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4. O CONTRATO ELETRÔNICO

4.1 CONCEITO

Conforme já exposto neste trabalho, as necessidades da vida contemporânea, surgidas principalmente na época pós-Revolução Francesa, requereram do Direito, e mais precisamente do Direito das Obrigações e da Teoria Geral dos Contratos, mecanismos, técnicas e modalidades mais convenientes e eficazes para a satisfação das exigências geradas pelo novo tráfico mercantil. Com a evolução da sociedade, as necessidades econômicas alteraram-se e as operações econômicas, fundamento das relações contratuais, tornaram-se mais frequentes, exigindo celeridade. As contratações passam a ser feitas com menos discussão, sendo adotadas condutas mais automatizadas para a concretização do vínculo entre as partes. Os contratos de adesão, por meio dos quais uma parte adere (ou não) a cláusulas pré-dispostas, estabelecidas pela outra parte, tornam-se importante instrumento de transferência de riquezas.

Em conjunto com a evolução da sociedade surgem os avanços tecnológicos, vivenciados principalmente a partir das últimas décadas do século XX, com o desenvolvimento da informática e das telecomunicações. A sociedade torna-se mais dinâmica e as relações de produção e consumo passam a fundamentar-se na oferta e circulação de bens através da internet.

De fato, atualmente observamos a existência de um grande número de empresas que se estabelecem na rede mundial de computadores. Tais empresas oferecem produtos e serviços que podem ser contratados de forma rápida, fácil e com pouco contato com os seus clientes. Desta forma, tem-se uma supressão progressiva da presença física147 das partes na celebração de negócios jurídicos. Prova da expansão do meio eletrônico como forma de contratação é que setores tradicionais da economia têm se utilizado de tecnologia de ponta para possibilitar que seus clientes realizem negócios à distância, por meio da internet.

147 Sabe-se que a supressão da presença física das partes na celebração de negócios jurídicos não é novidade.

Veja-se, exemplificamente, os títulos de crédito que foram criados, entre outras finalidades, para que se prescindisse da presença física das partes. O que se coloca aqui é que com os avanços tecnológicos verificados, é inegável o crescimento deste meio de se contratar.

É neste contexto que surgem os contratos eletrônicos, assim entendidos, conforme expõe Ricardo L. Lorenzetti, como aqueles nos quais se utiliza um meio considerado eletrônico para sua celebração, cumprimento ou execução148. A nosso ver, o que distingue um contrato eletrônico do contrato “escrito, impresso e assinado” é a utilização de recursos informáticos e de telecomunicação para a transmissão da manifestação da vontade das partes de contratar. Isto posto, concordamos com os ensinamentos de Marcos Paulo de Almeida Salles149, o qual dispõe que tais instrumentos são, em verdade, contratos de “consentimento eletrônico”, ou seja, por meio do qual a manifestação de vontade dos contratantes (oferta e aceitação), base para a formação dos contratos, se perfaz de forma eletrônica. Tal definição de contrato eletrônico, que chamamos de strictu sensu, é mais restritiva do que a definição proposta por Ricardo L. Lorenzetti, que chamamos de lato

sensu.

Os contratos eletrônicos não devem ser confundidos com os contratos de objeto informático. Giusella Finochiaro150 faz a distinção entre contratos com objeto informático e os contratos que se utilizam da informática como meio de representação ou de expressão da vontade, o que é importante uma vez que as questões a serem analisadas em um ou outro instrumento são distintas. Newton de Lucca distingue o contrato informático do contrato eletrônico, que denominou de telemático, da seguinte forma:

“O contrato informático é o negócio jurídico bilateral que tem por objeto bens ou serviços relacionados à ciência da computação. O contrato telemático, por sua vez, é o negócio jurídico bilateral que tem o computador e uma rede de comunicações como suportes básicos para sua celebração.”151

Os contratos de licença de software, por exemplo, podem ser formalizados por meio eletrônico ou não. Se as licenças de software forem adquiridas pela formalização de

148 LORENZETTI, Ricardo Luis. Ob. cit. p 285.

149 Conforme ensinamentos do professor Marcos Paulo de Almeida Salles no curso de pós-graduação da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na disciplina Contratos em Espécie, ministrada no primeiro semestre de 2009.

