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Comunidades de Aprendizagem: ação social e educativa como extensão universitária

Interfaces de uma proposta emancipadora

1. Comunidades de Aprendizagem: ação social e educativa como extensão universitária

Elboj, Puigdellívol, Soler e Valls (2003) explicam que uma

Comunida-de Comunida-de Aprendizagem implica uma transformação social e cultural na escola

e no entorno porque demanda mudança de hábitos e atitudes das famí

-lias, profissionais da educação (incluindo-se professores e professoras),

alunos e alunas e de toda a comunidade, em torno da idéia de construir uma escola onde todos aprendam. Na escola, tal transformação envolve a participação dos diferentes agentes educativos (profissionais, familiares, voluntariado), por meio de diálogo igualitário, em busca de construção de consensos. O importante é que o diálogo procure as formas de superar os obstáculos à aprendizagem. Promover mudanças sociais e culturais no entorno no qual se insere a escola e nas suas relações com a instituição

é, igualmente, de fundamental importância, já que no atual contexto a

aprendizagem não depende apenas do que ocorre em aula, mas também do que ocorre em casa, na rua, ao que veiculam os meios de comunicação. Informação e formação advêm de diferentes locais, fazendo desaparecer

as fronteiras entre o interior e o exterior da escola, que deixa de existir

enquanto espaço fechado.

Participação, centralidade da aprendizagem, expectativas positivas e

progresso permanente fazem parte da orientação pedagógica do projeto.

Não se tratam de orientações de uma didática concreta, mas mais de ba

Gomes Bento, Celso Luiz Aparecido Conti, Maria Cecília Luiz, Claudia R. Reyes

crianças e entre jovens, para que ninguém seja excluído da Sociedade da Informação, na qual a principal exigência são a seleção e o uso da

infor-mação, para além do acesso a ela. A concretização dessa orientação se

dá no decorrer do desenvolvimento do projeto (MELLO, 2002). A trans

-formação de uma escola em uma Comunidade de Aprendizagem envolve duas grandes etapas: o processo de ingresso no projeto e o processo de sua consolidação.

Nos anos de 2001 e 2002, com financiamento da FAPESP, Mello (2002) realizou seu pós-doutoramento junto ao CREA/UB, dedicando-se ao estudo do projeto. Em 2002, ao retornar ao Brasil, criou o Núcleo de

Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE), que coordena. O NIASE/ UFSCar difunde e acompanha o projeto Comunidades de Aprendizagem

desde 2003, na cidade de São Carlos. São atualmente três escolas mu

-nicipais de ensino fundamental que se transformaram em Comunidades de Aprendizagem (duas atendem apenas às cinco séries iniciais do ensino

fundamental e outra atende a todos os ciclos deste grau de ensino).

(BRA-GA, 2007; MELLO, 2003).

A “Escola 1” transformou-se em Comunidades de Aprendizagem no final de 2003. Trata-se de escola de bairro periférico antigo, que conta

com população de trabalhadores estáveis. Tal característica parece fa

-vorecer a participação de familiares na vida da escola. É considerada a melhor escola municipal da cidade. A busca pelo projeto se deu sob o

argumento de que sempre se pode estar melhor; além disso, fazia-se

re-ferência a certa hostilidade dos estudantes de zona urbana para com os de zona rural atendidos pela escola.

A “Escola 2” ingressou no projeto no final de 2005 e início de 2006.

Está localizada num dos bairros mais empobrecidos e violentos da cidade.

Tem apresentado, no decorrer dos anos, baixo índice de aprendizagem por

parte dos estudantes. Convivência conflituosa entre as crianças e distan

-ciamento dos familiares foram motivos alegados pela direção, ao buscar

o NIASE para conhecer o projeto – no ano de 2005, dos 272 alunos fre-qüentes no ensino regular de 1ª. a 4ª. séries, 74,6% foram promovidos, 19,8% retidos e 5,5% evadidos; havia, ainda, 26 crianças e adolescentes multi-repetentes. A escola conta com uma sala de educação de pessoas

jovens e adultas (EJA), termos I e II no período noturno.

A “Escola 3” transformou-se em Comunidade de Aprendizagem, em 2006; atende a estudantes de 6 anos até a 8ª. série regular, bem como

a EJA em ensino fundamental. O principal motivo de procura pelo proje

clientela que freqüenta a escola e a ruptura de passagem das séries ini -ciais para as séries finais do ensino fundamental. Também foi expressa a

preocupação de o professorado de cada um dos turnos de aula não se re

-lacionarem bem com os dos demais turnos, dando-se a impressão, muitas vezes, de se tratarem de três instituições diferentes. Também há a queixa

do professorado de haver cisão entre os profissionais que atuam nos três turnos de aula (manhã, tarde e noite).

