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Educar para conviver em contextos de incertezas

3 A UNIVERSIDADE PARA O SÉCULO XXI E A

3.1 Educar para conviver em contextos de incertezas

No tempo em que vivemos, caracterizado por uma globalização desenfreada, em que a tecnologia cruza todas as fronteiras, marcado pelas incertezas e problemas sociais complexos, torna-se urgente uma reforma de pensamento. Transformação que leve a uma nova forma de educar para pensar e estar no mundo, que desperte a consciência de que a natureza e seus ecossistemas precisariam ser respeitados e preservados como um bem universal, que na mente dos jovens floresça a consciência de que o destino da vida no planeta depende de todos.

Para Morin, a globalização é um dos desafios do mundo contemporâneo.

O desafio da globalidade é também um desafio de complexidade. Existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa era planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais frequência, com os desafios da complexidade (MORIN, 2003, p.14).

olhar abrangente tendo em vista o todo, ou seja, na perspectiva de direcionar os currículos multidisciplinares para uma perspectiva interdisciplinar, na sequência, para se chegar à transdisciplinaridade. A nova geração, nesse contexto, precisaria ser educada para resolver os problemas do seu tempo, e saber que não há um conhecimento absoluto e total, mas sim que ele é imprevisível, que nada está previamente determinado a ser, que na vida há inúmeras possibilidades, pois a verdade não é absoluta, mas está sempre em construção, devido ao seu caráter histórico.

A universidade, assim, jamais poderia isolar-se do mundo, fechando-se em seus muros acadêmicos, pois a era global impõe-se sobre ela com tamanha força, assim como em outras instituições de ensino. A vida acadêmica não é mais estável e segura, como no princípio da universidade. O emaranhado de transformações e interações, decorrentes da sociedade do conhecimento e da informação, coloca a universidade diante de um mundo caracterizado por desafios e incertezas. Para Barnett, “a tarefa de administrar a incerteza, de dar condições aos indivíduos de viver com a incerteza: essa é a função do ensino – ou melhor, educacional – da universidade” (2005, p. 164). Principalmente a pesquisa na universidade, pois ela deve ser entendida “como envolvimento, criação e administração da incerteza na sociedade em geral”. Deve trazer algo novo que promova o conhecimento à luz de novas estruturas de entendimento (BARNETT, 2005).

A ciência clássica coloca o conhecimento como se fosse uma verdade absoluta, uma cópia fiel da realidade (SANTOS, 1989).

O conhecimento é sempre falível, a verdade é sempre aproximada e provisória. Contudo, nem todo o conhecimento é igualmente falível, e o fato de o conhecimento e o mundo material serem realidades qualitativamente diferentes não significa que não haja relações entre eles (SANTOS, 1989, p. 72).

No entanto, a complexidade supõe a existência de imprevistos, do incerto, do acaso. Para Morin (2011b), o pensamento complexo não recusa a clareza, a ordem, o determinismo do pensamento simplificador, apenas o percebe como insuficiente, pois não se pode programar a descoberta, o conhecimento. O pensamento complexo nos diz: “Não se esqueça que a realidade é mutante, não esqueça que o novo pode surgir e, de todo modo, vai surgir” (MORIN, 2011b, p. 83).

com a tomada de consciência da imprevisibilidade que o mundo do século XXI apresenta. É um rumo que não se sabe ao certo onde vai dar, ou seja, não há como prever o futuro. Assim, não há como alcançar a velocidade das mudanças provocadas, como por exemplo, pela tecnologia presente no estágio atual da civilização. Exemplo disso seria o impacto da tecnologia da informação, da robótica na vida das pessoas, especialmente no mercado de trabalho. Muitas profissões estão prestes a desaparecer. A previsão que a ciência tecnológica aponta é a de que, dentro de pouco tempo, muitas ocupações serão realizadas por robôs. Isso vai gerar muitos problemas na vida das pessoas, e as lideranças políticas e governos terão de pensar modos de como administrar uma situação que possivelmente será caótica do ponto de vista social e econômico.

Alguns autores advertem que a presença da inteligência artificial será mais intensa em países que oferecem mão de obra barata e que possuem um sistema de educação deficiente, como a China e a Índia. O risco da presença da inteligência artificial talvez não tenha tanto impacto assim no emprego, pois existirão novas funções, mas certamente haverá uma grande desigualdade entre os que têm ideias e os que não têm. A educação, para alguns especialistas, será uma estratégia de sobrevivência.

Talvez seja preciso planejar estratégias para a formação de cursos, bem como repensar a reformulação dos existentes, para que não fiquem obsoletos no decorrer das transformações impostas pela tecnociência. Como lidar com um estudante que fica um tempo razoável nos bancos escolares e, ao sair da universidade, depara-se com uma realidade profissional um pouco diferente daquela que teve?

Na visão de Nicolescu, viver num mundo de constantes transformações, ficar por toda a vida em uma única profissão, é arriscado e pode ser perigoso.

