que explica o porquê do mesmo objeto musical poder ser percebido/representado de diferentes maneiras) e é finalmente não mais tratado como símbolo, mas como “coisa”, entendido como um reflexo da realidade. O processo da ancoragem acontece na criação musical quando tanto criador quanto apreciador determinam o produto, o objeto e suas referências a uma categoria estabelecida, mesmo em ocasiões que seja necessário modificar idéias prévias para conceber um novo objeto. “Pela

Abordagem das Representações Sociais, a música deixa de se por em si e por si diante de nós ou pela imediatez de seu sentido ou significado ou por ter sido posta de determinada forma ao longo da história” (Duarte & Mazzotti, 2003, p. 1294).