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O CONCEITO DE CONTRATO

3. CONTRATOS: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONCEITOS E PRINCÍPIOS

3.4 O CONCEITO DE CONTRATO

A conceituação de contrato passa, necessariamente, pelo entendimento e distinção, ainda que sumários, do ato jurídico e negócio jurídico109.

Primeiramente, define-se como fato jurídico todo acontecimento emanado do homem ou das coisas, que produza consequencias de direito110. Conforme lição de Emilio

108 Exemplo de obrigação imputada à parte mais forte - o fornecedor – nos contratos de adesão é a

obrigatoriedade de adoção da letra de, no mínimo, tamanho “12” nos contratos (CDC, art. 54, §3º) para evitar que o consumidor não se atente ao conteúdo das “letras miúdas”.

109 Definir e distinguir ato e negócio jurídico não é tarefa fácil em razão da complexidade afeta à matéria,

Betti111, fatos jurídicos são aqueles a que o direito atribui relevância jurídica, no sentido de mudar as situações anteriores a eles e de configurar novas situações a que correspondem novas qualificações jurídicas.

O fato jurídico compreende duas espécies: o fato jurídico strictu sensu, que produz efeitos de direito sem a intervenção de uma vontade intencional, e o ato jurídico, que é aquele que o homem realiza voluntariamente, com o fim de produzir certos efeitos de direito112. A distinção entre fato jurídico strictu sensu e ato jurídico reside, portanto, no elemento volitivo, na presença da vontade.

Os atos jurídicos, por sua vez, podem ser divididos em duas espécies distintas113, quais sejam: (i) os que consistem em uma declaração de vontade, denominados negócios jurídicos, e (ii) os que consistem na realização de uma vontade, sem prévia declaração.

Negócio jurídico é, portanto, um ato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide114.

O contrato se inclui na categoria dos negócios jurídicos. Conforme ensina Francesco Messineo, o contrato constitui a figura mais importante e mais freqüente de negócio jurídico bilateral. 115

Na prática, utiliza-se o termo contrato para designar tanto o negócio jurídico bilateral (ou plurilateral) gerador de obrigações quanto o instrumento que o formaliza. Discorre Orlando Gomes116 que na linguagem corrente tais usos do termo contrato estão tão generalizados que algumas pessoas entendem não haver contrato se o acordo de

110 ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Ob. cit. p. 9.

111 BETTI, Emilio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tradução: Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra

Editora, 1969, Tomo I, p. 20.

112 ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Ob. cit. p. 9. 113 Idem, ibidem. p. 9.

114 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva,

2002. p. 16.

115 Do original, “il contratto constituisce la figura più importante e più frequente di negozio giuridico

bilaterale”. MESSINEO, Francesco. Ob. cit. p. 23.

vontades não estiver reduzido a termo. Complementa o autor que o contrato tanto se celebra de forma escrita quanto oralmente, não sendo a forma escrita que o cria, mas sim o encontro de duas declarações convergentes de vontades, emitidas com o intuito de constituir, regular ou extinguir, entre os declarantes, uma relação jurídica patrimonial, conforme veremos adiante.

Tal afirmação será de grande valia quando adentrarmos os contratos eletrônicos propriamente ditos.

O contrato, como negócio jurídico, é qualificado pelas características essenciais da existência de um acordo de vontades inerente a uma relação jurídica de natureza patrimonial117. É bilateral, ou plurilateral, e sujeita as partes à observância de conduta idônea para a satisfação dos interesses que regulam.118

Nos dizeres de Darcy Bessone119, contrato é o acordo de duas ou mais pessoas para, entre si, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial.

Este é o conceito adotado pelo nosso ordenamento jurídico, inspirado na definição trazida pelo art. 1321 do Código Civil Italiano, conforme já dito neste trabalho, que dispõe ser o contrato todo acordo de vontades entre duas ou mais partes, destinado a constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial. Apesar de não ter sido adotado expressamente pelo Código Civil de 2002, o conceito de contrato do direito italiano aplica-se integralmente ao direito brasileiro, conforme defendido pela doutrina majoritária, seja porque os ambos os ordenamentos jurídicos têm uma raiz comum, seja porque o Código Civil em vigor foi inspirado na codificação italiana.

Do conceito supramencionado, extraímos alguns elementos que dele fazem parte, quais sejam: (i) o acordo de vontades; (ii) a existência de duas ou mais partes; (iii) a finalidade de constituir, regular ou extinguir relação jurídica; e (iv) a natureza patrimonial desta.

117 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Ob. cit. p. 64. 118 GOMES, Orlando. Ob. cit. p. 11.

