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4 ARTE E CIÊNCIA

4.2 Contextos Musicais

Por possuir tais características, anteriormente abordadas, e por estar intrinsecamente relacionada ao ser humano, seja no pensar, seja no sentir, seja no agir, a música está presente em diferentes contextos sociais e da vida como um todo. O compositor e educador musical Schafer (1991), entendendo que as definições de música mais restritas são atualmente inaceitáveis, utiliza a expressão paisagem sonora para designar todo e qualquer ambiente acústico, não importando sua natureza. O autor aponta que o estudo da paisagem sonora de diferentes períodos da história pode indicar o contexto social vivido em determinada época, é uma fonte importante de informações.

“(...) quando havia poucas pessoas e elas levavam uma existência pastoril, os sons da natureza pareciam predominar: ventos, água, aves, animais, trovões. As pessoas usavam seus ouvidos para decifrar os presságios sonoros da natureza. Mais tarde, na paisagem urbana, as vozes das pessoas, seu riso e o som de suas atividades artesanais pareceram assumir o primeiro plano. Ainda mais tarde, depois da Revolução Industrial, os sons mecânicos abafaram tanto os sons humanos quanto os naturais, com seu onipresente zunido” (Schafer, 1991, p. 128).

Desta forma, pode-se dizer que a paisagem sonora das culturas ditas Primitivas era composta quase em sua totalidade por sons naturais, alguns sons humanos e um mínimo de sons de utensílios tecnológicos. As culturas Medieval, Renascentista e Pré-Industrial possuíam uma paisagem sonora melhor distribuída nestas categorias, com uma ênfase maior nos sons humanos. Já as culturas Pós-Industriais concentram sua paisagem sonora nos sons de utensílios e tecnologia, mantendo alguns sons humanos e restringindo a um mínimo de sons naturais.

Além disso, a dimensão sonora da intensidade, ou seja, o volume dos sons, também sofreu grandes transformações, sendo que após a Revolução Industrial a poluição sonora passa a existir como um problema real. Com o advento de máquinas e da tecnologia em geral, o ambiente sonoro do mundo moderno vem se tornando mais barulhento e ameaçador, com uma intensidade que cresce continuamente. O homem moderno está

ficando gradualmente surdo e a poluição sonora é um dos grandes problemas da vida contemporânea.

Schafer (1991) fala ainda que a paisagem sonora condiciona a percepção em geral, por meio de percepções específicas no campo auditivo. Uma história da percepção auditiva é sugerida para mostrar como diferentes períodos ou culturas musicais “escutam” de forma diferente. É preciso dirigir os ouvidos para a paisagem sonora que a vida apresenta e familiarizar-se com um vocabulário de sons que se pode esperar ouvir.

Faz-se necessário, então, relativizar o conceito de silêncio e ampliar a idéia de ruído. O autor declara que o mito do silêncio foi desacreditado e que, no contexto atual, quando se fala em silêncio não está sendo feita uma relação com o chamado silêncio absoluto ou físico, mas meramente “a ausência de sons musicais tradicionais” (Schafer, 1991, p. 132). No mundo atual, “o som dos motores é marcado (...) pela continuidade: duração, timbre, ritmo soam ininterruptamente” (Valente e Nunes, 1998, p. 178), ou seja, estes sons já estão incorporados na paisagem sonora atual. Schafer (1991) busca ajuda dos engenheiros da comunicação para ampliar o conceito de ruído, uma vez que “sons não- estruturados” podem fazer parte de um contexto musical. “Quando alguém está transmitindo uma mensagem, qualquer som ou interferência que prejudique sua transmissão e recepção corretas é classificado como ruído. Ruído é qualquer som indesejado” (Schafer, 1991, p. 138).

A paisagem sonora contemporânea está repleta de ruídos, apresentando-se como sons dominantes os sons dos motores, que são de baixa informação e altamente redundantes. A despeito da intensidade das vozes dos motores, suas mensagens são repetitivas, formando um pedal sonoro, uma linha contínua de som que os ouvidos se acostumam a ouvir sem muita diferenciação. O autor entende, portanto, que a paisagem sonora do mundo é uma enorme composição macrocósmica, onde o homem é seu principal criador, tendo o poder de fazê-la mais ou menos bela.

Nos últimos anos a informática também se mostrou como uma ferramenta possível para a composição musical, com a inclusão de sons eletrônicos. “O compositor da era de informática tem à sua mão uma nova orquestra cibernética, verdadeira caixa de Pandora acústica: o sampler e outros equipamentos eletrônicos lhe permitem a criação, em estúdio, de todas as paisagens sonoras, de todos os rios e mares que um dia soaram na imaginação de Beethoven, de Smetana, de Strauss, de Villa-Lobos, de Debussy” (Valente e Nunes, 1998, p. 180).

Embora existam diferentes culturas e sociedades, parece haver uma propensão à sincronicidade de seus ritmos e, na contemporaneidade, a mídia desempenha fortemente este papel, “de modo a estabelecer padrões simbólicos para o tempo/espaço, recriando e formatando memória(s)” (Valente e Nunes, 1998, p. 181). A trilha sonora publicitária é reconhecida por seu elevado potencial como fenômeno de linguagem, um processo criativo musical inserido no contexto da publicidade.