Corre-se o risco da condução do ser humano ao desemprego, à exclusão, ao sofrimento desintegrador do ser. A especialização excessiva e precoce deve ser banida em um mundo que vive transformações muito rápidas. Quando se quer verdadeiramente conciliar a exigência da competição e a preocupação com a igualdade de oportunidades para todos os seres humanos, qualquer profissão no futuro deveria ser uma profissão a ser tecida, uma profissão que estaria ligada, no interior do ser humano, com os fios de outras profissões. É evidente que não se trata de aprender diversas profissões ao mesmo tempo, mas de edificar interiormente um núcleo flexível capaz de permitir um rápido acesso a outra profissão (NICOLESCU, 2007, p. 03).

O autor afirma que a disciplinarização e a fragmentação dos saberes resultou no empobrecimento da capacidade de pensar e de se situar no contexto mais amplo, de oferecer alternativas viáveis na formação profissional dos sujeitos. Com as mudanças, todo o sistema estruturante da sociedade ocidental talvez tenha que passar por transformações para enfrentar esse desafio da instabilidade.

As mudanças estão em curso. Os governantes deverão conscientizar-se da necessidade de se repensar os sistemas políticos, econômicos e sociais para que essas transformações não impactem de forma negativa no mundo. As pessoas deverão compreender que as mudanças dramáticas causadas pela automatização no ambiente laboral estarão cada vez mais presentes e terão que se preparar para o enfrentamento se quiserem sobreviver.

A industrialização no século XXI passa pela quarta revolução, propiciada pela especialização dos saberes da ciência, caracterizada pela inteligência artificial, e a conexão entre máquinas e sistemas, pela robótica. Uma mudança que poderá levar ao desemprego milhares de pessoas no mundo inteiro. Mas, assim como algumas profissões serão extintas devido a essas transformações, outras surgirão. Caberá aos governos propiciarem meios capazes de permitir a esses indivíduos o acesso à aprendizagem de novas habilidades e o desenvolvimento de suas potencialidades para se readequarem ao mercado de trabalho e não perderem o sentido da existência. Políticas que necessitam estar amparadas em valores éticos e equitativos, para que as mudanças, provenientes da revolução industrial, ofereçam oportunidades para todos. Esse será, talvez, um grande desafio para o mundo contemporâneo.

O ensino presente na universidade, de uma forma geral, é conduzido a buscar soluções para enfrentar essas mudanças dramáticas na vida das pessoas e da geração que virá, através da ressignificação da aprendizagem, razão pela qual o ensino curricular organizado na disciplinarização, unicamente, tende a mostrar-se incapaz de propiciar conhecimentos significativos para que as pessoas possam compreender as complexas realidades nas quais estão inseridas. O que as universidades precisarão fazer para se reinventar e trazer soluções a esses novos problemas relativos à empregabilidade contemporânea? A tecnologia trará realmente qualidade de vida e mais tempo de lazer para as pessoas, e todo esse progresso será acessível a todos? Que conhecimentos serão necessários para enfrentar esses desafios? O conhecimento fragmentado disciplinar será suficiente

para o desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos? São questões que preocupam a todos os interessados na educação.

E o que esperar de países como a Índia, a China e o Brasil, só para citar alguns, que ainda não estão no nível das grandes nações desenvolvidas, como Estados Unidos, Japão e Alemanha? Encontrarão o caminho para que a maior parte das pessoas consiga acompanhar as grandes e drásticas mudanças que já estão acontecendo? Sem contar com a onda de imigração das pessoas provenientes de países em guerra, como a Síria, que invadiram a Europa na esperança de encontrar uma vida melhor para seus filhos.

O mundo passa por uma crise de várias dimensões. A universidade não é a solução para resolver os problemas do mundo, mas tem a possibilidade de auxiliar com algumas transformações, como por exemplo, na reorganização dos saberes presentes nos seus cursos. Necessita-se ir além da disciplinarização, do conhecimento fragmentado e da especialização. Abrir-se a outras possibilidades de se construir o conhecimento e ter perspectivas para o futuro. A era global e complexa impõe aos pesquisadores/professores que saiam do círculo acadêmico fechado, pois muitos insistem em permanecer, conservando e fortalecendo paradigmas dominantes e ultrapassados (BARNETT, 2005).

O futuro é incerto e os desafios do mundo contemporâneo são inúmeros. Como afirma Morin (2013b), os problemas, as crises, são decorrentes da globalização, e o desenvolvimento e o progresso, decorrentes da tecnociência. Por isso, o caminho será a metamorfose da humanidade a partir da mudança de paradigma, ou seja, buscar desenvolver o pensamento complexo para encaminhar a humanidade à mudança de via, a saber: aprender a pensar. Em suma, a organizar o pensamento de modo que dialogue com a realidade, que se permita transitar em direção do disciplinar, do multidisciplinar, do interdisciplinar e do transdisciplinar, para assim desenvolver um conhecimento rico e significativo para o ser humano.

