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2 PARADIGAMA DA

2.3 A transdisciplinaridade

2.3.2 Conceito de transdisciplinaridade

Ao rever a história do século XX, depara-se com ideia segunda a qual a transdisciplinaridade esteve ligada à revolução epistemológica realizada pela Física, em meados do início do século, a partir da teoria da relatividade de Einstein e da teoria dos Quanta, como também influenciada pela concepção sistêmica oriunda da Biologia (ANTÔNIO, 2002).

Segundo Nicolescu, a palavra "transdisciplinaridade" foi usada pela primeira vez em 1970, por Piaget, quando, em um colóquio sobre Interdisciplinaridade, ele escreveu: “[...] esta etapa deverá posteriormente ser sucedida por uma etapa superior transdisciplinar” (1999, p. 150).

Em seguida, em 1972 e em 1977, Piaget volta a utilizar o termo. Tanto a pluridisciplinaridade como a interdisciplinaridade não mudam a relação homem/saber, uma vez que sujeito e objeto continuam dicotomizados, por estarem reduzidos a um único nível de realidade e estruturados pela noção de integração, enquanto a transdisciplinaridade reconhece vários níveis de realidade e remete ao sentido de interação (NICOLESCU, 1999, p. 150).

Para Moraes (apud VIEIRA, 2010), Piaget tinha consciência da necessidade de ampliar a visão do conhecimento para além do disciplinar, pois a ciência precisaria fazer conexões no conjunto dos sistemas científicos se quisesse avançar.

Há mais de 40 anos, como bom visionário e cientista brilhante do século XX, Piaget já alertava que as fronteiras disciplinares tendiam a desaparecer, alegando que suas estruturas disciplinares são comuns ou solidárias, como é o caso da Biologia e da físico-química. Advogava também a necessidade dos próprios mestres estarem imbuídos de um espírito epistemológico mais amplo, a fim de que pudessem levar o aluno a perceber as possíveis conexões no conjunto dos sistemas científicos, mas sem negligenciar o campo de sua especialidade (MORAES, 2008, p. 133 apud VIEIRA, 2010, p. 229).

Para Piaget, a disciplinaridade não seria substituída por outras abordagens, mas teria a complementação de outras formas de conhecer, enriquecendo e ampliando a visão do cientista.

Nicolescu conceitua a transdisciplinaridade da seguinte forma:

A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento (NICOLESCU, 1999, p. 11).

A transdisciplinaridade é um diálogo entre as disciplinas. É uma nova postura perante os saberes, levando a uma maior profundidade na compreensão da realidade. Torna-se importante a percepção de se fazer conexões, elos, entrelaçar os diferentes saberes para se chegar a uma visão multidimensional da realidade, do contexto.

A percepção da multidimensionalidade permite enxergar que o unidimensional, a visão fragmentada característica do pensamento simplificador, é uma visão limitada e pobre. Ela ampliaria o campo de visão, em que o ser humano percebe-se uno com a natureza, com o cosmos.

Para Vieira (2010), a transdisciplinaridade sempre esteve presente desde os povos antigos, estando na origem do conhecimento humano, a partir das crenças, dos mitos. A civilização antiga, ao construir sua sabedoria a partir da observação do ritmo da natureza, possuía uma mente transdisciplinar. Ao observar os ciclos das chuvas, dos ventos, as fases da lua para a plantação e colheita, demonstrava uma comunhão com a vida, sabia que tudo estava interligado de alguma forma. Respeitava a natureza e os animais, pois eles serviam para alimentar seu povo e, assim, garantir a sobrevivência de sua espécie. Agradecia à mãe natureza através das danças místicas e oferendas. Percebia a existência da teia da vida, que interligava todos os seres como filhos da terra.

se disciplinar. Morin (2007) argumenta que a ciência nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdisciplinar. Segundo ele, “o desenvolvimento da ciência ocidental desde o século XVII não foi apenas um desenvolvimento disciplinar, mas também um desenvolvimento transdisciplinar” (2007, p.52).

Para D’ambrósio, a transdisciplinaridade, além disso, seria uma atitude aberta, que permite reconhecer todos os saberes como importantes, incluindo os mitos e a espiritualidade.

Está claro que a transdisciplinaridade não constitui uma nova filosofia, uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências. Muito menos uma postura religiosa. Nem é, como alguns insistem em mostrá-la, um modismo. O essencial na transdisciplinaridade reside na postura de reconhecimento de que não há espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar como mais corretos – ou mais certos ou mais verdadeiros – os diversos complexos de explicações e de convivência com a realidade. A transdisciplinaridade repousa sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo e mesmo de humildade com relação a mitos, religiões e sistemas de explicações e de conhecimentos, rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência (D’AMBROSIO, 2012, p. 79-80).

A transdisciplinaridade, portanto, reconhece todos os saberes, não colocando um como mais importante do que o outro, sendo uma postura transcultural de respeito às diferenças, de atitude aberta para com as diversas formas de conhecimento.

