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3 AS SENTENÇAS INTERMEDIÁRIAS: ALTERNATIVAS DECISÓRIAS PARA AS

3.5 Tipologia das sentenças intermediárias ou manipulativas em sentido amplo

3.5.4 Sentenças manipulativas com efeitos aditivos

3.5.4.2 Conceito e classificação das sentenças com efeitos aditivos

funções de valoração (desvalor-regra de inconstitucionalidade/nulidade), pacificação (coisa julgada) e ordenação (efeito erga omnes e força vinculante)548.

Evidente que a superação prática do modelo negativo de jurisdição não ficou isenta de críticas, inclusive na Itália, berço das sentenças aditivas549. A manipulação do conteúdo de um preceito, com a adição de um quid normativo (com ou sem ablação de segmentos normativos ideais) sem o qual a norma em exame seria inconstitucional, poderia contrariar as funções do Tribunal Constitucional. De um lado, há problemas de legitimidade da justiça constitucional decorrente da adição de uma norma à disposição sindicada, e sérios riscos de usurpar os poderes constitucionalmente atribuídos ao legislador, com violação do princípio da separação de poderes550. De outro lado, em determinadas situações, nas quais a Constituição não confere margem de discricionariedade para o legislador, as decisões podem ter fundamento extraído do próprio texto constitucional. Por isso, muito mais do que uma objeção genérica pautada em uma separação estática de poderes551, é preciso analisar seus fundamentos, características, tipologia e limites para melhor compreensão deste tipo de decisão.

classificação que contemple os diversos tipos de decisões manipulativas com efeitos aglutinativos ou substitutivos, é interessante mencionar, com Carlos Blanco, uma classificação que parte de um conceito amplo e restrito de sentenças com efeitos aditivos554.

Nestes moldes, as sentenças manipulativas com efeitos aditivos em sentido amplo são decisões no âmbito do controle de constitucionalidade que apenas criam condições para compatibilização futura, por meio de indicação de um princípio ou regra constitucional, sem efetivar uma reconstrução direta e imediata da norma inconstitucional por parte do Tribunal Constitucional555.

De outro lado, as sentenças manipulativas com efeitos aditivos em sentido estrito são decisões proferidas no controle de constitucionalidade que possuem uma parte ablativa e uma parte reconstrutiva556, e, portanto, além de reconhecer a invalidade, efetivam a correção imediata da norma inconstitucional. A componente ablativa pressupõe a desaplicação de parte de uma norma jurídica com fundamento na sua inconstitucionalidade557. Por sua vez, a componente reconstrutiva, consiste na identificação de um critério jurídico de decisão a partir da norma ou do segmento remanescente, de forma a criar condições de compatibilidade do sentido reconstruído com a Constituição558.

acrescenta um segmento normativo para uma norma ser salva), decisões integrativas (que completam uma norma com preceitos da Constituição para que possa ser válida) e decisões redutivas (que fariam cair um segmento de norma para que a mesma seja conforme a Constituição. Nesse sentido: MIRANDA. Manual de Direito Constitucional. Tomo VI...Op. cit., p. 85 e ss. Vitalino Canas denomina as sentenças manipulativas de decisões atípicas e distingue decisões aditivas, adjuntivas ou integrativas, das sentenças substitutivas (que para ele não detém autonomia, já que seria redutiva e aditiva), das sentenças injuntivas (que decorre de inconstitucionalidade deslizante, conhecida na Alemanha como lei ainda constitucional e na Itália como constitucionalidade provisória) e das sentenças diretivas (que seriam as sentenças aditivas de princípio). Aliás, Vitallino Canas apresenta os respectivos exemplos para as sentenças aditivas, a partir de precedentes do Tribunal Constitucional Italiano: a) em 1975, o TC italiano declarou a inconstitucionalidade de norma na parte em que não prevê que a gravidez possa ser interrompida quando ulterior gestação implicar dano ou perigo grave, medicamente declarado, para mãe; b) em 1956, o TC italiano proferiu sentença que integra dispositivo sobre repatriamento coativo, estabelecido por lei, prevendo a necessidade de motivação; e c) Sentença do TC declarou a inconstitucionalidade de norma que previa a participação de defensores em certos atos, mas não no interrogatório do réu, na parte em que se fazia esta exclusão, passando o defensor a participar de tais atos. Nesse sentido: CANAS, ob. cit. p. 93 e ss.