Cada uma dessas escolas vem seguindo, na implantação do projeto, a dinâmica desenvolvida pelo CREA, ou seja, os profissionais das escolas

têm de assumir o projeto, por escolha própria, passando-se então à

con-sulta aos familiares dos estudantes, que deverão fazer o mesmo. Aprovado

pelos diferentes agentes educacionais daquele contexto, só então o projeto é colocado em andamento, constituindo-se no projeto político-pedagógico

da escola, como forma de organizar as relações e aprendizagens. Partici

-pação, centralidade da aprendizagem, expectativas positivas e progresso

permanente fazem parte da orientação pedagógica do projeto. A parti

-cipação da comunidade se dá por meio de comissão gestora, comissões

mistas, formação de familiares e de pessoas do entorno, e presença de fa

-miliares e pessoas do entorno em espaços de convivência e aprendizagem

na escola (sala de aula, biblioteca etc.). As práticas dialógicas são inten

-sificadas junto às crianças, aos jovens e aos adultos (grupos interativos, biblioteca tutorada, grupos intergeracionais, aulas abertas, etc.). Articular as diversas pessoas e as diferentes fontes de acesso à informação e ao

conhecimento é algo buscado por todos e todas em conjunto,

incluindo-se acesso a novas tecnologias de comunicação e informação. Familiares, comunidade de entorno e colaboradores na escola aportam com força a

presença da diversidade como valor e como ferramenta para criar alterna

-tivas que a escola, fechada em si mesma, não conseguiria construir.

O projeto tem se configurado como uma alternativa que oferece ca

-minhos para estimular a participação da comunidade de entorno e das

famílias, tanto na gestão da escola como na busca de soluções, para in

-tensificar a aprendizagem do alunado, num ambiente onde a diversidade

é vista como positiva e necessária. Trata-se de construção da escola por

meio da cidadania ativa.

O conceito de aprendizagem dialógica (FLECHA, 1997) é central

no projeto, envolvendo os princípios de diálogo igualitário, inteligência

cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, soli

-dariedade e igualdade de diferenças.

ar-Gomes Bento, Celso Luiz Aparecido Conti, Maria Cecília Luiz, Claudia R. Reyes

ticulação de elementos que possam transformar obstáculos e potencializar vias positivas já presentes na escolaridade. As bases teóricas do projeto

tratam a escola de maneira vinculada ao contexto social e cultural mais amplo, bem como ao contexto local mais imediato.

Os membros do NIASE, no Brasil, têm sido responsáveis pela

divul-gação semestral do projeto de ação social e educativa, junto a gestores e professorado da educação básica. Por meio de palestras, conferências, rodas de conversa, docentes e estudantes universitários apresentam o

Comunidades de Aprendizagem. Quando há interesse por parte de algu

-ma instituição em aprofundar o conhecimento sobre o projeto, a equipe se dedica a encontros de formação, com carga horária de 30 horas, para que gestores, professorado e familiares de determinada unidade escolar

possam conhecer as implicações da transformação da escola em uma Co

-munidade de Aprendizagem, para, então, poder fazer sua escolha.

Antes do curso de formação, a equipe do NIASE se dedica ao estudo

da realidade da instituição que receberá o grupo, levantando suas carac

-terísticas, suas necessidades, suas potencialidades, por meio de análise documental, de entrevistas com pessoas dos diferentes segmentos que compõem a escola e seu entorno, bem como o resultado do desempenho

dos estudantes em exames nacionais. Em conjunto, docentes e estudantes

universitários preparam a formação em Comunidades de Aprendizagem já indicando as principais mudanças a fazer na instituição.

Caso os diferentes segmentos aprovem a transformação da esco

-la em Comunidades de Aprendizagem, todo o processo de ingresso no projeto, como o de sua consolidação, é acompanhado por membros do

NIASE. Passam a estar semanalmente na escola estudantes universitá

-rios de graduação, bolsistas da pró-reitoria de extensão da Universidade Federal de São Carlos, além de estudantes de pós-graduação, que

acom-panham voluntariamente o processo, ou que investigam aspectos de sua

implantação. Tais estudantes reúnem-se semanalmente com docentes do NIASE, expondo os relatórios de acompanhamento dos processos e

recebendo orientações de como encaminhar o apoio à escola. Como os

docentes universitários pertencem a diferentes departamentos da UFS

-Car e possuem distintas especialidades, os problemas são analisados sob diferentes perspectivas e conhecimentos, possibilitando a construção de novos conhecimentos teóricos e práticos, de maneira transversal. Tais conhecimentos geram não apenas alternativas inusitadas para a ação da

escola, como redimensionam e enriquecem os conhecimentos dos docen

Porém, tais conhecimentos gerados retornam às escolas como

orientações a serem analisadas e refeitas a partir dos conhecimentos con

-textuais dos profissionais, familiares e estudantes da unidade escolar. O

conhecimento assim transformado volta aos docentes e aos estudantes

universitários, num ciclo permanente de diálogo entre sujeitos, contextos

e conhecimentos.