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Complexidade e educação: um estudo sobre a transdisciplinaridade

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

JULIANE MARIA TRUCCOLO

COMPLEXIDADE E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A TRANSDISCIPLINARIDADE

IJUÍ - RS 2017

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JULIANE MARIA TRUCCOLO

COMPLEXIDADE E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A TRANSDISCIPLINARIDADE.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Drª Vânia Lisa Fischer Cossetin

IJUÍ – RS 2017

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T886

Truccolo, Juliane Maria.

Complexidade e educação: um estudo sobre a transdisciplinaridade. /

Juliane Maria Truccolo. – Ijuí, 2017. 104 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Drª Vânia Lisa Fischer Cossetin”.

1. Educação. 2. Transdisciplinaridade. 3. Universidade. 4. Teoria da Complexidade. I. Cossetin, Vânia Lisa Fischer . II. Título.

CDU: 37.015 Catalogação na Publicação

Bibliotecária Responsável Ginamara de Oliveira Lima

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JULIANE MARIA TRUCCOLO

COMPLEXIDADE E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A TRANSDISCIPLINARIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Educação nas Ciências.

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a presente Dissertação:

_________________________________________________________ Profª. Dra. Vânia Lisa Fischer Cossetin (UNIJUÍ) (Orientadora)

_________________________________________________________ Prof. Dr. Sidinei Phitan da Silva (UNIJUÍ)

_________________________________________________________ Prof. Dr. José Pedro Boufleuer (UNIJUÍ)

_________________________________________________________ Prof. Dr. Roque Strieder (UNOESC)

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, professora Vânia Lisa Fischer Cossetin, por ter me acolhido e que, no processo de orientação, se mostrou sempre incentivadora e

generosa.

À professora Eva Teresinha de Oliveira Boff, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências.

Aos professores José Pedro Boufleuer e Sidinei Pithan da Silva, pela participação nas bancas de qualificação e defesa final.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, que me revelaram novos caminhos e outros olhares ao longo do curso.

Aos funcionários da Secretaria do Mestrado em Educação nas Ciências, especialmente à Carmen, sempre dispostos a auxiliar.

À colega Soraya Pereira Corrêa pela companhia nas viagens, nas idas e vindas, nesses dois anos de mestrado.

Aos meus familiares, em especial ao Artênio e William, amores da minha vida, e amigos, que me ouviram falar deste trabalho durante os últimos dois anos.

À Edite Sabbi, pelo carinho e atenção.

Aos meus colegas de trabalho na CGP, do Instituto Federal Farroupilha, com quem pude contar em vários momentos.

Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha, que através do Programa de Incentivo a Qualificação de Servidores, tornou possível a

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Educar a sensibilidade. Reaprender a ver. A

ouvir. A tocar. A sentir. Reaprender a

contemplar a natureza. Desde os sinais no

chão mais despercebido, até as iluminações

das galáxias mais distantes. Reaprender a

aura – das obras de arte, das pessoas, dos

bichos, das plantas, das coisas. Reaprender

admiração e reverência pela vida. Pela

diversidade e pela unidade. E também

educar os afetos, paixões, os desejos: nem

escravizá-los, nem ser escravizado por eles. A

não indiferença diante da dor do outro. A

partilha de projetos e esperanças. A

circulação de vozes.

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RESUMO

A presente dissertação objetiva compreender e problematizar a questão da transdisciplinaridade como uma alternativa para o conhecimento disciplinar e especializado no contexto da universidade para o século XXI. Parte da interlocução com teóricos contemporâneos que defendem a necessidade de pensar a realidade como complexidade, a exemplo de Edgar Morin, para quem a educação deve ensinar o indivíduo a aprender a viver. Ou seja, para o autor, significa prepará-lo para enfrentar as incertezas e os problemas da existência humana, o que seria possível pela abertura para o diálogo interdisciplinar a fim de que sejam produzidos conhecimentos pertinentes e contextualizados e, assim, superada a visão reducionista do paradigma simplificador cartesiano, que dividiu o conhecimento em ciências da natureza e ciências humanas. Para tanto, primeiramente, parte-se da análise do paradigma cartesiano e sua influência na formação da estrutura do pensamento ocidental. Em seguida, propõe-se o paradigma da complexidade como uma possibilidade de superação da fragmentação do conhecimento e com vistas à religação dos saberes. E, por fim, repensa-se a universidade a partir da perspectiva da transdisciplinaridade como uma forma de ultrapassar o conhecimento disciplinar especializado na formação de indivíduos na contemporaneidade. Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico-interpretativo, com foco na teoria da complexidade de Edgar Morin. As reflexões produzidas ao longo da pesquisa indicam que é urgente possibilitar às novas gerações uma reforma especial do pensamento que permita organizar o conhecimento para melhor enfrentar as crises e os desafios contemporâneos. Sob essa perspectiva, seria conveniente à universidade refletir sobre sua função na formação de indivíduos para o século XXI, sem abandonar seu lugar de excelência na produção do conhecimento.

Palavras-chave: Transdisciplinaridade. Universidade. Teoria da Complexidade. Educação.

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ABSTRACT

This dissertation aims to understand and problematize the issue of transdisciplinarity as an alternative to disciplinary and specialized knowledge in the context of the university for the 21st century. Part of the interlocution with contemporary theorists who defend the need to think of reality as complexity, like Edgar Morin, for whom education should teach the individual to learn to live. That is, for the author, it means preparing him to face the uncertainties and problems of human existence, which would be possible by opening up to interdisciplinary dialogue in order to produce pertinent and contextualized knowledge and, thus, overcome the reductionist view of the Cartesian simplifying paradigm, which divided knowledge into the sciences of nature and human sciences. To do so, it is firstly based on the analysis of the Cartesian paradigm and its influence on the formation of Western thought structure. Next, the paradigm of complexity is proposed as a possibility of overcoming the fragmentation of knowledge and with a view to the reconnection of knowledge. And, finally, the university is rethought from the perspective of transdisciplinarity as a way of overcoming disciplinary knowledge specialized in the formation of individuals in the contemporary world. This is a bibliographical-interpretative research, focusing on the theory of complexity of Edgar Morin. The reflections produced throughout the research indicate that it is urgent to provide the new generations with a special reform of the thinking that allows to organize the knowledge to better face the crises and the contemporary challenges. From this perspective, it would be convenient for the university to reflect on its role in the formation of individuals for the twenty-first century, without abandoning its place of excellence in the production of knowledge.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1 PARADIGMA SIMPLIFICADOR OU PENSAMENTO CARTESIANO...12

1.1 A percepção de mundo e os paradigmas do conhecimento...12

1.2 Pensamento simplificador: princípio da redução e da disjunção...15

1.3 A influência do pensamento simplificador na Universidade...22

1.4 Conhecimento e poder...27

1.5 Crise de degenerescência ou de paradigmas...30

2 PARADIGAMA DA COMPLEXIDADE...33

2.1 Pensamento complexo...33

2.1.1 Epistemologia Complexa...39

2.1.2 A compreensão do ser na ontologia complexa...40

2.2 A pressuposição da complexidade: multi, pluri, inter e transdisciplinaridade....42

2.3 A transdisciplinaridade...52

2.3.1 Estado da arte...53

2.3.2 Conceito de transdisciplinaridade...56

3 A UNIVERSIDADE PARA O SÉCULO XXI E A TRANSDISCIPLINARIDADE...63

3.1 Educar para conviver em contextos de incertezas...63

3.2 O conhecimento pertinente para a universidade do século XXI...70

3.3 Educação e transdisciplinaridade...84

CONSIDERAÇÕES FINAIS...95

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INTRODUÇÃO

Religar os saberes na busca da unidade do conhecimento e perceber o mundo com outro olhar, um olhar mais profundo que contemple a vida em toda a sua dinamicidade e beleza: este é o principal objetivo da teoria da complexidade.

