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CONCEITO DE DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO

5 ANÁLISES E DISCUSSÕES

5.2 CONCEITO DE DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO

Conforme depoimento do professor P2, é necessário se colocar no lugar do outro.

Deficiência pode ser não necessariamente visual né? Pode ser auditiva, pode ser deficiência cognitiva, tem vários tipos de deficiência. Agora deficiência visual, por exemplo, eu me considero uma deficiente visual. Sem os óculos, eu pouco leio, eu pouco enxergo de perto. Né? Então eu tenho uma certa deficiência visual. Não é tão forte quanto a de algumas pessoas que nem os óculos auxiliam, mas o deficiente visual é aquele que enxerga muito pouco ou que não enxerga. Eu sem os óculos estou perdida. (P2, 2017).

O professor P3, da mesma forma, considera a deficiência como incompletude.

“Algo que falta. Então deficiência visual, falta o sentido da visão, em maior ou menor grau” (P3, 2016).

Ao mesmo tempo que é possível identificar empatia na fala, é necessário esclarecer que são situações muito distintas. Estar temporariamente sem o sentido da visão não impossibilita ter acesso às informações pelo canal visual. Ao colocar o foco no que falta, no caso, a visão, o professor indica que seu pensamento está de acordo com o modelo biológico da deficiência.

O professor P7, por sua vez, entende a deficiência como uma barreira a ser vencida.

Todos nós temos alguma deficiência, alguma barreira que pode vir tentar nos impedir de conseguir alguma coisa, mas daí a gente vai tentando contornar essa barreira. Uma limitação que não impede o aluno de ter o aproveitamento que qualquer outro tem. (P7, 2016).

Quando essa barreira é vista como um estímulo, algo a ser vencido e o professor encoraja para que o aluno, na medida do possível, vença suas limitações, essa ação pode ser considerada como um impulso para a busca de soluções no processo de ensino-aprendizagem. Porém, se se espera que apenas o aluno se ajuste, “contornando as barreiras”, essa atitude está de acordo com o paradigma da normalização. Camargo (2016) pondera que não se pode confundir igualdade de

oportunidade com igualdade de tratamento, pois “com diferentes recursos, adaptados às necessidades dos estudantes, os deficientes visuais devem atingir níveis de escolaridade e desenvolvimentos cognitivos similares aos dos demais alunos”

(CAMARGO, 2016, p. 61).

O autor indica a necessidade do tratamento diferenciado para que o aluno cego, assim como os colegas videntes, possa ter acesso às informações e conhecimento.

O professor P1, ao ser questionado a esse respeito, ficou meio confuso e comparou deficiência com dificuldade. “O próprio nome tá dizendo, dificuldade em fazer aquilo que (silêncio), deficiência é uma dificuldade” (P1, 2016).

O professor P4, quando fala sobre os alunos com deficiência, entende que é necessário que eles se reconheçam como pessoas com deficiência. “Eles precisam ter consciência que possuem deficiência. Que para eles vai ser mais difícil, mas não é por ser mais difícil que vai ser impossível. Eles podem superar!” (P4, 2016).

O fato do professor acreditar na possibilidade de superação demonstra que seu pensamento também está de acordo com o modelo médico da deficiência, onde a sociedade é eximida de suas responsabilidades.

Para a professora P5, que passou por um problema oftalmológico e correu risco de perder a visão de um olho, a sociedade precisa se habituar com a existência de pessoas com deficiência.

É bem complicado mesmo, porque eu passei por um problema bem sério.

Tive que fazer três cirurgias na minha vista e eu fiquei apavorada em perder, não estou 100% com essa minha visão, então é uma coisa diferente, a sociedade precisa se habituar que existem essas pessoas. Eu falo para meus alunos, a gente pode se tornar a qualquer momento um deficiente. Para o próprio professor apavora um pouco, a gente não sabe como lidar, assim como os colegas também não sabem lidar com essa categoria. (P5, 2016).

A professora percebe a necessidade da sociedade se ajustar, deslocando a responsabilidade do individual para o coletivo, de forma que seu pensamento está de acordo com a perspectiva da inclusão.

Os professores P6 e P8, por sua vez, discordam da nomenclatura deficiência e consideram que deficiência visual é só algo que falta para o sujeito, no caso, o sentido da visão.

Eu acho que não é deficiência. É só algo que o sujeito não tem, que a gente tem a mais e, como ele não tem, ou nunca teve, se adaptou de outras formas.

Não vejo como deficiência. Tecnicamente não vai diferenciar em nada na vida dele, em geral ele vai estar adaptado àquilo. (P6, 2016).

Eu penso assim, deficiência é algo que falta para as pessoas. Mas ele tem outras habilidades. Não quer dizer porque ele é cego, ele é incapaz. Ele é capaz, ele é competente. Claro, ele tem que superar aquele problema que ele tem, que passa a ser um problema para a gente, mas ele tem outras habilidades que pode desenvolver em outras áreas, até outros campos. (P8, 2016).

