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3 PARADIGMAS DE MEIO AMBIENTE

3.2 Música e Meio Ambiente

Meio ambiente e Natureza são temas complexos que não são estudados exclusivamente à luz da ciência. Beaude (1990) argumenta que a história da idéia de natureza é, na realidade, uma história da percepção. Faz-se necessário, pois, recorrer simultaneamente às esferas da ciência, da arte, da moral e até das instituições sociais para apreender a representação de mundo e de natureza, uma vez que cada uma destas esferas constitui apenas uma expressão desta complexa representação.

14 Tradução do autor: “five hypothesized facets of an ecological worldview”.

15 Tradução do autor: “the reality of limits to growth, antianthropocentrism, the fragility of nature's balance,

Lenoble (1990) alerta para o fato de que “a natureza não é exclusivamente o campo do sábio. Ela fala igualmente ao poeta e ao artista. Ao moralista e ao teólogo apresenta-se ora como inimiga (há que resistir-lhe), ora como auxiliar (é a glória de Deus), ou então como regra suprema” (p. 28). Para o autor, a natureza é rica em valores de toda a espécie e a ciência é apenas um destes valores que não é isolado dos outros, agindo sobre eles e sendo também alvo de suas ações. A natureza, enquanto pensamento dos homens é uma construção não arbitrária, que sofre influência dos desejos, paixões e tendências bem como das reflexões destes homens.

As artes, e mais especificamente a música, por serem exatamente um meio de expressão do ser humano, trazem também, intrínseca a sua história, representações de meio ambiente e natureza. Autores da área da Música (Fregtman, 1994; Magnani, 1996; Wisnik, 1999, só para citar alguns) costumam atrelar a natureza ao próprio conceito de música, além de ressaltar esta relação tanto na estrutura musical quanto em sua temática corrente.

Fregtman (1994) fala da música como um fenômeno tão arraigado no ser humano desde suas origens que impregna todos os espaços das ações humanas, incluindo aspectos da filosofia da natureza, da ecologia e da própria ciência. A música é concebida como expressão do meio ambiente tanto no âmbito micro, do ser humano e de suas ações, quanto no macrocósmico, como “uma expressão da harmonia do Universo” (p. 101).

Wisnik (1999), discorrendo largamente sobre a estrutura musical, aponta que diversas relações existentes nestes componentes musicais (ritmo e altura, citando apenas dois) são igualmente encontradas na natureza, como as relações pitagóricas. Estas relações revelam o caráter numérico e harmônico das formações de alturas sonoras, a escala musical, que seriam as mesmas relações entre os astros do cosmo. A música é um exercício que visa entrar em comunhão com o ritmo desta ordem universal, “englobando numa ‘sociedade única’ os homens e a natureza” (p.227).

Esta relação entre ser humano e natureza é retratada através da música “não pelo imediatismo da comunicação, mas pelos valores culturais que [a música] transporta e sublima” (Magnani, 1996, p. 306). Magnani (1996) fala deste aspecto cultural da música que para ele não pode satisfazer-se com a solicitação estética imediata, mas deve integrá-la num contexto de valores culturais que sempre representam um momento histórico e uma fase do eterno movimento da vida.

Estes momentos históricos onde o meio ambiente é temática musical, e das artes em geral, acompanham as variações de representações que se desenvolvem ao longo dos anos. No século XVIII, onde se reivindica a liberdade em nome da natureza, as artes estão

focadas nas técnicas de utilização desta natureza. A modernidade, que traz as fábricas e as máquinas a um contato mais próximo do homem, é refletida na utilização de ruídos incorporados à música (Lenoble, 1990; Wisnik, 1999).

Mas, de um modo geral, natureza e meio ambiente estão sempre presentes na expressão musical, através de diferentes compositores. O canto dos pássaros, por exemplo, pode ser escutado em Les oiseaux de Jannequin, em As estações de Vivaldi, pela voz de soprano-coloratura em Vozes da primavera de Strauss e pela fricção do arco no estandarte dos violinos em El amanecer de Firpo (Valente & Nunes, 1998). A água é outro elemento natural muito utilizado como tema pelos compositores. “Água é sinal de vida: é o elemento em maior quantidade no corpo humano e no planeta. A água é, pois, um signo irresistível” (Valente & Nunes, 1998, p. 162). O Moldava de Smetana acompanha o curso de um rio na evolução dos instrumentos da orquestra, Danúbio azul de Strauss busca uma similaridade entre o rio Danúbio e o estilo da valsa. Estas obras são exemplos da chamada música descritiva, que aborda freqüentemente a paisagem natural de determinada cidade e/ou o meio ambiente de certo compositor.

A música se apresenta, ainda, como uma linguagem de fundamental importância para movimentos ambientalistas nacionais e internacionais. Segundo Soares (2003), o termo ambientalismo “faz referência ao modo de proceder e de pensar que ressalta o que acontece no ambiente de vida, considerando que o ser humano vive em dois ambientes cada vez mais co-dependentes: a natureza e a cultura” (p. 34). O autor esclarece que todas as instituições e “setores” da sociedade (ou “setores” da cultura), tais como a escola, a religião, a ciência, os movimentos sociais e a arte, respondem a estas idéias.

Desta forma, encontra-se o movimento hippie, que traz uma compreensão das relações entre os seres naturais como um ecossistema, apontando para uma cadeia que “vincula a sobrevivência dos seres e a identificação das criaturas com seus ambientes” (p. 28). Neste contexto internacional é importante ainda mencionar o “Woodstock Music Festival”, que aconteceu no ano de 1969, nos Estados Unidos, mas teve repercussão por diversos países do mundo, sendo re-editado posteriormente em países da Europa e das Américas do Norte e do Sul. O objetivo deste festival de música está relacionado à celebração de temas como a paz, o amor e o meio ambiente, sendo expandido em edições posteriores para englobar outras formas de artes além da música (Art Business News, 1999).

No Brasil podemos destacar o Tropicalismo, movimento musical surgido entre os anos 60 e 70, inspirado nas idéias de liberdade do movimento hippie norte americano, a

despeito da ditadura militar vivida aqui. “A geração tropicalista viveu a transição da democracia populista para o autoritarismo militar com perplexidade e angústia, usando o deboche e a paródia como armas contra sua impotência” (Pimentel, 2001, p. 44). Através de letras com abordagem política e da tecnologia das guitarras elétricas, o tropicalismo nem se submete à moral rígida do Estado nem à moral rígida da esquerda organizada, mas resgata idéias do Modernismo dos anos vinte e associa-se a chamada Contracultura16, buscando o múltiplo e o plural numa reação à pretensão do Estado de formar indivíduos homogeneizados (Motta, 2001; Pimentel, 2001).

16 “Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial. No sentido universitário do

termo é uma anticultura. Obedece a instintos desclassificados nos quadros acadêmicos” (Pereira, 1985, apud Pimentel, 2001).