Estamos vivendo em um momento histórico marcado por diversas crises, diante de um cenário de incertezas e rápidas mudanças no cotidiano da civilização humana. O conhecimento científico e tecnológico do paradigma científico moderno chegou ao seu limite no que se refere ao entendimento e busca de soluções dos problemas da realidade complexa das sociedades contemporâneas.

Diante disso, surge a necessidade de considerar-se novas formas de compreender a realidade da sociedade contemporânea que se apresenta informatizada. Nesse novo cenário, as instituições de ensino, como as universidades, tendem a considerar os novos padrões de competências e habilidades exigidas dos indivíduos que sairão de seus bancos universitários como profissionais. A educação centrada no disciplinar e na especialização deverá dar lugar para um ensino mais aberto, global e que saiba integrar com outras disciplinas e conhecimentos. Não que as especializações não terão mais lugar nesse cenário, mas para os novos “Knowledge Worker” ou indivíduos conhecedores o conhecimento deverá ser mais universal ou generalista.

Nesse sentido, a universidade precisa se repensar para responder aos desafios postos pela complexidade do mundo conturbado contemporâneo. Os grandes problemas e desafios que se apresentam no atual contexto requerem indivíduos que, além de sua formação técnico-científica, tenham uma cultura geral proveniente das ciências ditas humanistas, que sejam menos especialistas com perspectivas globais.

O modelo de conhecimento disciplinar e fragmentado presente na universidade tornou-se insuficiente para apresentar respostas aos problemas complexos que a sociedade enfrenta em um cenário desafiador, globalizado e altamente tecnológico.

Para a abordagem de problemas complexos a transdisciplinaridade é relevante, pois propicia uma visão que vai além das fronteiras do disciplinar. Ela surge como uma possibilidade de diálogo entre os conhecimentos ou disciplinas, ou

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seja, como uma forma de se fazer a releitura da realidade de mundo para a formação de indivíduos que saibam contextualizar e se situar no mundo globalizado.

Diante disso pergunta-se:

A transdisciplinaridade seria uma alternativa para a busca da unidade do conhecimento no contexto da universidade? Seria ela o modo possível, a partir da teoria da complexidade, de auxiliar na redução de problemas decorrentes de sociedades complexas?

Quais as possibilidades para que a universidade, considerada um espaço de produção de conhecimento, abra-se para novas abordagens como a transdisciplinaridade?

Qual o papel da universidade na formação de indivíduos para a sociedade contemporâneacentrada no conhecimento?

A partir de tais questões, objetiva-se compreender e problematizar a questão da transdisciplinaridade como uma alternativa para o conhecimento disciplinar e especializado no contexto da universidade para o século XXI, pela interlocução com teóricos contemporâneos que defendem a necessidade de pensar a realidade como complexidade, a exemplo de Edgar Morin, para quem a educação deve ensinar o indivíduo a aprender a viver. Ou seja, o intuito é refletir sobre qual caminho possível a ser trilhado pela universidade a fim de que consiga abrir-se para as evoluções sociais decorrentes da tecnociência e das tecnologias, sobre a necessidade de se considerar a complexidade do mundo e da transdisciplinaridade como uma alternativa para novas abordagens do conhecimento e nos processos formativos humanos e profissionais dos indivíduos pertencentes a essa sociedade que está em processo de profundas mudanças.

Para tanto, no primeiro capítulo, objetiva-se apresentar uma análise do paradigma cartesiano e sua influência na formação da estrutura do pensamento ocidental, bem como refletir sobre a crise do conhecimento na contemporaneidade. Nesse contexto, surge a necessidade de um novo paradigma que amplie a visão de mundo e possibilite o encontro de possíveis respostas para os desafios postos pela evolução científica à humanidade.

No segundo capítulo, propõe-se o paradigma da complexidade como uma possibilidade de superar a fragmentação do conhecimento e religação dos saberes em busca da unidade do conhecimento. Considera-se que o pensamento complexo é o pensamento que dialoga com o pensamento simplificador, não de forma

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antagônica, mas complementar, ou seja, através das conexões entre os saberes para a formação do conhecimento pertinente, o que, segundo Morin (2004), é o conhecimento que possibilita situar qualquer informação no contexto da realidade que se encontra.

O terceiro e último capítulo busca repensar a universidade a partir da perspectiva da transdisciplinaridade, como forma de ultrapassar o conhecimento disciplinar e a especialização na formação de indivíduos em contextos contemporâneos. A universidade, aqui, é concebida como a aquela que guarda e produz conhecimento, mas pautada por uma perspectiva aberta para a contextualização dos saberes em benefício da humanidade, rompendo com o pensamento linear e simplificador da disciplinarização. A noção de universidade moderna, amparada no conhecimento disciplinar e fragmentado, talvez não tenha mais lugar na contemporaneidade. O cenário contemporâneo é globalizado, multicultural, aberto, em rede e de múltiplas oportunidades: “Múltiplos padrões, múltiplos propósitos, múltiplos conhecimentos e múltiplos consumidores; e isso para uma única universidade" (BARNETT, 2005, p. 31).

A transdisciplinaridade surge como possibilidade de mudança de consciência diante do desafio para a abertura dos saberes na produção do conhecimento, levando à superação da sua fragmentação. A universidade, nesse sentido, deverá manter-se como o lugar de excelência da produção de conhecimentos, mas também estar disposta a dialogar com vários saberes, adaptando-se às inúmeras mudanças decorrentes da globalização e do avanço da tecnologia que atinge o mundo complexo na contemporaneidade. Universidade que, por fazer parte da sociedade centrada no conhecimento e na informação, precisará abrir-se para o diálogo com vistas à transdisciplinaridade, ajudando a pensar e a promover a integração dos saberes das ciências humanas, das ciências naturais, do senso comum, da espiritualidade, da arte, da literatura, da filosofia. Nas palavras de Almeida Filho (2008, p. 10): “a necessidade de abertura da instituição acadêmica para a sociedade que a abriga e sustenta, indo além do Estado e do mercado, incluindo família e movimentos sociais”.

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1 PARADIGMA SIMPLIFICADOR OU PENSAMENTO CARTESIANO

Este capítulo busca o entendimento dos paradigmas ao longo da história, e como se chegou ao paradigma simplificador ou cartesiano, sendo considerado como o grande paradigma que moldou a civilização ocidental, caracterizado pela divisão da ciência em ciências humanas e ciências naturais.

1. 1 A percepção de mundo e os paradigmas do conhecimento

Ao longo da história da humanidade vários paradigmas orientaram o caminho e o desenvolvimento da civilização. Nossos ancestrais pré-históricos acreditavam que os fenômenos naturais eram atribuídos à natureza. Havia a presença dos ritos e a criação dos mitos para explicar os acontecimentos aos indivíduos do grupo. As narrações mitológicas explicavam o surgimento da vida, onde cada cultura contava sua história, suas lendas, suas superstições e percepções de mundo e de natureza. Os deuses estavam presentes nas várias formas da natureza, através do sol, dos trovões, da força das águas, ventos e animais. O entendimento do mundo dava-se pela observação da natureza em que o homem se via envolvido por ela.

Segundo Nicolescu, os antigos

inventaram a noção metafísica, mitológica e metafórica de cosmo. Eles se acomodavam muito bem a uma realidade multidimensional, povoada de diversas entidades, dos homens aos deuses, passando eventualmente por toda uma série de intermediários. Estas diferentes entidades viviam em seu próprio mundo, regido por suas próprias leis, mas estavam interligadas por leis cósmicas comuns geradoras de uma ordem cósmica comum. Assim, os deuses podiam intervir nos assuntos dos homens, os homens às vezes eram semelhantes aos deuses e tudo tinha um sentido, ora mais, ora menos escondido, mas ainda assim um sentido (NICOLESCU, 1999, p. 03).