A partir do entendimento de deficiência manifestado pelos participantes, apenas um professor se posicionou de acordo com o paradigma da inclusão. Todos os outros sete se posicionaram de acordo com o modelo médico da deficiência. Essas concepções interferem fortemente no contexto educacional.

A aluna A2, ao falar de sua dificuldade em construir relacionamentos com seus pares, sugere que todas as escolas que têm alunos com deficiência matriculados deveriam ter em seu quadro de profissionais um professor especialista em educação especial para auxiliar no processo de inclusão. Para ela, a presença desse profissional orientando os demais professores diminuiria as barreiras encontradas em sala de aula.

Eu nunca tive assim uma relação de me sentir uma pessoa totalmente inclusiva na sala de aula. Eu acho que foi bem complicado assim, porque eu acho que faltava muito aquela coisa da comunicação e enfim, geralmente nas aulas quando era alguma aula que você tinha que fazer trabalhos dinâmicos, geralmente a gente sempre fica sozinho ou arrumam para fazer trabalho com alguém. Eu acho que a dificuldade mesmo é se incluir, porque até os professores, eles meio que excluem né? (A2, 2016).

O Aluno A1, atualmente no Ensino Médio, entende que teve pouco relacionamento com os colegas de classe. Relata que se sentia parte da turma apenas quando muito pequeno, ainda no Ensino Fundamental I. E quando perguntado se poderia tomar alguma atitude para melhorar sua vida social dentro da escola, ele respondeu que seu movimento está melhorando aos poucos essa condição. “Às vezes a gente fica lá isolado entendeu? Aí vai de mim também. Só que eu não sei por quê.

Acho que alguma coisa aconteceu e eu acabei parando e sei lá” (A1, 2016).

Ele considera um ganho estar conversando com quatro colegas de sala de aula, ainda que principalmente por intermédio da internet e assuntos relacionados ao cotidiano escolar. Não foi diferente para a Aluna A3, que passa pelo mesmo processo:

Olhaaaa!!!, no ensino médio em si, eu não tive um relacionamento com a minha turma. Eu falava com algumas pessoas, mas eu não convivia muito com elas. Já no ensino fundamental eu já conversava mais, eu tinha mais amigos, eu andava com mais gente no intervalo, alguns iam na minha casa, eu ia na casa de outros. Eu não sei, eu acho que também, como tava começando tudo de novo, saindo de um ano para ir para o outro, foi meio complicado, porque eu também sentia muita vergonha, às vezes não sabia o que falar. Mas também, assim, a maioria nunca se preocupou em vir comigo e me puxar para conversar. Eram alguns, mesmo, alguns mesmo, bem poucos mesmo. Uns três, quatro, de uma turma de 30. (A3, 2016).

Na fala do aluno A5 foi possível perceber o desejo de estar entre pessoas com deficiência visual e não por identidade, simplesmente para não sofrer as intimidações diárias por ser diferente em um local onde a maioria é vidente.

Eu não estou me sentindo bem com meus amigos. Eu sinto falta de um amigo deficiente visual junto comigo. Alguns amigos fazem sacanagem. Por exemplo, eu estou andando aqui e um diz óhh o buraco! E eu paro de andar.

Ficam brincando, dizendo que a XXX gosta de mim, uma menina que eu gosto, daí eles ficam falando olha a XXX ali, dá oi pra ela ali. (A5, 2016).

O Aluno A4, ao contrário dos demais colegas, relata que teve mais dificuldades no processo inicial - Ensino Fundamental I -, por ser o primeiro deficiente visual da escola, com tudo por adaptar e não haver mediação dos professores para que pudesse brincar com os demais colegas. No Ensino Fundamental II e Médio foi estudar em outra instituição, onde acompanhou a mesma turma em todo seu processo escolar. Relata que conseguiu participar de várias atividades que achava que não daria conta ou não fosse possível. Atribui isso ao fato dos professores incentivarem bastante e usarem estratégias para incluí-lo na turma. Tanto professores quanto a direção escolar o tratavam da mesma forma que os demais alunos, cobrando e estimulando para que fizesse as mesmas tarefas que os demais.

Pela fala da maioria dos alunos, quatro estudantes, é possível verificar que eles não estão incluídos no processo educacional. Eles relatam estar à parte dos colegas, mesmo quando ocupam o mesmo espaço. O único que relatou se sentir incluído na escola destaca a importância dos professores e da equipe gestora para que houvesse igualdade de oportunidades e participação junto a seus colegas.

O modelo de educação inclusiva apresenta muitas fragilidades, pois os mitos acerca da deficiência e os conceitos socialmente construídos ainda impactam negativamente para o processo de inclusão. É preciso superar a visão de pessoa com deficiência como alguém limitado às características físicas e aos impedimentos do

corpo e incorporar questões sociais, políticas e culturais para compreensão desse fenômeno.