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CAPÍTULO 2 A CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES

2.2 A Ciência e o seu insumo básico: a informação científica

2.2.2 Comunidades Científicas

Para um melhor entendimento do que vem a ser comunidades científicas, é importante, primeiramente, entender o que é uma comunidade. Hillery (1955) examinou noventa e quatro definições de comunidade e identificou que, em sua maioria, continham três pontos coincidentes, a saber:

1. a partilha de um espaço físico; 2. as relações e laços comuns; e 3. a interação social.

Percebe-se, contudo, que as definições relacionadas ao compartilhamento de um espaço físico deixam de ter sentido quando, por exemplo, se fala das comunidades virtuais, ou melhor, das comunidades criadas no ambiente de rede. Isso porque pessoas com idéias e pensamentos comuns, situadas em diferentes pontos do globo, podem interagir, criando, por conseguinte, comunidades. Para essa interação, basta que os indivíduos tenham acesso a computadores conectados à rede.

É nesse sentido que Durham (1986) esclarece que o termo comunidade não deve ser associado unicamente com a idéia de lugar, mas com a de um processo interativo. Sendo assim, Rappaport (1977) define comunidade como um grupo social que compartilha características e interesses comuns e é percepcionado ou se percepciona como distinto em relação a alguns aspectos da sociedade em geral na qual está inserido.

No contexto particular das Ciências, nota-se que os cientistas realizam suas atividades de pesquisa como membros de uma comunidade. Compartilham métodos, problemas, padrões, regras e valores comuns. Caracterizam-se, portanto, como um grupo social (LE COADIC, 2004) e estão unidos pela prática da Ciência. É por meio da troca de informações entre eles que é possível promover o bem dessa Ciência. Como elucidado por Le Coadic (op.cit.), a essência da pesquisa científica fundamenta-se em construir conhecimento com a colaboração dos membros da comunidade de cientistas.

Kneller (1980) define comunidade científica como uma associação de pessoas vinculadas pela comunicação de informações científicas. Na visão de Kuhn (2007), uma comunidade científica é formada pelos praticantes de uma especialidade científica e que, portanto, possuem uma formação teórica comum. Ele diz ainda que há uma circulação abundante de informações no interior desse grupo. Já Machado e Reis (2007) a entendem como um tecido de fluxos e relações sociais no seio das quais se assimila, produz e se propagam conhecimentos.

É importante notar que as comunidades científicas podem ser delineadas em diversos níveis. Sobre isso, Costa (2006a) afirma que em nível mais amplo, o conceito de comunidade científica inclui os pesquisadores, os bibliotecários, os editores, as agências de fomento e todos aqueles que atuam como intermediários da cadeia de comunicação. Já em um nível mais limitado, Costa (2000, p. 88) considera como participantes das comunidades científicas aqueles indivíduos que se dedicam a um determinado tópico de estudo, constituindo, por assim dizer, um grupo de pares que compartilham um problema comum. Mueller (1995), por sua vez, entende que ao se referir à comunidade científica, pode-se estar designando tanto um grupo específico de cientistas quanto a totalidade deles.

Atuando como atores no processo de construção do conhecimento, os pesquisadores, organizados em comunidades científicas, têm peculiaridades que não podem deixar de ser ressaltadas neste estudo. O comportamento dos cientistas, influenciado tanto por suas individualidades como pelos comportamentos característicos de sua área de atuação, tem atraído a atenção, principalmente, dos sociólogos da Ciência. A maneira como ocorrem as interações entre os pesquisadores tem forte repercussão no desempenho da produção e comunicação do conhecimento.

Ziman (1984) observa que a comunidade científica não é organizada formalmente, se comparada, por exemplo, a uma empresa ou a uma organização como o exército: não tem regras escritas, regulamentos ou estatutos que a governem. Em princípio, os cientistas formam uma comunidade, cada um trabalhando como pesquisador ou professor em suas universidades ou laboratórios. Todavia, essa comunidade não pode ser descrita simplesmente como um grupo qualquer de indivíduos. Embora não haja um plano global que permita a sua organização, a comunidade científica é estruturada com base em algumas instituições formais, tais como as sociedades científicas, ou informais, como os colégios invisíveis2.

Ao analisar o funcionamento e a estrutura das comunidades, Merton (1973) considera que os cientistas são regidos por um conjunto de normas e valores ideais, tais como a universalidade, o compartilhamento, a imparcialidade e desapego material e o ceticismo sistemático. Mueller (1995), baseando-se em trabalhos de diversos autores, tece algumas considerações a respeito dessas normas, cuja apresentação é feita a seguir.

2De acordo com Le Coadic (2004), os colégios invisíveis são compostos por grupos de cientistas que estão na

frente de pesquisas, nas posições de vanguarda. Tais cientistas estão vinculados a diferentes instituições e residem, muitas das vezes, em países diversos. Vale dizer que eles formam uma espécie de ‘academia invisível’, de forma que se mantém mutuamente informados sobre suas pesquisas.

 Universalidade: não há fonte privilegiada do saber científico, ou seja, todos os achados científicos devem ser avaliados sob os mesmos critérios objetivos e impessoais.

 Compartilhamento: os resultados científicos se caracterizam como um bem público e, portanto, devem estar disponíveis a todos que deles se interessarem. Os resultados não pertencem ao cientista, mas à humanidade.  Imparcialidade e desapego material: a Ciência deve ser praticada de maneira

impessoal e como um fim em si própria. O desejo pelo avanço da Ciência deveria ser o motivo maior dos cientistas à pesquisa e à publicação de resultados. Ganhos materiais, prestígio ou poder ficariam num segundo plano.

 Ceticismo sistemático: toda contribuição de um cientista deve ser examinada por seus pares.

Percebe-se que a abordagem de Merton (1973) baseia-se numa linha funcionalista e deixa, portanto, de considerar fatores diversos. Ziman (1984) afirma que essas normas definem um padrão de comportamento ideal a que a comunidade científica almeja. Contudo, sabe-se que na prática, nem todas as normas elencadas por Merton são seguidas.

Em contrapartida, existe outra abordagem para tratar do assunto, na qual se tem Pierre Bourdieu como um dos preconizadores. Nessa, entende-se que o universo das Ciências é um campo social como outro qualquer, com suas relações de forças e monopólios, lutas e estratégias, interesses e lucros, mas na qual essas invariantes assumem formas específicas (BOURDIEU, 2003). Ainda de acordo com o autor, o monopólio pela autoridade científica é uma meta almejada constantemente pelos praticantes da Ciência.

De uma forma sintética, Meadows (1999) e Le Coadic (2004) afirmam que as principais motivações dos cientistas para a atividade de pesquisa podem estar relacionadas a duas esferas. A primeira seria aquela que se origina de preocupações de natureza científica, ou seja, o desejo de contribuir com a Ciência e o de ser útil à comunidade. Já a segunda estaria relacionada às preocupações de ordem pessoal, como o interesse intrínseco pela área, a possibilidade de maior remuneração, a forma de ingressar na carreira acadêmica, o prestígio e o sucesso.

Ainda sobre as comunidades científicas, é necessário dizer que o comportamento dos pesquisadores pode variar em virtude da área do conhecimento a qual estejam

vinculados. Assim, parece pertinente e relevante falar sobre as diferenças disciplinares, cujo tópico se segue.