Para Marques, nesse tempo

o indivíduo, o grupo e a natureza se confundem como seres idênticos uns aos outros e indistintos na unidade que os amolda e configura, ligados todos ao tempo primordial de suas origens. O que marca os seres não é a história de cada um, mas o surgimento deles em solo comum (MARQUES,1993, p. 15).

A concepção de grupo, de comunidade, estava muito presente nesse período. No mundo antigo das primeiras civilizações, cria-se a matemática como a primeira forma de pensamento organizado.

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Segundo Marques, a matemática é

a ciência dos números e da quantidade, redutora de todas as diferenças a um referencial único. Constroem-se as civilizações da Mesopotâmia e do Egito sob a égide das matemáticas e das diferenças entre os povos reduzidos ao comando único de grandes impérios (MARQUES, 1993, p.16).

Nesse tempo não havia uma única forma de racionalidade para o entendimento do mundo, a compreensão e percepção da vida estavam ligadas aos mitos, poesia, arte, religião, entre outros. A imaginação e a razão confundem-se na concepção de homem.

Na Grécia antiga, a verdade estava contida na natureza, pois em tudo nela havia um entendimento. Denomina-se paradigma ontológico ou metafísico e compreende Platão e Aristóteles. É dominado pelo problema da relação entre o homem e o ser, a consideração e a possibilidade do valor do homem como tal e da validade do ser como tal (ABBAGNANO, 1981). Nessa concepção metafísica há a compreensão de que existe o mundo dado, posto e resolvido. As coisas são como são, pois as respostas já existem no mundo e a verdade é uma só, imutável e válida para todos.

No campo do conhecimento, a distinção é estabelecida de forma sistemática, a partir de Platão, entre “o conhecimento comum”, ou opinião (dóxa) e o “conhecimento buscado” (epistéme), universal, contemplativo, desinteressado, teórico. A Theoria era a posição nobilitante de quem ia, por exemplo, aos jogos olímpicos, não para entender ou para realizar negócios, mas para ver como as coisas aconteciam (Cf.Cícero, Tusculanum, v.3.8). Deste conhecimento teórico distinguiam-se, quer a técnica (técne), como produção do contingente, isto é, dos objetos materiais, quer a prudência (fronésis), virtude da ética, diretriz para a organização da vida política, quer a economia (oikos-nónos), administração dos negócios domésticos (MARQUES, 1990, p.15).

Piaget defende que “nesta ontologia em que se ratificam o eterno retorno e o tempo circular da mesmice repetitiva, fundam-se também as distinções entre o universal e o particular, a essência e a aparência, a matéria e a forma, o corpo e a alma” (apud MARQUES, 1993, p.23). A filosofia grega, assim, buscou desenvolver a epistemologia do conhecimento através da união da matemática de Platão com a lógica de Aristóteles, como o real paradigma do conhecimento.

Na Idade Média a visão de mundo era a de que a verdade estava posta nos escritos sagrados, na Bíblia:

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Antes de 1500, a visão de mundo dominante na Europa, assim como na maioria das outras civilizações, era orgânica. As pessoas viviam em comunidades pequenas e coesas, e vivenciavam a natureza em termos de relações orgânicas, caracterizadas pela interdependência dos fenômenos espirituais e materiais e pela subordinação das necessidades individuais às da comunidade. A estrutura científica dessa visão de mundo orgânica assentava em duas autoridades: Aristóteles e a Igreja (CAPRA, 2006, p. 49).

Nesse período, a Igreja teve o domínio absoluto da cultura e do conhecimento, articulando a filosofia grega, de Aristóteles, e o teocentrismo:

Uma articulação perspicaz da doutrina cristã com a filosofia grega permitiu à Igreja o predomínio cultural ao longo de todo o período medieval. Tal articulação resultou numa instrumentalização da filosofia a serviço da teologia. Assentada sobre princípios eternos e imutáveis, a doutrina filosófico-teológica criou no imaginário cultural daquela época um mundo estático e não transformável. Ao homem restava apenas se conformar, adaptando-se às verdades já prontas (BOUFLEUR, 2015).

No mundo medieval o homem era o centro do universo, ocupava um lugar determinante na compreensão de mundo, e a natureza estava condicionada a ele.

De acordo com Burtt,

acreditava-se que todo o mundo da natureza estava teleologicamente subordinado a ele e a seu destino eterno. Os dois grandes movimentos que se uniram para formar a síntese medieval, a filosofia grega e a teleologia judaico-cristã, haviam levado irresistivelmente a essa conclusão. A visão do mundo que prevalecia no período era marcada por uma confiança profunda e persistente de que o homem, com suas esperanças e ideais, era o fator mais importante e mesmo o controlador do universo (1991, p. 11).

No pensar medieval, a forma de estar no mundo era fortemente influenciada por um pensar místico, uma filosofia religiosa em que se acreditava na imortalidade do homem, em sua comunhão eterna com Deus.

A modernidade, por sua vez, foi e continua sendo fortemente marcada pela visão dualista do homem influenciada pelo paradigma simplificador de Descartes:

Uma ruptura fundamental ocorreu entre o fim da Idade Média e o começo do Renascimento, quando houve uma profunda separação entre o sujeito e o objeto, entre a cultura humanística e as ciências experimentais e quando se passou de uma visão tradicional ternária do homem, tido como sendo composto de corpo, alma e espírito, para uma visão binária corpo e espírito (que se implantou claramente com Descartes), na qual o elemento mediador, a alma, foi suprimido. Essa ruptura acabou desembocando em uma outra, que se consumou no séc. XIX, cuja teoria do conhecimento se

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apoiava em uma visão mecanicista, separativista e cientificista, e que reduziu o real a um único nível e o homem a apenas sua dimensão física, enquanto sujeito ou objeto (NICOLESCU, 1999, p. 148).

No século que se inicia, o mundo se apresenta cada vez mais complexo, trazendo consigo inúmeros problemas, a exemplo da degradação ambiental devido ao progresso material e tecnológico produzido pela ciência. Nesse contexto desafiador surge a necessidade de uma nova concepção de ser humano, de educação, de sociedade, de mundo, para o enfrentamento dos problemas e busca de respostas ou soluções.

Contemporaneamente, vivemos numa era planetária, que tem exigido uma concepção de vida e de consumo mais consciente e humanizada, assentada em valores que promovam a cooperação, a coletividade, a sustentabilidade ambiental, não só com vistas à espécie humana, mas também com relação à natureza como um todo. Para Nicolescu, “é imperativo buscar as leis fundamentais da Vida e a valorização de uma consciência social, ecológica, planetária e espiritual própria da antropologia globalizante” (1999, p. 149), se quisermos sobreviver e continuar nossa evolução como humanidade.

Na próxima seção será exposto e discutido o paradigma simplificador, ou cartesiano, regido pelos princípios da redução e da disjunção, e que teria conduzido à fragmentação e à especialização do conhecimento.

1.2 Pensamento simplificador: princípio da redução e da disjunção

O iluminismo apontouum novo rumo para a humanidade, um mundo marcado pelo pensamento racional e linear, onde o homem apresenta-se como o dominador da natureza e a cultura é marcada pelo entendimento dualista de que há uma separação entre mente e corpo. A comunhão com a natureza, como um mundo vivo e rico, dá lugar a uma natureza servil. O mundo passa a ser visto de forma mecânica, dominado pela técnica e pela ciência. A intuição, a emoção e a fé deram lugar à razão. Nesse mundo, não há exatamente lugar para a subjetividade, para o aspecto emocional.

