• Nenhum resultado encontrado

4 (RE)CONSTRUÇÃO DO FILME PELO PÚBLICO

O CINE NUCEPEC não existiria sem os momentos de debate. Através do embate de idéias, abre-se uma possibilidade de ressignificação (ou não) de conceitos até então tido como imutáveis

§§§§ Forma carinhosa como os integrantes do Núcleo referem a si mesmos.

*****

O PEQUENO príncipe. Direção: Stanley Donen. Produção: Stanley Donen e Joseph Tandet/Paramount Pictures. Roteiro: Alain Jay Lerner. Elenco: Richard Kiley,

Steven Warner, Bob Fosse e Gene Wilder. c1974. 1 DVD (88 min).

acerca da criança e do adolescente, favorecendo a desmistificação destes e a (re)construção de saberes a eles relacionados. Nesse tópico, o foco será posto nos discursos do público acerca dos filmes.

Como foi dito acima, por diversas vezes ocorre uma identificação das pessoas com os enredos mostrados na tela. Após a exibição do filme “E sua Mãe Também †††††”, um estudante de Psicologia comentou que, em sua opinião, este é o filme que melhor retrata a adolescência masculina contemporânea. Afirmou também que não se emocionou ao assistir ao filme “As Virgens Suicidas”, pois ele retrataria a adolescência feminina ao mostrar, entre outras situações, a repressão sexual sofridas pelas garotas.

Conhecidas representações sociais emergem no decorrer dos discursos. Em relação ao filme “Kolya – Uma Lição de Amor ‡‡‡‡‡”, um estudante de Direito escreveu em sua Ficha de Avaliação:

Achei o filme muito bom, principalmente devido à construção de uma relação entre pessoas estranhas, que acaba se tornando uma relação paternal. E essa relação tornou-se fácil devido ao convívio com um garoto inocente. (Ficha de Avaliação - Filme “Kolya – Uma Lição de Amor”).

A “inocência infantil” aparece como um atributo inerente à criança, aspecto essencial para o sucesso da amizade entre as duas personagens, segundo o estudante. Geralmente associa-se à “inocência infantil” qualidades que nem sempre são ditas, mas subentendidas: imaturidade, pouca inteligência, enfim, incapacidade para compreender o “mundo dos adultos”. Esta concepção certamente constrói-se a partir

†††††

E SUA MÃE também. Direção: Alfonso Cuarón. Produção: Alfonso Cuarón e Jorge Vergara/Anhelo Producciones / Besame Mucho Pictures. Roteiro: Alfonso Cuarón e Carlos Cuarón. Elenco: Diego Luna,Gae Garcia Bernal, Nathan Grinberg e Maribel Verdú. c2001. 1 DVD (65 min).

‡‡‡‡‡

KOLYA – uma lição de amor. Direção: Jan Svérak. Produção: Eric Abraham, Jan Sverák/Warner Home Vídeo. Roteiro: Pavel Taussig, Zdenek Sverak. Elenco: Zdenek Sverak, Andrej Chalimon, Libuse Safránková e Ondrej Vetchý. c1996. 1 DVD (105 min). Produzido por Warner Vídeo Home.

de um lugar de verdade adultocêntrico, que veicula a representação da criança como um “adulto pequeno”, portanto inferior.

Após a exibição de “Juventude Transviada §§§§§”, que retrata a rebeldia da juventude americana pós- II Guerra Mundial, alguém perguntou: “Mas isso é rebeldia?”. Talvez não seja rebeldia em 2005, mas certamente era em 1955, ano da realização do filme.

Inocência e rebeldia. Duas das representações sociais mais fortes acerca, respectivamente, da infância e da adolescência. Não se pretende dizer que estas “qualidades” não existam, mas atentar ao fato de que estão sempre sendo ressignificadas, reconstruídas cotidianamente.

“A Maçã ******” abriu o semestre 2005.1 do CINE NUCEPEC. Ao mostrar a situação de duas irmãs pré-adolescentes gêmeas, no Irã, que passaram 11 dos seus 13 anos de vida trancafiadas pelo pai religioso, provocou reações de espanto em boa parte das pessoas:

Filme belíssimo. A principal agressora é a sociedade, que ensinou noções equivocadas de religião ao pai da menina (...) deixou ambas 11 anos aprisionadas sem tomar providência nenhuma contra os genitores delas. (Ficha de Avaliação-Filme “A Maçã”).

Uma história forte, que impacta. Conviver numa sociedade “livre” nos torna sensíveis ao que acontece com as duas meninas nesse filme. A questão da análise de valores é, certamente, o grande ponto do filme. (Ficha de Avaliação-Filme “A Maçã”).

§§§§§ JUVENTUDE transviada. Direção: Nicholas Rey. Produção: David Weisbart/Warner Bros. Roteiro: Stewart Stern. Elenco: James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo e Jim Backus. c1955. 1 DVD (111 min). Produzido por Warner Vídeo Home.