Moraes, nesse sentido, entende a transdisciplinaridade como,

um princípio epistemológico que nos ajuda a superar as fronteiras disciplinares, as fronteiras do conhecimento, com base na atuação de um sujeito multidimensional, de um ser humano integral e integrado em sua dinâmica operacional reveladora de sua condição humana complexa (MORAES, 2015, p. 88).

A transdisciplinaridade é um princípio que requer que nosso pensamento vá além dos aspectos cognitivos, baseados no desenvolvimento de competências e habilidades e abarque também o mundo emocional, intuitivo e espiritual do sujeito (MORAES, 2014, p. 34). Ela reconhece todas as dimensões do ser humano, inclusive a espiritualidade e a intuição, dimensões essas que o pensamento simplificador considera como fatores desviantes da razão, fonte de erros e ilusões. Por isso se presta a pensar a consciência planetária:

A transdisciplinaridade busca a abertura das disciplinas àquilo que as atravessa e as ultrapassa, não se propõe que se abandone as disciplinas,

ou que se abandone os processos de ensino. Propõe-se que os contextos educativos, com rigor, abertura e tolerância, busquem religar, globalizar, enfim, transdisciplinarizar os conhecimentos, os saberes, as emoções. Possibilitando a construção de uma nova percepção da realidade, oportunizando a ampliação da consciência e desenvolvendo, assim, o cognitivo, o afetivo, o imaginativo, ampliando o compromisso dos sujeitos com a própria vida, com a vida coletiva, com o bem comum e com a construção de uma consciência planetária (SUANNO, 2014, p. 121).

O princípio epistemológico na transdisciplinaridade significa, segundo Moraes (2014), a construção do conhecimento a partir da superação das barreiras disciplinares. Nas palavras da autora,

[...] não é uma nova crença, tampouco é uma nova teoria pedagógica que vem substituir tudo o que temos realizado em educação até agora. Como princípio epistemo-metodológico, e como atitude diante da realidade e do conhecimento, a transdisciplinaridade requer clareza e rigor epistemológico para que possamos esgotar todas as possibilidades relacionadas ao objeto ou às disciplinas trabalhadas. Portanto, a transdisciplinaridade necessita do conhecimento disciplinar, multidisciplinar, ou interdisciplinar (MORAES, 2014, p. 38).

A transdisciplinaridade, portanto, exige abertura para o diálogo das disciplinas para o entendimento do que se encontra além das suas fronteiras, tendo como objetivo a compreensão do mundo. De acordo com Moraes, para esse princípio poder se manifestar é importante a abertura dos sujeitos implicados: “abertura em relação ao processo de construção de conhecimento, em relação ao universo de possibilidades de interconexões, de interdependências, um universo de inseparabilidade” (2014, p. 34).

Cabe, aqui, lembrar do I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade foi em Arrábida, Portugal, no ano de 1994, quando foi redigida a Carta da Transdisciplinaridade, cujo Comitê da Redação foi composto por Edgar Morin, Lima de Freitas e Bassarab Nicolescu.Consta na Carta, particularmente em seu artigo 3, um dos princípios da transdisciplinaridade, que versa sobre sua relação com a disciplinaridade:

A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir do confronto das disciplinas novos dados que as articulam entre si; e ela nos oferece uma nova visão da Natureza e da Realidade. A transdisciplinaridade não busca o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa (CETRANS, p. 02).

A Carta da transdisciplinaridade comporta alguns princípios, como a visão multidimensional do ser humano, da natureza e da realidade. Ela reconhece a existência de diferentes níveis e percepções da realidade e vai ao encontro do diálogo com o conhecimento disciplinar, complementando-o, buscando a abertura das disciplinas para o entendimento e ampliação dos conhecimentos para além das disciplinas. Trata-se, portanto, de uma visão transdisciplinar aberta, que dialoga com a arte, as ciências humanas, a espiritualidade e a poesia (SUANNO, 2014).Na visão de Zabala, “a transdisciplinaridade é o grau máximo de relações entre disciplinas, de modo que chega a ser uma integração global dentro de um sistema totalizador” (2002, p. 33). Para este autor, a transdisciplinaridade propicia a busca da unidade do conhecimento, cuja finalidade é fazer com que a ciência perceba a realidade sem fragmentações.

Porém, quanto à sua finalidade, Nicolescu enfatiza que a transdisciplinaridade é distinta das demais: ela encontra-se na “[...] compreensão do mundo presente, impossível de ser inscrita na pesquisa disciplinar” (1999, p. 13). A transdisciplinaridade busca o entendimento do global, do todo.

Ao diferenciar a multi, a inter e a transdisciplinaridade, Alves afirma:

Na multidisciplinaridade, encontramos a justaposição de conhecimentos, ou olhares distintos, sobre um mesmo fenômeno. A interdisciplinaridade, por sua vez, apresenta a possibilidade de criação de um novo campo de conhecimento a partir de intercambio de saberes de outras disciplinas. E a transdisciplinaridade caracteriza-se por uma forma de abordagem que objetiva integrar disciplinas a fim de entender o mundo (ALVES, 2014, p. 187).