Para Morin, o pensamento simplificador possibilitou a disciplinarização ou compartimentação dos saberes, de modo a concebê-los desconectadamente com relação à realidade. Ele impôs o pensamento racional e objetivo como norteador

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para a dominação e exploração da natureza:

O pensamento que recorta, isola, permite que especialistas e experts tenham ótimo desempenho em seus compartimentos, e cooperem eficazmente nos setores não complexos do conhecimento, notadamente os que concernem ao funcionamento das máquinas artificiais; mas a lógica a que eles obedecem estende à sociedade e às relações humanas os constrangimentos e os mecanismos inumanos da máquina artificial e sua visão determinista, mecanicista, quantitativa, formalista; e ignora, oculta ou dilui tudo que é subjetivo, afetivo, livre, criador (MORIN, 2003, p.15).

Para Santos (1998), o modelo de racionalidade que preside a ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI. Foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente pelo domínio das ciências naturais, sendo a física envolta por uma linguagem matemática com vistas ao entendimento e domínio da natureza.

A modernidade surge com um novo olhar para o mundo. A perspectiva medieval mudou radicalmente nos séculos XVI e XVII. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual, foi substituída pela noção do mundo como se ele fosse uma máquina, e a máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era moderna (CAPRA, 2006, p. 49).

A racionalidade moderna rompeu com a magia do sobrenatural, das crenças religiosas, bem como da hegemonia da igreja e do feudalismo. A crença volta-se para a ciência objetiva como a única capaz de dar respostas científicas ao novo mundo regido pelo progresso material ilimitado e dominador da natureza. Um novo homem surge, um indivíduo guiado pela razão e emancipação na busca da autonomia na forma de pensar e organizar o mundo. A visão da ciência moderna rompe bruscamente com a visão que os antigos tinham do mundo. O verdadeiro conhecimento é aquele que pode ser verificado e medido pela ciência.

O mundo passa a ser visto como uma grande máquina, por isso o modelo de investigação apoia-se no sistema mecanicista, razão pela qual a natureza e suas leis são entendidas como algo ordenado e estável. O progresso da ciência, assim, se dá pela aquisição do conhecimento utilitário e pragmático com o intuito de dominar e manipular a natureza.

O modelo de racionalidade do pensamento cartesiano simplificador não reconhece o senso comum e a cultura humanista por não apoiarem-se no mesmo método da ciência experimental. Para a ciência moderna, o importante é quantificar o conhecimento através das leis da matemática, pela observação e experimentação.

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Santos lembra que,

o método científico assenta na redução da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana não o pode compreender completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou (SANTOS, 1998, p. 50).

Para este autor (1998), o paradigma cartesiano fecha as portas para os outros conhecimentos que não o científico. Diz ele: “Sendo um conhecimento mínimo que fecha as portas a muitos outros saberes sobre o mundo, o conhecimento científico moderno é um conhecimento desencantado e triste que transforma a natureza num autômato” (SANTOS, 1998, p. 58). Essa visão de mundo não reconhece o senso comum, as tradições passadas de geração em geração e que orientaram homens e mulheres por séculos na vida cotidiana. O paradigma cartesiano, portanto, não reconhece outras formas de conhecimento que não seja o exato, ou seja, baseado numa racionalidade científica. Trata-se de,

um modelo global de racionalidade científica que admite variedade interna mas que se distingue e defende, por via de fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, duas formas de conhecimento não-científico (e, portanto, irracional) potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos,jurídicos, literários, filosóficos e teológicos) (SANTOS, 1998, p. 48).

Para Morin, vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração, cujo conjunto constitui o que chama de o “paradigma de simplificação” (2011b, p. 11). A disjunção separou a filosofia da ciência, permitindo a esta última um grande salto na evolução tecnológica e científica, colocando o ocidente na hegemonia da revolução industrial, influenciando a cultura, a economia e a civilização como um todo. No paradigma simplificador, formulado por Descartes, o princípio de disjunção levou a filosofia a separar-se da ciência. Segundo Morin,

separou a cultura dita humanista, a da literatura, da poesia e das artes, da cultura científica. A primeira cultura, baseada na reflexão, não pode mais se alimentar das fontes do saber objetivo. A segunda cultura, baseada na especialização do saber, não pode se refletir nem pensar a si própria (MORIN, 2011b, p. 76).

Na modernidade, a física tornou-se a ciência dominante, sendo a base de todas as ciências. Tanto que, para Descartes, “toda a filosofia é como uma árvore. As raízes são a metafísica, o tronco é a física e os ramos são todas as outras

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ciências" (CAPRA, 2006, p. 63). Ou seja, “no pensamento moderno, a física e a química desvinculam-se da filosofia para aterem-se ao realismo de suas próprias lógicas e métodos colocados em perspectiva histórica” (MARQUES, 1990, p. 29). Tornou-se, assim, a física a ciência-piloto, baseada no mais simples modelo das leis gerais aplicadas a unidades elementares quantificáveis, isoláveis e identificáveis sem qualquer ambiguidade (1990, p.32).

A linguagem para interpretar a natureza e o mundo vem representada pela matemática. Uma linguagem artificial, que passou a ser elevada, por Galileu, ao nível de uma linguagem comum entre Deuses e homens (NICOLESCU, 1999, p. 03). Tal linguagem passou a ocupar um lugar de destaque e centralidade na ciência moderna. Desse lugar, de acordo com Santos, derivam duas consequências principais:

Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar. O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável cientificamente é irrelevante. Em segundo lugar, o método científico assenta na redução da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana não o pode compreender completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou (SANTOS, 1998, p. 50).

O racional e o intelectual surgem como a nova forma de organizar o mundo físico para dominar a natureza. O homem coloca-se como senhor do mundo, percebendo-se como indivíduo racional que tem o poder de controlar e dominar a natureza, em vista disso é que a razão torna-se absoluta e guia da humanidade para o progresso da ciência e também do lucro que dela pode advir.

Para Marques:

A razão é conquista intrinsecamente individual. Para o homem esclarecido, nada poderá estar fora ou acima da razão dele. Nisto repousa uma doutrina abstrata dos direitos humanos e aí se assentam os princípios do liberalismo político e da propriedade privada, como implicação lógica do individualismo de quem a si mesmo basta (MARQUES, 1993, p. 46).

O pensamento de Descartes, a partir do “Cogito, ergo sum”, ou seja, do “Penso, logo existo”, coloca o homem como o centro do universo, dominador da natureza pelo uso da razão e da ciência. A mente separou-se do corpo, a matéria da mente, o que teria influenciado profundamente a percepção de mundo e de homem ocidental moderno. A visão que este passou a ter de si, na concepção cartesiana

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mecanicista como é a de que não passa de uma pequena engrenagem a compor a grande máquina chamada Universo.

O determinismo mecanicista, para Santos: “é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e transformar”(SANTOS, 1998, p. 51). O conhecimento, portanto, assume uma dimensão utilitária, qual seja: dominar a natureza para transformá-la, subjugá-la. Na Moderna Ciência da Natureza “o conhecimento não se funda na interpretação intelectual dos fenômenos, mas na determinação de transformá-los para dominá-los” (MARQUES, 1993, p. 42).

Morin lembra que o paradigma simplificador foi,

o grande paradigma do ocidente, formulado por Descartes e imposto pelo desdobramento da história européia a partir do século XVII. O paradigma cartesiano separa o sujeito e o objeto, cada qual na esfera própria: a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado; a ciência e a pesquisa objetiva, de outro. Esta dissociação atravessa o universo de um extremo ao outro: sujeito/objeto, alma/corpo, espírito/matéria, qualidade/quantidade, finalidade/causalidade, sentimento/razão, liberdade/determinismo, existência/ essência (MORIN, 2011a, p. 25).

