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Piados, 2003.

RIOS, José A. Educação dos grupos. São Paulo: EPU, 1987.

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NOS DIÁLOGOS SOBRE SAÚDE MENTAL

COMUNITÁRIA

Geísa Sombra de Castro* Jon Anderson Machado Cavalcante**

RESUMO

Buscamos com este artigo tecer algumas articulações sobre Psicologia Comunitária, o processo de produção de Fortaleza e a temática da saúde mental comunitária, a partir do nosso trabalho de assessoria psicossocial junto ao Fórum Popular de Saúde Mental do Grande Jangurussu, pelo Núcleo de Psicologia Comunitária - NUCOM. É a partir desse contexto que queremos problematizar a nossa atuação junto ao referido movimento social, contextualizando-a dentro da produção popular sobre a temática da Saúde Mental no Fórum. Sobre o referencial da práxis da Psicologia Comunitária, pretendemos contribuir para a articulação desses temas a partir de uma intervenção compromissada com a crítica cotidiana da saúde da vida cotidiana. Palavras-chave: Psicologia comunitária. Espaço urbano. Movimento social. Saúde.

* Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestranda em Psicologia pela UFC e ex-integrante do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM).

** Psicólogo graduado pela Universidade Federal do Ceara (UFC), ex-integrante do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM)..

1 INTRODUÇÃO

Buscamos com este artigo tecer algumas articulações sobre Psicologia Comunitária, o processo de produção de Fortaleza e a temática da saúde mental comunitária, a partir do nosso trabalho de assessoria psicossocial junto ao Fórum Popular de Saúde Mental do Grande Jangurussu, pelo Núcleo de Psicologia Comunitária - NUCOM. Fortaleza vem sendo palco de um reenquadramento desordenado do seu espaço urbano. Compreendemos que a produção desse espaço ocorreu concomitantemente às práticas de isolamento da população marginalizada, remetendo-nos ao cenário dos Campos de Concentração existentes no Ceará do século passado e à atual construção de conjuntos habitacionais na periferia de Fortaleza.

É a partir desse contexto que queremos problematizar a nossa atuação junto ao referido movimento social, contextualizando-a dentro da produção popular sobre a temática da Saúde Mental no Fórum. Para tanto, também faz-se necessário pontuar as relações entre traços do processo de produção de Fortaleza e o surgimento deste movimento social.

Embasados teoricamente na Psicologia Comunitária, com este artigo pretendemos contribuir para a articulação teórica desses temas, com o objetivo de repensar a nossa práxis e fomentar a assunção dessas questões.

2 FÓRUM POPULAR DE SAÚDE MENTAL DO GRANDE JANGURUSSU: INÍCIO DE UMA CAMINHADA

Em 2003, o Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) iniciou um trabalho junto ao Fórum Popular de Saúde Mental do Grande Jangurussu. Este Fórum se constituiu num espaço de reflexão e

vivência sobre a temática da saúde mental que teve início a partir da união de entidades (Associações de Moradores, Projetos Sociais, ONG Manicômios Nunca Mais e o Núcleo de Psicologia Comunitária) e de moradores das comunidades do Grande Jangurussu de Fortaleza.

O início dessa atuação se deu a partir do processo de inserção progressiva e permanente de um estudante do Núcleo na multiplicidade da vida comunitária do Conjunto Palmeira. Tal inserção tinha como objetivo redimensionar a atuação do NUCOM no Conjunto Palmeira e permitir que os estudantes pudessem compreender a dinâmica desta comunidade. Essa inserção foi inspirada na observação- participante, que consiste em um método de construção de conhecimento de uma dada realidade através da vivência e compreensão das atividades cotidianas de uma comunidade e dos códigos locais (GÓIS,1994).

Nossa atuação desenvolveu-se, em um primeiro momento, com a observação-participante, uma inserção no contexto do Fórum. Esse momento foi permeado de uma progressiva co-elaboração dos objetivos do Fórum, apontando para uma maior proposição e co- facilitação das reuniões. Essa progressividade na forma de participação proporcionou a transição para uma situação de ação-participante. Nesse segundo momento, por meio da ação-participante, junto aos participantes do Fórum, co-operamos em suas ações planejadas para a conquista de seus objetivos.

Os participantes do Fórum estiveram engajados na construção conjunta de objetivos construídos em um primeiro momento e avaliados e redimensionados ao longo de sua trajetória. Tais objetivos eram: conhecer a realidade da saúde mental das comunidades que compunham o Grande Jangurussu; sensibilizá-las quanto à temática da saúde mental; melhorar o atendimento à população e buscar condições para viver num ambiente sadio; sensibilizar as lideranças comunitárias para a reabertura do posto de atendimento médico; elaborar, junto às comunidades, projetos de intervenção nas políticas de educação popular dentro da temática da saúde mental; criar condições para multiplicar

conhecimento geral sobre saúde mental; e atuar na promoção de saúde mental nessas comunidades.

A Psicologia Comunitária no Ceará utiliza o método reflexivo-vivencial, compreendendo como sua unidade básica a análise e a vivência da atividade comunitária, inspirada no conceito de atividade de Leontiev (1979). É através dessa unidade que o psicólogo comunitário “[...] estuda e/ou intervém no modo de vida dos indivíduos de um determinado lugar/comunidade [...]” (GÓIS, 1994, p. 86).