******

A MAÇÃ. Direção: Samira Makmalbaf. Produção: MK2 Productions/Makhmalbaf Productions. Roteiro: Mohsen Makhmalbaf. Elenco: Azizeh Mohamadi, Ghorban Ali Naderi, Massoumeh Naderi e Zahra Naderi. c1998. 1 DVD (86 min).

O choque de culturas foi evidente e uma das opiniões mais unânimes foi: a sociedade iraniana agride as mulheres. O rosto coberto, a obediência irrestrita ao homem, a vida programada especialmente para o espaço privado do seio familiar. Quando as meninas do filme se libertaram da redoma doméstica, logo começaram a passar por uma pedagogia imposta pelos pais, necessária para que fossem bem aceitas em sua sociedade: a aprendizagem de atividades do lar. As mulheres que assistiram ao filme revelaram-se incomodadas com essas “questões” de gênero, que não diferem totalmente daquelas de nossa sociedade ocidental.

Qual seria a “adolescência ideal” para as garotas? Ter acesso a shoppings centers, poder ir a festas e escolher as últimas tendências da moda? Nem sempre a nossa adolescência se “encaixa” em costumes de outros países suscitando, algumas vezes, as perguntas: será que a adolescência como conhecemos existe no mundo todo? Se não, como devemos encará-la? Poderíamos afirmar que existe um adolescer certo e um errado? Questionamentos importantes para uma tomada de consciência de que multiplicidades existem e devem ser levadas em conta quando se pretende abordar questões referentes aos adolescentes.

Um dos filmes que mais causou impacto foi “Para Sempre Lilya††††††”, que conta a história de uma adolescente que vive em condições precárias na Rússia atual. Lilya acaba envolvendo-se com drogas e tornando-se escrava branca contra sua vontade.

A exposição da infância e da adolescência miserável na Rússia evocou inevitáveis comparações com a realidade brasileira: o que fazer com nossas crianças e adolescentes que passam por essas situações? Necessidade de políticas públicas eficazes, responsabilização do Estado e da sociedade civil, direitos humanos... Certamente havia muito que discutir, mas a dura realidade da protagonista e de seu amigo

†††††† PARA SEMPRE LILYA. Direção: Lukas Moodyson. Produção: Lars Jönsson/Svenska Filminstitutet/Zentropa Entertainments/Nordisk Film & TV Fond/Memfis Film. Roteiro: Lukas Moodyson. Elenco: Oksana Akinshina, Artyom Bogucharsky, Lyubov Agapova e Liliya Shinkaryova.c2002. 1 DVD (109 min).

de 12 anos contribuiu para uma situação inédita: logo após a exibição, o público saiu “desnorteado”. Não houve discussão, algumas pessoas preencheram a Ficha de Avaliação enquanto outras saíram literalmente chorando:

Sem comentários. Só chorei muito. (Ficha de Avaliação- Filme “Para Sempre Lilya”).

Desembaraço perante a vida. Duas pessoas sem ter a quem entregar a sua atenção, se entregam aos mínimos prazeres. (Ficha de Avaliação-Filme “Para Sempre Lilya”).

A “falta” do debate não foi considerada um fracasso. O deixar-se afetar, mesmo que silencioso, é parte essencial de um movimento de abertura para novos questionamentos. E quem foi que disse que se emocionar com algo impede a construção de conhecimento?

O recorde de bilheteria do CINE NUCEPEC, até o momento, deu-se quando da exibição de “O Pequeno Príncipe”, em parceria com o Grupo de Estudos em Psicologia Analítica. As metáforas do principezinho evocaram uma grande variedade de pontos de vista. Alguns comentários do público:

Um filme belíssimo que trata de forma singular a visão da criança em vários âmbitos. Por exemplo, diante do mal, ou da morte (serpente), do sentido da amizade. Retrata também a forma como a sociedade vê a criança, nos permitindo a abordagem de vários temas. (Ficha de Avaliação-Filme “O Pequeno Príncipe”).

Zzzzz... Zzzzzz... (Ficha de Avaliação-Filme “O Pequeno Príncipe”).

Algumas pessoas enxergaram aspectos de sua infância; outras, lições para o mundo adulto. Alguns questionamentos foram

bastante enfatizados na discussão após o filme: quem é mais ingênuo? O pequeno príncipe ou o aviador? A criança ou o adulto? Interessante observar que, ao indagar sobre as “hierarquias de sapiência” (adulto/sábio, criança/não-sábia), abre-se uma brecha para a crítica do cristalizado. Através dela, quem sabe, a infância, a adolescência e mesmo a adultícia possam ser vistas como diferentes ao invés de inferiores ou superiores uma às outras.

Obviamente, não será possível citar todas as discussões ocorridas após os 15 filmes já exibidos. No entanto, faz-se clara a riqueza da troca de experiências suscitadas a partir dessas 15 histórias, que certamente não chegaram ao fim.