A modernidade vem amparada na metafísica do subjetivismo, no desenvolvimento do individualismo, na manifestação dos mitos. Para Morin, “nesse período há o surgimento de três mitos: o mito de domínio do universo, formulado por Descartes, Buffon, Marx, o mito do progresso, da necessidade histórica, que se impõe a partir de Cordorcet, e, por fim, o mito da felicidade” (2011c, p.22). O progresso material proporcionado pela ciência, assim, trouxe consigo a crise nas várias esferas da existência humana, da economia das nações, do conhecimento, da felicidade, como também uma grande degradação do ecossistema e a extinção de várias espécies animais.

Para Burtt (1991), a figura de Newton foi decisiva para o rompimento com o pensamento medieval, através do surgimento de uma nova forma de pensamento, em que a filosofia foi deixada de lado e a ciência, com sua linguagem matemática, posta como a forma de dominar a natureza para conhecer o universo, através da descoberta das leis do movimento e da lei da gravitação universal. A ciência de Newton influenciou fortemente as mentes dos intelectuais europeus, dando um novo rumo ao pensamento científico da época, em que a concepção de homem e de

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razão mudaria para sempre o caminho da humanidade, permitindo a emergência da modernidade e as ciências exatas como forma de racionalidade para decodificar a natureza e o universo.

A linguagem da ciência moderna é uma linguagem técnica, objetiva e rigorosa, indo contra todo e qualquer conhecimento proveniente da linguagem do senso comum, ou que permite o uso de metáforas. Nesse sentido, Santos afirma que:

a ciência passou a confiar exclusivamente numa linguagem incomum por excelência, a linguagem matemática, considerando-a a única capaz de restituir por inteiro o rigor do conhecimento científico moderno. Desde então, foram marginalizadas, tanto a linguagem vulgar, como a linguagem literária e humanística, ambas indignas, pelo seu caráter analógico, imagético e metafórico, do rigor técnico do discurso científico (SANTOS, 1989, p. 112).

Além da linguagem matemática, e tendo a Física como a rainha das ciências, a ciência moderna preza pelo determinismo, busca a objetividade ao máximo pelas suas leis, orientando-se pelo paradigma da simplicidade onde o conhecimento é fragmentado em disciplinas cujo foco é a especialização.

Nesse sentido, Nicolescu afirma que “a ciência moderna amparou-se em três postulados fundamentais: a existência de leis universais, de caráter matemático; a descoberta destas leis pela experiência científica; a reprodutividade perfeita dos dados experimentais” (1999, p. 03).

O pensamento simplificador, disjuntivo, centrado no rigor do conhecimento científico hiperespecializado, conduziu a um universo burocrático desumano e irracional, levou a humanidade, segundo Morin, a desenvolver uma inteligência cega (2011b). Na primeira metade do século XX a humanidade passou por grande sofrimento com o advento da primeira e segunda Guerra Mundial, que revelou o quanto a ciência esteve a serviço dos interesses políticos e econômicos dos grandes impérios. A inteligência cega não vê a totalidade dos sistemas, apenas as partes desintegradas: “[...] destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os seus objetos do seu meio ambiente. Ela não pode conceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada. As realidades-chave são desintegradas” (MORIN, 2011b, p.12). Para Morin (2013a), o pensamento científico, sob a perspectiva do pensamento linear cartesiano, chega à verdade através de quatro grandes meios, que são: o princípio da ordem, o princípio da separação, o princípio da redução e o

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princípio dedutivo-indutivo-identitário.

O princípio da ordem seria o primeiro princípio, com caráter determinista, seria um conceito mais amplo e que daria a ideia de que os fenômenos na natureza são estáveis, constantes e obedecem a uma regularidade. Para Morin, esse princípio é cíclico, repetitivo, não abre espaço ao novo e à criatividade, pois tudo é regido sob um forte determinismo que não aceita desvios no caminho. O segundo princípio, denominado de separação, compreende o conhecimento objetivo, da análise dos fenômenos, que concebe a separação do objeto observado do sujeito observador. Além disso, nele a organização do conhecimento se dá em disciplinas, que desemboca no desenvolvimento do conhecimento especializado. O princípio da redução, por sua vez, seria o terceiro princípio, em que o conhecimento das unidades leva ao conhecimento dos conjuntos, dos quais as unidades são os componentes. O quarto e último princípio é denominado dedutivo-indutivo-identitário, para o qual a verdade é entendida como absoluta, sem margem para o erro ou o contraditório, os quais podem ser eliminadas no processo de raciocínio ou ele próprio excluído.

O desafio da complexidade é o de romper com a visão fragmentada, na qual a ciência se assentou. Isto quer dizer que é preciso pensar sob outra dimensão, organizar o conhecimento para que esse possa desembocar num conhecimento que religue, contextualize, reúna as informações e saberes para o conhecimento complexo. Conhecimento que é entrelaçado, tecido junto, que concebe a incerteza como algo natural no percurso da história e que reconhece que não há verdades absolutas.

A tecnociência não só produziu a inteligência cega, levando à hiperespecialização do conhecimento, sendo que os próprios especialistas não chegam a um entendimento para as respostas às crises que se apresentam no mundo globalizado. Para sair da crise se faz necessário a quebra de paradigmas, ou seja, a busca por outro entendimento de mundo e de vida a partir da compreensão do paradigma da complexidade. A aposta é num futuro da civilização e da ciência contando com o despertar de uma nova consciência e racionalidade, que traga equilíbrio e esteja em sintonia com o ecossistema planetário.

Para Pena-Vega (2014), a ciência tornou-se o grande mito moderno, sendo o ator principal no campo do conhecimento. O poder das nações vinculou-se ao conhecimento científico, impactando profundamente nas relações humanas, ao

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ponto de o conhecimento tornar-se o maior poder que uma nação pode ter nas sociedades desenvolvidas.

Quanto ao progresso técnico-científico que a ciência trouxe para a civilização ocidental, Morin é enfático ao afirmar que esta modernidade está morta, pois considera a ciência como ambivalente, já que nada foi como esperávamos que fosse. Segundo ele, “a modernidade é definida como fé incondicional no progresso, na tecnologia, na ciência, no desenvolvimento econômico, então esta modernidade está morta” (MORIN, 2011a, p. 62). Para este autor, é através da abertura para a ideia de pensamento complexo que a humanidade poderá reagir e transformar o mundo para melhor. Para tanto necessita compreender a relação indivíduo/sociedade/espécie para continuar sua existência no mundo.

Nesse sentido, a educação, na modernidade, espelhou-se no método cartesiano, engavetando o conhecimento em disciplinas fechadas, descontextualizadas do mundo real, em que o ensino simplificador e tecnicista seguiu o processo de disjunção e redução do conhecimento pela disciplinarização. A universidade, por seu turno, não ficou de fora da influência do pensamento simplificador. Eis o que será tratado na próxima seção.

1.3 A influência do pensamento simplificador na Universidade

A cultura ocidental orgulha-se de ser científica. Imersa no pensamento racional, linear, concentrado, analítico, cartesiano, moldou toda a forma de conhecimento na era moderna, influenciando profundamente a educação (CAPRA, 2006).