150 FINOCCHIARO, Giusella. I Contratti ad oggetto informatico. Padova: CEDAM, 1993, p. 3.

151 LUCCA, Newton de. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva,

contrato escrito e assinado, da forma que entendemos ser mais clássica, tal contrato não poderá ser classificado como eletrônico. Ou, ainda, se as partes se utilizaram da internet apenas para negociações preliminares, sem que o consentimento seja aposto de forma eletrônica, os contratos posteriormente formalizados também não poderão ser caracterizados como eletrônicos.

Caso, todavia, o adquirente do software deseje contratar a aquisição deste por meio do web site do detentor do direito de comercializar a licença, mediante um simples “clique” nas páginas da internet, aí sim teremos um contrato eletrônico e com conteúdo informático. Neste caso, os termos do contrato de licença serão propostos em ambiente virtual, e a aceitação, o consentimento do adquirente, também.

Em consonância com o já exposto, no sentido de que a distinção entre contrato eletrônico e contratos clássicos reside no meio utilizado para a manifestação da vontade das partes, definimos contrato eletrônico como sendo o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas com vistas à constituição, modificação ou extinção de um vínculo jurídico de natureza patrimonial, expresso por meio eletrônico.

Ricardo L. Lorenzetti152 esclarece que a contratação por meios eletrônicos é amplamente conhecida, sendo observados três graus diferentes de evolução: (i) meio eletrônico entendido como principal, tal como ocorre nos serviços da economia da informação (Ex.: acesso a livros e músicas digitais); (ii) meio eletrônico entendido como complementar, mas com uso cada vez mais amplo e variado, como ocorre nas contratações entre empresas e venda de bens móveis de diversas naturezas; e (iii) meio eletrônico elevado à categoria institucional, a exemplo do que ocorre com os “bancos eletrônicos” ou “bolsas eletrônicas”, nas quais os usuários podem realizar diversas operações em suas contas bancárias ou comprar e vender ações em qualquer quantidade e valor.

Os contratos eletrônicos devem ser considerados no âmbito da Teoria Geral dos Contratos, uma vez que não implicam um novo tipo de contrato, diferenciando-se apenas pela utilização de um novo meio para sua formação153, fundamentado nas novas

152 LORENZETTI, Ricardo Luis. Ob. cit. p.p. 272 e 273. 153 MARQUES, Cláudia Lima. Ob. cit. p. 98.

tecnologias existentes154. Assim, o que foi dito neste estudo acerca dos princípios que regem o Direito Contratual devem ser aplicados a esta nova forma de contratação. Obviamente, em alguns casos os operadores do direito deverão adaptar trais princípios para a sua perfeita subsunção aos casos concretos que se verificarem.

Tanto o Código Civil quanto as legislações esparsas não trataram especificamente do contrato eletrônico, sendo que ao Código Civil pareceu ser suficiente tratar do assunto em dois artigos, quais sejam: (i) artigo 225, que dispõe que qualquer reprodução mecânica ou eletrônica de fatos ou coisas faz prova plena destes, desde que a parte contra quem for exibida não lhe impugnar a exatidão; e (ii) artigo 428, que estabelece que a proposta deixa de ser obrigatória se feita a pessoa presente não for imediatamente aceita, considerando também presente a pessoa que contrata por telefone ou meio de comunicação semelhante.

A Medida Provisória 2.200-2, sobre a qual outrora falamos e que trata da certificação digital para garantia da autenticidade, integridade e validade dos documentos eletrônicos, também não trouxe qualquer regramento acerca dos contratos eletrônicos, diferentemente do direito espanhol, cuja Lei 34/2001 define contrato eletrônico como “todo contrato en el que la oferta y la aceptación se transmiten por médio de equipos

electronicos de tratamiento y almacenamiento de datos, conectados a una red de telecomunicaciones”.

Muito embora entendermos que na falta de legislação específica sobre a matéria, aos contratos eletrônicos deve ser aplicado o regramento atinente a contratação entre presentes e ausentes presente no Código Civil, não deixamos de crer que para maior segurança dos interessados este tema deveria ser objeto de normatização própria que serviria não para esgotar o tema, mas para delinear de forma mais precisa alguns aspectos que melhor se enquadram na realidade das contratações de consentimento eletrônico.