A trilha sonora integra a música a outras linguagens, como as visuais, e tem seu foco na divulgação de uma mensagem. Esta mensagem, porém não diz respeito a um conteúdo científico específico, como acontece na disseminação da ciência, mas a um produto, marca e/ou serviço. “Aberta à colagem de significados que não lhe pertencem, a música, quando integrada a outras linguagens, deixa de ser ‘música pura’ e passa a assumir uma função descritiva. Associações por similaridade trazem à baila objetos de desejo” (Tomás, 1998, p.9). Uma vez fazendo parte do contexto publicitário, a música atende aos seus objetivos, tornando-se veículo do anúncio de um produto e incentivando o desejo pelo mesmo de forma abrangente, pela característica da publicidade ser uma linguagem de massa.

Dependendo do objetivo da trilha publicitária, a música estará desempenhando um papel de figura ou de fundo sonoros, dialogando com as imagens e a locução da peça publicitária (Bigal, 1998). Este recurso utilizado na trilha permite alterar o foco de atenção do público, dando movimento às linguagens utilizadas.

Outro recurso muito utilizado neste contexto é a sonoplastia, ou seja, efeitos sonoros que ilustram, complementam ou redundam o texto e/ou a imagem. Para “quebrar” a repetitividade e a redundância características de uma trilha publicitária, Bigal (1998) propõe uma interatividade entre a sonoplastia e o ruído, tomando ruído segundo a teoria da informação, como um distúrbio ou uma desordem no sistema de comunicação. “Finalmente propomos um diálogo aberto entre esses dois elementos, buscando, como resultante, um efeito sonoro ou uma sonoplastia mais ruidosa, capaz de gerar um certo distúrbio ou uma certa desordem que garanta a redução da taxa de redundância do sistema de comunicação midiático” (Bigal, 1998, p. 72). O conceito de ruído aqui utilizado está de acordo com o mencionado anteriormente segundo Schafer (1991) – “ruído é qualquer som indesejado” – e o proposto por Wisnik (1999) que o entende como um elemento criativo, um “desorganizador de mensagens cristalizadas” e “provocador de novas linguagens”. O ruído, como já apresentado, é parte integrante da paisagem sonora moderna. Pode ser visto ao mesmo tempo como estranho e familiar, e por esta característica vem sendo utilizado na

música em diferentes contextos (música descritiva, trilha sonora, música eletrônica, só para citar alguns exemplos já mencionados).

Desta forma, a música permeia todo o universo sonoro no qual o homem está constantemente inserido, transformando-o e sendo transformado por ele. É utilizada para a função da divulgação de mensagens, através das trilhas sonoras de filmes e publicitárias, por exemplo. Percebe-se ainda uma outra possibilidade de utilização da música com esta função específica: o contexto da divulgação científica.

Fazendo-se um pequeno levantamento em algumas publicações sobre centros e museus de ciência (“Educação para ciências: Curso para treinamento em centros e museus de ciências”, 2001; “Ciência e público: Caminhos da divulgação científica no Brasil”, 2002; “Implantação de centros e museus de ciências”, 2002), constata-se a presença freqüente da música de diversas formas. Autores como Pavão e cols. (2001, Espaço Ciência – SP), Bonatto (2002, Museu da Vida – RJ), Mir (2002, Sai Tech - USA), Friedman & Marshall (2002, Ney York Hall of Science - USA), tratam mais do aspecto sonoro elementar, utilizando objetos sonoros interativos ou abordando um caráter mais acústico. Outros como Francisca (2001, Casa da Ciência – RJ), Mascarenhas (2001, Instituto de Estudo Avançados - SP), Cazelli e cols. (2002, Museu de Astronomia e Ciência Afins – RJ), Francisca e Azevedo (2002, Casa da Ciência – RJ), Stocklmayer (2002, The National Center for the Public Awareness of Science – Austrália), falam da música propriamente dita inserida numa exposição científica, referindo-se à música em si ou à sua utilização num contexto específico. E. Hamburger (2001, Instituo de Física e Estação Ciência - SP) aborda, ainda, a música como uma das possibilidades de mídia voltada à popularização da ciência.

Por estas pesquisas acima citadas pode-se perceber que a música está inserida nos museus e centros de ciência com a função de “criar um clima” ou como uma estratégia de comunicação da informação que se deseja transmitir. Raramente encontra-se a singularidade da linguagem musical, que está freqüentemente em diálogo com outras linguagens.

A música interfere nas outras linguagens presentes numa exposição científica e faz- se necessário uma “sensibilidade integradora”, utilizando a expressão de Ferreira (1998), por parte do organizador para que se forme uma unidade, encontrando-se uma “nova linguagem”. A autora afirma que “há muito mais alcance do que se pode pensar na relação do som com o sentido e a visualidade” (Ferreira, 1998, p. 96), referindo-se a interação

entre estes elementos que, ao mesmo tempo, completam-se e desfazem condições pré- concebidas, abrindo caminho para o aprendizado de um novo conhecimento.