O paradigma simplificador e disjuntivo fragmentou o conhecimento em disciplinas, os saberes foram compartimentados em grandes áreas, surgindo o especialista como o detentor do conhecimento, cada qual no seu espaço determinado pela ciência. O currículo dos cursos passou a organizar-se em matérias, separadas por áreas, especialmente em humanas e da natureza, não havendo comunicação ou conexão entre elas. Assim como o espaço das instituições de ensino foi dividido em departamentos organizados para realizar com objetividade e ordem o trabalho técnico e burocrático, o currículo organizou-se em parâmetros disciplinares com saberes fragmentados em matérias e submatérias, e os especialistas cada qual em sua especialidade.

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O paradigma simplificador ou cartesiano dividiu o que antes estava unido. Aquilo que, para os gregos, representava o “enkuklios paidéia”, a formação ideal para o cidadão grego a ter um desenvolvimento intelectual para construir o homem como homem e cidadão (ZABALA, 1999). Para Zabala “os sofistas gregos já haviam definido o programa de uma enkuklios paidéia, ensino circular que devia levar o aluno a percorrer as disciplinas constitutivas da ordem intelectual centradas em um desenvolvimento humano entendido como um todo” (1999, p. 17).

Na modernidade, a cultura das humanidades separou-se da cultura das ciências, elevando em importância as ciências “duras” para se chegar a um progresso científico-tecnológico centrado na razão, o que nunca antes foi visto na civilização.

Segundo Capra,

a ênfase dada ao pensamento racional em nossa cultura está sintetizada no célebre enunciado de Descartes, “Cogito, ergo sum” – “Penso, logo existo” – o que encorajou eficazmente os indivíduos ocidentais a equiparem sua identidade com sua mente racional e não com seu organismo total (CAPRA, 2006, p. 37).

A modernidade veio ancorada nos ideais iluministas, significando, na esfera da economia, a possibilidade de o indivíduo obter, através do trabalho, os serviços e bens necessários ao próprio bem-estar. Na esfera política, conquistou a capacidade de exercer a cidadania e, na esfera cultural, o livre uso da razão, garantindo a todos os indivíduos o direito de acesso à cultura, à escola e à emancipação em todos os níveis de sua existência.

A educação e a cultura, a partir do seu paradigma cartesiano, moldaram os indivíduos através de seus conhecimentos, pensamentos e ações. O mundo ocidental, a partir de Descartes no século XVII, dissociou o sujeito do objeto, separando cada um dentro do seu pequeno universo. Assim, a alma separou-se do corpo, o espírito da matéria, a emoção da razão, a existência da essência, sendo que a razão passou a imperar na totalidade da nova racionalidade do paradigma simplificador.

A educação pegou para si, emprestado da ciência, a ideologia técnico- científica da racionalização, a qual é fonte de erros e ilusões por ter a crença em um modelo mecanicista e determinista. A educação, para Morin (2011a), precisa renovar-se, ser uma educação transformadora, a partir da construção de um

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conhecimento de natureza transdisciplinar, considerando as relações da tríade indivíduo/sociedade/natureza, ampliando a visão simplificadora do mundo e das relações do ser humano e natureza.

A visão simplificadora, fragmentada e racional da vida, com a divisão entre espírito e matéria, levou o ocidente a conceber o mundo como uma grande máquina e o universo como um sistema mecânico onde os objetos estão organizados de forma separada, tendo como única verdade absoluta o conhecimento científico.

A natureza é descrita matematicamente e explorada, dominada pela utilização do método empírico da ciência, pela quantificação da matéria. A revolução científica substituiu a concepção orgânica da natureza, pela metáfora do mundo como máquina (CAPRA, 2006, p. 52).

Na modernidade, com o advento da industrialização, surge uma nova forma de sociedade denominada capitalista, centrada no lucro e na alienação do trabalho, e mais: no racionalismo, na padronização do trabalho e dos meios de produção. Criou, assim, a ilusão de um progresso infinito através da tecnociência e do crescimento econômico. O desenvolvimento traria prosperidade, bem-estar material, felicidade, redução das desigualdades entre os povos, paz entre as nações. Isso realmente aconteceu, mas não para a maioria da humanidade. Boa parte dos seres humanos ainda passa fome e outras necessidades. Instalou-se uma cegueira coletiva e a ilusão do progresso infinito às custas da dominação da natureza e da exploração do ser humano.

Para Morin (2011a), no tempo que estamos vivendo há uma crise da humanidade, ou melhor, uma crise cognitiva, presente na cultura ocidental moderna. O que seria fruto do pensamento dicotômico formulado por Descartes e que levou a privilegiar a mente em detrimento da matéria, como se fossem coisas separadas e diferentes. Isso levou a cultura ocidental a valorizar o trabalho mental em detrimento do trabalho braçal, e os indivíduos a se verem como egos isolados existentes dentro de seus próprios corpos (CAPRA, 2006).

O pensamento deveria ser racional, destituído de emoção e paixão, pois as mesmas levam o indivíduo à ilusão e ao erro. O homem moderno racional esqueceu o seu conhecimento intuitivo, o não-intelectual, a percepção consciente da vida, o espiritual, o subjetivo. Tornou-se imperativo para a existência humana o comportamento competitivo e individualista, onde impera o darwinismo social. Ao

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invés da cooperação, há a agressividade, a auto-afirmação.

Mas o ser humano ainda não se deu conta, segundo Morin, de que no mundo tudo está interligado, o que acontece em um canto repercute em vários outros, de que temos um destino comum, pois a humanidade é uma comunidade de destino, “somos filhos da Terra, filhos da Vida, filhos do Cosmos” (2013b, p. 104). É preciso compartilhar o conhecimento, as riquezas, agregar valor às culturas esquecidas, valorizando a natureza como o bem mais precioso que a humanidade poder ter. Talvez seja uma utopia, mas precisamos ter esperança na humanidade.

É esta concepção simplificadora do conhecimento e do mundo que Morin denuncia. Para ele, o paradigma da simplificação é aquele que possui princípios de disjunção, abstração e redução: “Descartes formulou este paradigma essencial do Ocidente, ao separar o sujeito pensante (ego cogitans) e a coisa estendida (res extensa), isto é, filosofia e ciência, e ao colocar como principio de verdade as ideias 'claras e distintas', ou seja, o próprio pensamento disjuntivo” (2011b, p.11), tal pensamento leva à inteligência cega, pois priva as ciências e a filosofia da capacidade de auto-reflexão e ao autoconhecimento, como também leva à hiperespecialização. Para Morin (2011b, p. 12), “a inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os seus objetos do seu meio ambiente. Ela não pode conceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada”. A maneira como os conhecimentos foram organizados, a partir da disjunção sob a forma disciplinar, permitiu que o ser humano adquirisse conhecimentos que ampliaram seus horizontes em várias dimensões, porém esse mesmo conhecimento o cegou para perceber a grandeza da natureza e suas relações e inter-relações entre si.

O conhecimento da ciência levou ao progresso míope na esfera econômica e técnico-científico da humanidade, mas ao mesmo tempo ajudou na degradação ambiental, no uso das armas químicas, na energia nuclear e seus inúmeros desastres, só para citar alguns exemplos. O conhecimento linear, característico da simplificação, levou a humanidade à crise em várias dimensões. Para Barbosa, os princípios constitutivos do paradigma simplificador podem designar-se e concatenar-se das concatenar-seguintes formas:

Princípio da universalidade, princípio da reversibilidade temporal, princípio de redução à unidade elementar simples, princípio de causalidade linear, princípio de redução à ordem determinista, princípio de isolamento e

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disjunção do objeto em relação ao seu ambiente, princípio de disjunção absoluta entre o objeto e o sujeito que o percebe/concebe, e o princípio de fiabilidade absoluta da lógica (BARBOSA,1997, p. 32).