A atividade comunitária desse movimento popular consistia em um complexo sistema de interações comunicativas e instrumentais que objetivavam a construção e a avaliação da organização do próprio Fórum, além da realização de oficinas nas comunidades com o tema da saúde mental, que visavam, através da educação popular, criar um espaço em que os moradores pudessem discutir questões como: “O que cada um pensa quando escuta falar em saúde mental? O que proporciona saúde mental? Quais os principais problemas em saúde mental? Que tipos de cuidados se deve ter com a saúde mental?” Além disso, essas oficinas que compunham uma das atividades do Fórum constituíam um espaço divulgador e articulador da proposta de realização de um seminário sobre a temática da saúde mental.

Os desdobramentos apontados como resultados do Fórum foram: a realização do I Seminário Popular de Saúde Mental do Grande Jangurussu, em Março de 2003; a realização de oficinas de sensibilização quanto a temática da saúde mental nas comunidades do João Paulo II, São Cristóvão, Conjunto Palmeira, Parque Santa Maria e Sítio São João, cuja participação direta foi de cerca de 200 moradores; e a criação do Movimento Popular de Saúde do João Paulo II e das Oficinas de Saúde Mental do Sítio São João.

No fim do primeiro semestre de 2004, o Fórum sofreu uma desarticulação, tendo, entretanto, originado dois campos de atuação em comunidades participantes deste: o João Paulo II e o Sítio São João. Essa atuação foi marcada por uma metamorfose desde a entrada de um estudante do NUCOM nas reuniões iniciais do Fórum, resultando na

formação de uma equipe que vem atuando nas comunidades participantes.

Essa iniciativa produziu compreensões em seus atores, que proporcionaram a elaboração de um olhar ampliado e profundo sobre a dinâmica comunitária das comunidades do Jangurussu. Este olhar propiciou correlações entre traços do processo de produção do espaço urbano de Fortaleza e a vida nessas comunidades; entre as concepções e as práticas relacionadas à saúde e o modo de vida comunitária; e entre a trama de relações das comunidades atravessadas permanentemente pelo crescimento dessa capital, crescimento esse, indissociável de sua relação com o interior.

Partindo agora, da história dos Campos de Concentração no interior do Ceará, apresentaremos olhares oriundos do encontro entre estudantes, moradores, e comunidades no Fórum Popular de Saúde Mental do Grande Jangurussu.

3 A INVENÇÃO DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO E O CONTEXTO DE FORTALEZA

No Ceará de 1932, o Poder Público administrava as desigualdades sociais advindas do êxodo rural, especialmente, através da construção de Campos de Concentração, que atendiam ao receio das elites da capital com a aproximação dos retirantes. Nesse contexto de fome e de desemprego, no interior, e de medo na capital, o isolamento dos chamados “flagelados da seca” visava algumas ações assistenciais, mas, principalmente, a contenção do avanço dos imigrantes (RIOS, 2001).

Como hoje, o investimento na paisagem urbana ideal centrava-se na exibição de uma Fortaleza que se estampava nos periódicos. De um lado, o projeto elitista e excludente da burguesia da capital era capilarizado através dos meios de comunicação (principais

jornais da época) e do Poder Público; de outro, a maioria da população, vinda da seca, buscava o básico para a sua sobrevivência. Do encontro desses projetos, o conflito:

Homens, mulheres e creanças desfilam aos nossos olhos em demanda dos Campos de Concentração. Assim, uma grande ameaça vae pesando sobre esta capital. Vamos assistir acontecimentos compungentes, se da parte dos governos federal e estadual, não forem tomadas providências as quaes desloque da capital as grandes massas de flagelados [Correio do Ceará, 14/04/1932]. (RIOS, 2001, p. 50).

Forjaram-se aí referenciais para a ação do Poder Público e do capital especulativo no espaço urbano, lugar de disputa, de confronto e de acirramento das desigualdades pela sua própria lógica constituinte. Mas que lógica é essa? Como diz Rios (2001, p. 51):

Os projetos de urbanização e modernização da cidade elaboravam Campos de Concentração, asilos, casas de pobres e dispensários para isolamento da pobreza. Como outras cidades que começavam a crescer seguindo os parâmetros de modernização capitalista, Fortaleza planejava ter os pobres em “lugares adequados”. [...] O espaço urbano se constrói menos pelo planejamento idealizado e mais pelo embates e conflitos.

Ainda segundo a autora, Fortaleza possuiu dois dos sete Campos de Concentração, nos quais o número de pessoas, segundo dados oficiais, chegou a 1.800 do total de 73.918 em todo o Estado. Sempre vigiados e sob a égide do poder disciplinador das autoridades, os Campos de Fortaleza eram motivo de orgulho para os administradores públicos e alvo de elogios pelos jornais, de modo que, mesmo após a seca, estes se perpetuaram como forma de prevenção à “desordem social” na capital.

Assim, percorreram-se longos anos da História de Fortaleza, de modo que esta atualmente apresenta um quadro bastante

desanimador, visto que esta política de prevenção à desordem teve continuidade com a construção dos conjuntos habitacionais, em sua periferia. Essa contextualização é imprescindível em nossa compreensão da constituição histórica e cultural da vida em comunidade e da atividade comunitária, objeto de nossa atuação. Assim, a seguir, veremos os desdobramentos dessas políticas de isolamento e suas repercussões na produção do espaço de Fortaleza.

4 POLÍTICAS DE ISOLAMENTO: UM TRAÇO DO PROCESSO