A transdisciplinaridade traz a necessidade de se romper as fronteiras entre as disciplinas, para a abertura de suas epistemologias, visando a integração e contextualização do conhecimento.

Para Silva (2016), o paradigma da complexidade não rejeita a mutilação dos conhecimentos de forma disciplinar, característico do pensamento simplificador, como também não rejeita o professor/especialista.

Mas impõe a ele a necessidade de contextualizar o seu conhecimento numa teia de relações e de imbricações com outras disciplinas. Não interroga, por isso, a simplicidade, a pertinência de uma abordagem específica, local, contingencial, mas a incita ao desafio de situar-se numa contextualidade geral, global, estrutural (SILVA, 2016, p. 29).

vezes ele segue pelo disciplinar, outras vezes pelo multidisciplinar, pelo interdisciplinar e transdisciplinar. O importante é ter a consciência da diversidade de modos de se construir os saberes. Estas quatro possibilidades são como as quatro flechas de um único arco chamado conhecimento, na visão de Nicolescu. Pela lógica da tecnologia e suas técnicas, a disciplinaridade continuará importante para se construir a materialidade no mundo físico. O que se pretende é deixar claro que todas as abordagens são importantes para a construção do conhecimento e o entendimento do mundo, e não a hegemonia de só uma delas constitua o único paradigma da ciência. Além disso, a transdisciplinaridade busca a articulação da razão, da racionalidade com a intuição e com a sensibilidade, desejando uma formação integral do ser humano.

Para Morin a transdisciplinaridade anda de mãos dadas com o paradigma da complexidade.

Para promover uma nova transdisciplinaridade precisamos de um paradigma que, certamente, permita distinguir, separar, opor e, portanto, disjuntar relativamente estes domínios científicos, mas que, também, possa fazê-los comunicarem-se entre si, sem operar a redução. O paradigma da simplificação (redução-disjunção) é suficiente e mutilante. Torna-se necessário um paradigma de complexidade que, ao mesmo tempo disjunte e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzi- los às unidades elementares e às leis gerais (MORIN, 2002, p.53).

Severino Antônio (2002) dá sua contribuição ao pensar a transdisciplinaridade, ao concebê-la como uma nova concepção de conhecimento.

É também um novo método de investigação e exposição, assim como um novo método de ensinar e de aprender – diferentes e indissociáveis, diversos e interligados. A transdisciplinaridade desenvolve uma nova compreensão do ser-humano e do mundo – como rede, teia, trama, tessitura. Multiplicidade: de dimensões, de campos, de sentidos. Interligado, interação, interconexão. Pluralidade. Plurivocidade. Polissemia. Unidade da diversidade. Diversidade da unidade. A existência como contexto – o que é tecido junto, complexamente (ANTÔNIO, 2002, p. 30).

A transdisciplinaridade traz de volta o humano e o subjetivo, vê a realidade como teia, como rede, em que tudo está interligado, a natureza, o cosmo, o ser humano numa complexa e rica existência. Um projeto na Etiópia ilustra o que uma abordagem transdisciplinar em um complexo problema ambiental requer. Nos planaltos do leste da África, a população rural está em um ciclo de subdesenvolvimento e degradação ambiental. A pressão populacional forçou a

agricultura e criação de animais para encostas íngremes e terras frágeis, causando sérias erosões e degradação da vegetação. Ao mesmo tempo, 12 milhões de hectares de solo pesado, porém fértil permanece subutilizado devido à baixa capacidade de drenagem e enchentes recorrentes durante a temporada de chuvas. Na elaboração de uma abordagem para o problema, pesquisadores consideraram o conhecimento do povo local e preferências dos agricultores. Se caminhos para melhorar o ecossistema e bem-estar humano estão para serem identificados, o inter- relacionamento entre dimensões biofísica e humana poderiam ser integradas. Dimensões humanas, política e técnica podem ser integradas aos níveis de terra, família, e bacia hidrográfica da comunidade (KLEIN, 2004).

A transdisciplinaridade é considerada uma ferramenta essencial para gerar novos insights que conduzem a novas soluções, que envolvam processos criativos de aprendizagem mútua e não apenas abordagem periférica. Apesar de a transdisciplinaridade ser uma palavra relativamente nova, o conceito de tomar problemas concretos da sociedade e resolver desenvolver soluções em cooperação com cientistas e outros atores sociais tem uma longa tradição. A emergência da sociedade da informação, com mudanças sociais e econômicas, promove uma nova democratização do conhecimento e envolvimentos de outros setores, como a indústria na produção e gestão do conhecimento (KLEIN, 2001).

A abordagem transdisciplinar respeita a sabedoria dos povos, os saberes e as tradições passadas de geração em geração.

Ela reintroduz e reafirma uma nova epistemologia do sujeito e da subjetividade humana, abrindo o campo do conhecimento não apenas aos conhecimentos disciplinares, mas também às histórias de vida e aos saberes não acadêmicos e às tradições (MORAES, 2015, p. 93).

Na transdisciplinaridade, todas as contribuições são bem vindas nas soluções dos problemas sociais, pois os diversos olhares são importantes na construção do conhecimento e de um mundo melhor acessível a todos.

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