Outro ponto a considerar em relação ao discurso científico e sua linguagem na formação do processo do conhecimento é a exclusão de elementos não cognitivos, tais como a emoção e a paixão, sentimentos estes que induziriam o cientista a erros, pois seriam fatores de perturbação da racionalidade científica. A paixão, mesmo na busca da verdade, é incompatível com o espírito científico, de modo que sua presença conduz o indivíduo a agir e a pensar irracionalmente. Levado pelas emoções, estaria passível a cometer erros (SANTOS, 1989).

Diferentemente das ciências da natureza, para Morin, a cultura humanística,

[...] é uma cultura genérica, que, pela via da filosofia, do ensaio, do romance, alimenta a inteligência geral, enfrenta as grandes interrogações humanas, estimula a reflexão sobre o saber e favorece a integração pessoal dos conhecimentos. A cultura científica, bem diferente por natureza, separa as áreas do conhecimento; acarreta admiráveis descobertas, teorias geniais, mas não uma reflexão sobre o destino humano e sobre o futuro da própria ciência (MORIN, 2000, p. 17 apud PETRAGLIA, 2014, p. 132).

O conhecimento especializado, lógico e objetivo, é característico da cultura científica, enquanto que a cultura humanística baseia-se num conhecimento mais geral, amplo e subjetivo. Morin é enfático ao afirmar que, para o indivíduo comum, é difícil entender e assimilar a cultura científica devido à sua ampla ramificação de disciplinas e subdisciplinas, formuladas por uma linguagem especializada e de difícil compreensão. O conhecimento, nesse sentido, fica no poder de um grupo fechado de cientistas, cada qual na sua especialidade, sendo que mesmo entre eles não há entendimento unívoco, devido ao grande volume de pesquisas e novos conhecimentos que se multiplicam em pouco tempo. Para ilustrar este parágrafo, vale mencionar o exemplo de D’ambrózio ao se referir à especialização do conhecimento: “Costuma-se falar do oftalmologista do olho direito, incapaz de detectar uma miopia do olho esquerdo” ou, ainda, “conta-se do matemático que ao iniciar a sua conferência diz que somente dois outros colegas em todo o mundo poderiam entender o que ele vai falar” (2012, p. 76).

A seguir, será feita uma reflexão sobre a relação entre conhecimento e o poder que ele fornece aos detentores do saber. Poder esse que está em sua maior parte nas mãos dos políticos dos Estados-nações, os detentores do domínio do

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conhecimento científico produzido pelos cientistas.

1.4 Conhecimento e poder

Outro ponto importante destacado por Morin (2011d) é de que o conhecimento dá poder. Poder, muitas vezes, gerado no interior das universidades a partir da formação dos cientistas. Desde os tempos em que o ser humano passou a ter consciência de si mesmo, o poder já era destinado a alguns privilegiados da tribo, ou seja, os sacerdotes. Com a intenção de controlar e dominar a maioria ditavam o comportamento, as regras, o rumo e as decisões que a comunidade deveria tomar.

Hoje, esse controle tem outro sentido e se encontra nas mãos das grandes nações. O cientista não tem mais controle sobre suas pesquisas e o conhecimento que produz, tornou-se um operário que vende seu serviço. O que impera é a mercantilização do conhecimento, o poder econômico sobre o conhecimento científico, controlado politicamente pelo Estado-Nação. O conhecimento, segundo Morin, dá poder, mas frequentemente não aos seus conhecedores:

Os detentores de conhecimento estão quase sempre submetidos aos que dispõem de poder coercitivo, que é político, policial, militar. Assim, hoje, efetivamente, a ciência, a técnica, a competência, produzem, sem cessar, poderes, ao produzirem conhecimentos, mas o poder da ciência é captado, coordenado e o poder dos cientistas, que não está politicamente organizado, é controlado/dominado pelo poder da organização política. Assim, embora a ciência produza um poder gigantesco, os cientistas são impotentes para utilizá-lo. Pode-se compreender, então, que o conhecimento dá poder aos que sabem e reforça o poder dos que controlam os detentores de saber (MORIN, 2011d, p. 128).

A universidade, através dos centros de pesquisa, tornou-se o lugar da produção do conhecimento especializado, muitas vezes a serviço dos detentores do poder. Nesse sentido, ao se referir à organização do trabalho científico no mundo globalizado, Santos afirma que a industrialização produziu dois efeitos principais:

Por um lado, a comunidade científica estratificou-se, as relações de poder entre cientistas tornaram-se mais autoritárias e desiguais e a esmagadora maioria dos cientistas foi submetida a um processo de proletarização no interior dos laboratórios e dos centros de investigação. Por outro lado, a investigação capital-intensiva (assente em instrumentos caros e raros) tornou impossível o livre acesso ao equipamento, o que contribuiu para o aprofundamento do fosso, em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, entre os países centrais e os países periféricos (SANTOS, 1998, p. 59).

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A classe dos cientistas foi perdendo a capacidade auto-reflexiva de pensar sobre o seu trabalho e o seu impacto na vida dos indivíduos comuns. Passou a ser um “operário intelectual” a serviço da indústria da ciência, despossuído do controle do conhecimento que produz. A comunidade científica e a indústria fizeram o “pacto faústico”, ou seja, os investigadores que possuem pesquisas com financiamento industrial ficaram atados à empresa financiadora dos projetos:

As remunerações vultosas que recebem e os melhores equipamentos e outras infraestruturas de investigação de que passam a dispor são obtidos à custa da perda de autonomia, de conflitos constantes entre as pressões de curto prazo da empresa e as perspectivas de longo prazo próprias dos critérios científicos de investigação e de inevitáveis cedências na avaliação da maturidade, representatividade ou fiabilidade dos resultados (SANTOS, 1999, p. 176).

Morin alega que o grande problema é o “domínio do domínio da natureza que hoje causa problemas” (2005, p. 36). E acima dos Estados-nações não há quem faça o controle desse domínio, nem a classe dos cientistas é suficientemente organizada e consciente da importância de se ter o controle das decisões tomadas pelos que realmente possuem o poder de decisão no mundo. Por isso, “o problema do controle da atividade científica tornou-se crucial e supõe o controle dos cidadãos sobre o Estado que os controla, bem como a recuperação do controle pelos cientistas, o que exige a tomada de consciência” (MORIN, 2005, p. 36). O progresso da consciência que os cientistas deveriam ter é a questão da ética do conhecimento, que não possui julgamento de valor e consciência moral.

A reforma do paradigma de conhecimento aponta também nessa direção: uma reforma que a ciência e os cientistas possam se submeter para que se tenha também a consciência da dimensão do poder que os Estados-nações possuem com relação ao controle do conhecimento gerado pela ciência. Ou seja, é a capacidade de reflexão e auto-reflexão que os cientistas precisam desenvolver: “[...] a crise intelectual que concerne às idéias simplórias, abstratas, dogmáticas, a crise espiritual e moral de cada um diante de sua responsabilidade, no seu próprio trabalho, são as condições sinequa non do progresso da consciência” (MORIN, 2005, p. 35).

A especialização do conhecimento em áreas tornou o cientista ignorante nas outras áreas de conhecimento que não domina, tornando-o incapaz de refletir sobre a dimensão do conhecimento científico produzido, o qual poderá afetar toda a

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natureza, o mundo, o destino de todos. Para Morin, “os cientistas produzem um poder sobre o qual não têm poder” (2005, p. 18). Isso seria resultando da ciência moderna que organizou o conhecimento científico e seus saberes em disciplinas especializadas, distantes umas das outras, o que levou Santos (1998) a dizer que “o cientista é um ignorante especializado”, e o cidadão comum um “ignorante generalizado”. Por isso a educação tem papel fundamental nesse contexto, porque ela é que assume a responsabilidade de formar estes indivíduos especializados ou não.