É necessário, via de regra, que existam pelo menos duas partes na relação e que cada uma delas exprima a sua vontade120 de sujeitar-se ao conjunto de cláusulas que forma o contrato, devendo uma parte formular uma proposta e a outra aceitar referida proposta. Forma-se o contrato exatamente quando proposta e aceitação manifestam vontades coincidentes, quando forma-se o consenso.

O conceito de parte não se confunde com o conceito de pessoas, sejam físicas ou jurídicas. Parte é um centro de interesses objetivamente homogêneos121, podendo consistir em uma, duas, três ou mais pessoas que, com relação a um contrato específico, têm um interesse comum. Havendo mais de duas partes no contrato, tem-se que o contrato é plurilateral.

Para Francesco Messineo, o contrato pode ser comparado a uma moldura de um quadro, dentro do qual qualquer tela poderia ser inserida.122 Neste sentido, a estrutura técnica do contrato será invariável, sendo que o seu conteúdo é que sofrerá variações, dando margem a diversos tipos de contratos, limitados pela criatividade dos agentes na busca da realização de seus interesses econômicos123.

3.4.1 Contratos Civis e Mercantis

Antes de passaremos à abordagem de determinados aspectos da teoria geral dos contratos, entendemos ser importante mencionar uma classificação dos contratos relevante para este estudo, qual seja: (i) contratos existenciais ou não-empresariais e (ii) contratos mercantis124.

Os contratos incluídos na primeira classificação são aqueles firmados entre não- empresários ou entre um empresário e um não-empresário, sempre que para este a contratação não tenha objetivo de lucro. São exemplos de contratos não-empresariais os contratos de consumo, contratos de trabalho e locação residencial.

120 Cabe ressaltar que sempre que mencionarmos a manifestação de vontade que culmina com o consenso

contratual, consideramos também o quanto já exposto neste estudo acerca da mitigação de tal manifestação de vontade e a existência dos contratos obrigatórios.

121 ROPPO, Vincenzo. Ob. cit. p. 85.

122 MESSINEO, Francesco. Il Contrato in Genere. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1972, T. I, p. 6. 123 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Ob. cit. p. 66.

Para Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, entende-se por contratos não- empresariais (também definidos como contratos civis) aqueles nos quais as partes não são empresários ou prestadores profissionais de serviços, encontrando-se as mesmas partes, em tese, em situação de igualdade econômica e jurídica125.

Já os contratos mercantis (ou empresariais) são aqueles que têm como partes empresários (ou sociedade empresária) no exercício de sua atividade, conforme disposto nos arts. 966 e 982 do Código Civil126, ou, ainda, entre um empresário e um não- empresário, desde que este tenha celebrado o contrato com o fim de lucro127.

Para os sistemas legislativos que realizaram unificação do Direito Privado, como é o caso do sistema brasileiro, a partir do Código Civil de 2002, a distinção parece perder um pouco sua relevância128129. Nos que adotam a dicotomia, a importância é mais evidente uma vez que os contratos se regulam por preceitos diversos, contidos no Código Civil e no Código Comercial.

Interessa distinguir os contratos entre civis e mercantis uma vez que no estudo em questão, os contratos eletrônicos utilizados pelas instituições financeiras e assemelhadas em sua atividade fim podem, por vezes, serem considerados contratos mercantis quando celebrados entre dois empresários ou entre um empresário e um não-empresário com o objetivo de lucro ou, por vezes, ser considerados contratos existenciais ou civis, quando celebrados com pessoa (seja física ou jurídica) sem o intuito de lucro, devendo ser interpretados conforme preceitos aplicáveis a uma ou outra natureza de relação.130

125 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Ob. cit. p. 24.

126 “Art. 966: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para

a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”

“Art. 982: Salvo exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais”.

127 GOMES, Orlando. Contratos. Ob. cit. p. 100. 128 Idem, ibidem. p. 100.

129 Sobre a unificação do direito obrigacional, vide capítulo introdutório de FRANCO, Vera Helena de Mello.

Contratos – Direito Civil e Empresarial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

130 É sabida a divergência de posições na doutrina e jurisprudência acerca da aplicabilidade dos preceitos do

Código de Defesa do Consumidor a relações jurídicas mantidas entre duas pessoas jurídicas com o objetivo de lucro. Optamos por não adentrar esta discussão, fazendo apenas a ressalva de que os contratos eletrônicos celebrados pelas instituições financeiras e assemelhadas com aqueles que se enquadram na definição de consumidor trazida por aquele código devem ser analisados e interpretados à luz de tal normativo.