Segundo Paul, para tanto é necessária uma transformação da educação,

[...] a fim de promover a emergência de novos valores capazes de responder aos desafios do mundo contemporâneo: pensamento crítico, integrativo, autonomia, aptidão para o diálogo, capacidades de cooperação, metodologias de resolução de problemas complexos, revalorização da subjetividade, da qualidade de vida, etc. (PAUL apud MORAES, 2015, p. 9).

que o imprevisível está sempre a acontecer, e de que não há forma de parar o processo que se iniciou com a globalização e o avanço da informática, e isso, justamente, exige da universidade e seus cientistas, bem como dos governos, a reflexão sobre o impacto da tecnologia na vida em sociedade, no destino de milhares de pessoas que ficarão à margem do sistema, e também sobre o que fazer para manter a paz e a justiça social.

A visão mecanicista de mundo serviu para a construção da ciência e da tecnologia, bem como para o desenvolvimento da sociedade industrial e tecnológica que ainda existe (CAPRA, 1983). Acredita-se que assim permanecerá por muitos anos, devido ao seu caráter utilitário, base para a tecnologia. Porém, essa visão não oferece respostas aos anseios decorrentes dos problemas sociais pelos quais passa a humanidade. É preciso outra percepção de realidade e de mundo para o equilíbrio da vida e da natureza, que considere o ser humano em toda a sua multidimensionalidade. A educação precisará ir além do saber instrumental e técnico, característico da disciplinarização, pois os indivíduos precisariam ter o senso crítico e conhecimentos que sejam relevantes na atuação em suas comunidades.

A organização curricular e seus saberes fragmentados, presentes nas universidades, formam indivíduos incapazes de enfrentar as incertezas de seu tempo, pois transmitem um conhecimento simplificador disciplinar baseado na técnica e na instrumentalização, limitando a compreensão e a percepção da realidade. É nesse sentido que a formação humanista faz-se tão importante na universidade, pois propicia uma cultura geral que desenvolve no indivíduo a capacidade de compreensão.

A cultura geral não significa “saber tudo”, mas possibilidade de compreensão de nós mesmos e dos outros. É educação da sensibilidade e da inteligência, formação de vontade e da capacidade de decidir. A cultura humanista, em seus verdadeiros termos, é uma ponte natural entre o ensino e a pesquisa, a tradição e o futuro, o social e o tecnológico (PAVIANI, 2008, p. 123).

A universidade deve articular o ensino e a pesquisa, conservar a tradição, mas também vislumbrar o futuro no desenvolvimento do conhecimento e da ciência sem esquecer-se do compromisso social. A exigência é a de que a universidade seja responsável não só pelo conhecimento, mas também pelo ser, para que o indivíduo possa “experimentar incerteza, reagir à incerteza, adquirir confiança para se inserir

no meio das numerosas contra-reivindicações a que uma pessoa é exposta, engajar- se com o inimigo e desenvolver a elasticidade e coragem: essas são as questões do ser” (BARNETT, 2005, p. 194).

Morin argumenta que “a história humana foi e continua a ser uma aventura desconhecida” (2011a, p. 69). A percepção da incerteza na história humana deve-se à consciência de que o mito do progresso da modernidade não existe e de que o futuro é incerto. Para enfrentar as incertezas, a educação deve buscar conhecer as incertezas ligadas ao conhecimento e saber que sempre terá a possibilidade do risco de ilusões e de erros. O conhecimento pertinente ou complexo, o que religa, é uma possibilidade para enfrentar esse desafio.

Para Martinazzo, a escola e, consequentemente, também a universidade, precisam superar a fragmentação dos saberes:

A escola, em matéria de conhecimento, ainda está alicerçada no paradigma da simplicidade: aquilo que é transmitido por ela o é de forma disciplinar e fragmentada e, hoje, a humanidade que habita o planeta Terra requer um conhecimento que transcenda o limite imposto pelas disciplinas e, portanto, saiba juntar, religar, conectar e contextualizar (MARTINAZZO, 2013, p.15).

O ser humano é uma unidade complexa e multidimensional. Vai além da percepção corpo e mente presente no paradigma simplificador, ou seja, o ser humano é, ao mesmo tempo, biológico, psíquico, social, afetivo e racional. Daí a importância de a universidade desenvolver um pensamento que seja contextualizador e aberto:

Torna-se necessário ter o pensamento complexo, ecologizado, capaz de relacionar, contextualizar e religar diferentes saberes ou dimensões de vida. A humanidade precisa de mentes mais abertas, escutas mais sensíveis, pessoas responsáveis e comprometidas com a transformação de si e do mundo (MORIN, 2011a, p. 13).

Para Morin, a universidade deveria, ao mesmo tempo, abrir-se às necessidades da sociedade contemporânea e realizar sua missão transecular de conservação, transmissão e enriquecimento de um patrimônio cultural, sem o que não passaríamos de máquinas de produção e consumo (2003, p. 81). Disso deriva a necessidade de discutir o papel da universidade e do conhecimento para viver e atuar na sociedade da informação e do conhecimento, no contexto contemporâneo do século XXI. É o que será tratado no próximo item.

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