Segundo Nicolescu, quanto à responsabilidade social e ética dos cientistas e os desafios postos em decorrência da evolução tecnológica no século XXI, pode-se ler o que segue na Declaração de Veneza:

Os desafios de nossa época: o desafio da autodestruição de nossa espécie, o desafio da informática, o desafio da genética, etc., mostram de uma maneira nova a responsabilidade social dos cientistas no que diz respeito à iniciativa e à aplicação da pesquisa. Se os cientistas não podem decidir sobre a aplicação da pesquisa, se não podem decidir sobre a aplicação de suas próprias descobertas, eles não devem assistir passivamente à aplicação cega destas descobertas. Em nossa opinião, a amplidão dos desafios contemporâneos exige, por um lado, a informação rigorosa e permanente da opinião pública e, por outro lado, a criação de organismos de orientação e até de decisão de natureza pluri e transdisciplinar (NICOLESCU, 1999, p. 174).

O cidadão comum não tem conhecimento, principalmente o conhecimento conceitual da ciência, especializado e a capacidade de reflexão crítica sobre ela, por não dispor de tempo e capacidade, sendo seu destino determinado pelas decisões tomadas pelos detentores do poder. Para tornar possível o entendimento ao cidadão comum, Morin (2005) diz que a reforma da educação deveria proporcionar o conhecimento que promova a capacidade de reflexão para todos os indivíduos, ou seja, “na utilidade de um conhecimento que possa servir à reflexão, meditação, discussão, incorporação por todos, cada um no seu saber, na sua experiência, na sua vida...” (2005, p. 30).

Cabe considerar também que o estágio atual da ciência evolui de maneira surpreendentemente rápida, produzindo conhecimentos que chegam aos indivíduos como informações disponíveis na internet. Para Morin, contudo, “todo excesso de informação obscurece o conhecimento” (2005, p. 99). A enxurrada de informações disponibilizada na mídia eletrônica sobrecarrega o indivíduo em sua capacidade de discernimento e contextualização dos fatos, como também a internet promove a

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dispersão do conhecimento. É um dos fatores que tem ocasionado a crise dos paradigmas. Ou seja, uma crise profunda de valores devido às cegueiras que o paradigma simplificador deixou como herança. Eis o tema a ser tratado na sequência.

1.5 Crise de degenerescência ou de paradigmas

Uma nova era desponta a partir das reflexões quanto ao progresso que a modernidade não conseguiu realizar. E há uma infinidade de crises que a humanidade enfrenta nesse cenário de incertezas e cegueiras regido pelo pensamento simplificador no mundo ocidentalizado. Crises essas que repercutem em vários aspectos nas sociedades, incluindo instituições de ensino, como a universidade.

Para Santos,

as insuficiências estruturais do paradigma científico moderno é o resultado do grande avanço no conhecimento que ele propiciou. O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda. Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna, um rombo, aliás, mais importante do que o que Einstein foi subjetivamente capaz de admitir. Um dos pensamentos mais profundos de Einstein é o da relatividade da simultaneidade. Einstein distingue entre a simultaneidade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e a simultaneidade de acontecimentos distantes, em particular de acontecimentos separados por distâncias astronômicas (SANTOS, 1998, p. 54).

Agora o que passa a ser questionado é a hegemonia da ciência e de sua racionalidade instrumental, bem como todo o seu desenvolvimento tecnológico que tornou possível todo o desenvolvimento da sociedade industrial a partir do conhecimento especializado. Ao mesmo tempo em que se tem o conforto material e toda tecnologia disponível, tem-se uma natureza em colapso, animais em ritmo de extinção, poluição e todo lixo tecnológico que se acumula em todos os cantos do mundo, comprometendo a qualidade de vida para as futuras gerações. A modernidade apresenta uma visão estreita da racionalidade para interpretar e estar no mundo.

A lógica do pensamento simplificador funciona a partir de dois processos que, segundo Morin, seriam: “o primeiro processo é a disjunção: nós catalogamos. Você tem, então, coisas justapostas que não se comunicam. O segundo processo, aparentemente contrário, mas que chega à mesma mutilação é a redução; você

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reduz sempre o complexo ao simples” (MORIN, apud PETRAGLIA, 2015, p. 91). Enquanto para o pensamento simplificador é importante a disjunção e a redução, para o pensamento complexo é relevante distinguir e associar para compreender os fenômenos da realidade do mundo.

A ciência e a epistemologia científica, com seu pensamento simplificador, encontram-se em crise. Santos (1989) afirma que vários cientistas reconhecem a limitação da ciência moderna para explicar novos fenômenos da natureza provenientes da física quântica, química, biologia, cibernética, etc.Para Santos (1989), estamos passando por uma época de transição de paradigmas, o que ele denomina de “crise de degenerescência”. Uma crise profunda que irá mudar a concepção de ciência e de mundo:

As crises de degenerescência são crises de paradigmas, crises que atravessam todas as disciplinas, ainda que de modo desigual, e que as atravessam a um nível mais profundo. Significam o pôr em causa a própria forma de inteligibilidade do real que um dado paradigma proporciona e não apenas os instrumentos metodológicos e conceituais que lhe dão acesso (SANTOS, 1989, p. 18).

Para Bachelard (1978), a história das ideias não se dá por evolução ou continuísmo, mas através de rupturas, revoluções, cortes epistemológicos. E foi na própria ciência que os cientistas se depararam com as contradições, com o caos e a desordem do universo, questionando o determinismo da ciência clássica e o seu paradigma, que reduziu a natureza a um mero objeto a ser manipulado. Com as novas descobertas no campo da física, a partir da mecânica quântica e da relatividade, os fenômenos físicos da microfísica fizeram a ciência ter uma nova reflexão sobre o ser humano, dando-se conta de que ele não está sozinho na imensidão do universo.

O desenvolvimento tecnológico produzido pela ciência levou a evolução do conhecimento a outra dimensão. Morin, nesse sentido, defende que “a tecnologia, o avanço tecnológico, alarga consideravelmente o campo do cognoscível, isto é, o campo do que pode ser visto, percebido, observado e concebido” (MORIN, 2005, p. 64).

Para Zabala, os problemas das pessoas são problemas complexos e globais. A ciência opera sob outra dimensão, diferente da vida real dos indivíduos.

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O sentido do conhecimento incluído nas diferentes ciências, e seus problemas internos e específicos, não são os problemas relevantes para as pessoas. O saber científico somente pode ter sentido educativo quando está a serviço do desenvolvimento humano em suas vertentes pessoais e sociais (ZABALA, 2002, p. 58).

Zabala tece uma crítica ao considerar que a educação se baseou em alguns dos princípios da ciência, como a fragmentação do conhecimento. Para este autor, a escola dever educar para a complexidade da vida, pois os problemas que se apresentam não se reduzem a uma área de conhecimento: a escola deve propiciar “uma formação que facilite uma visão mais complexa e crítica do mundo, superadora das limitações próprias de um conhecimento parcelado e fragmentado que, sabemos, é inútil para enfrentar a complexidade dos problemas reais do ser humano” (ZABALA, 2002, p. 58).

Na contemporaneidade, o conhecimento produzido pela ciência precisa estar em sintonia com o mundo real e multidimensional. Só assim poderá ser possível uma mudança de paradigma, que venha a fazer sentido e trazer uma nova perspectiva de um mundo melhor e mais civilizado. O conhecimento científico não pode estar desmembrado da dimensão social em que a humanidade está inserida. Por isso Morin (apud PESSIS-PASTERNAK, 1993, p. 87), pode dizer que o objetivo do conhecimento não é descobrir o segredo do mundo numa palavra-chave, mas é dialogar com o mistério do mundo.

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