554 Este trabalho utiliza, como referencial teórico, a classificação de sentenças aditivas proposta por Carlos Blanco. Ver: MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 370-434.

555 MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 364. São, pois, “... as decisões positivas de inconstitucionalidade de cujo conteúdo resulte, tanto um juízo de invalidade, como a indicação de uma norma ou de um princípio normativo que asseguram a criação de condições para que o direito que conformou o objecto da mesma sentença se compatibilize futuramente com a Constituição”.

556 MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 364.

557 Em países onde não há decisão de constitucionalidade com efeito vinculante, a exemplo de Portugal e Itália, a doutrina entende que as sentenças aditivas devem ser necessariamente sentenças de provimento, única capaz de produzir coisa julgada e recompor o sentido da norma.

558 CASTRO, op. cit. p. 122.

Nesta linha, as sentenças aditivas em sentido estrito possuem um conteúdo necessário constituído por: a) uma componente ablativa, que supõe a eliminação ou desaplicação, em regra parcial, de uma norma jurídica, com fundamento na sua inconstitucionalidade; b) uma componente reconstrutiva, que consiste na identificação de um critério jurídico de decisão extraído da norma ou do segmento remanescente de um regime normativo, com o fim de criar condições de conformidade do sentido recomposto da disposição normativa com a Constituição559. Trata-se de uma decisão de inconstitucionalidade parcial que pressupõe a eliminação de um segmento afetado pela invalidade, de modo que, com amparo no segmento remanescente, o Tribunal faz a reconstrução de um sentido para adequá-lo à Constituição.

Esta declaração de inconstitucionalidade parcial pode ser tanto qualitativa (sem redução de texto) quanto quantitativa (com redução de texto). Em regra, as decisões com efeitos aditivos censuram silêncios parciais do legislador violadores da isonomia (omissão relativa).

A doutrina italiana560 entende que esta decisão é uma variação da sentença interpretativa de acolhimento, porém a componente aditiva “não deve criar algo novo do nada”561. A criatividade da componente aditiva da sentença é limitada. O “quid pluris”

normativo aditado na sentença, para que seja conforme com a Constituição, não deve constituir, pois, uma inovação normativa “ex nihilo” pelo Tribunal Constitucional, mas sim deve partir de um critério de decisão já existente no ordenamento jurídico a ser revelado e individualizado no caso562.

A componente aditiva também pode decorrer de uma decisão de inconstitucionalidade de norma especial ou excepcional que regula determinado fato, cuja eliminação dessa norma especial ou excepcional implica na regulação pelo direito ordinário de conteúdo mais geral ou mesmo por uma norma constitucional. Nesta hipótese, a inconstitucionalidade de parte ou da totalidade de uma norma gera aplicação automática de regimes supletivos da primeira. Trata-se da chamada Trata-sentença demolitória, como Trata-se verá a Trata-seguir563. Por isso que nem toda sentença aditiva é uma espécie avançada de sentença interpretativa de acolhimento, pois, na hipótese de

559 MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 389. No mesmo sentido: ROMBOLI, op. cit. p. 65.

560 ZAGREBELSKY, op. cit. p. 156 e ss. As sentenças manipulativas são decisões de acolhimento que determinam a modificação dos significados originalmente possíveis dos textos normativos. São distintas, porém, das decisões em que a “manipulação” ocorre apenas através da eliminação das normas expressas nos textos (seja pela inconstitucionalidade parcial ou sentença interpretativa de acolhimento) das decisões que pretendem valer positivamente, “per innovare l’ordinamento attraverso l’indroduzione di norme diverse da quelle precedentemente expresse o ricavabili dai testi” (p. 156).

561 CRISAFULLI, ob. cit. p. 407-408. “legislação da Corte não é livre, como a do parlamento, mas antes uma

“legislazione a rime obbligate”.

562 MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 368.

563 MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 366-367.

sentença demolitória, com a eliminação da regra de exceção ou de derrogação de outra norma de conteúdo mais extenso, o efeito ablativo provoca um alargamento automático do âmbito de previsão564.

De toda forma, em ambos os casos, a adição de um critério normativo, seja por meio de atividade interpretativa ou pelo alargamento automático, pressupõe uma declaração de inconstitucionalidade parcial da norma. Por isso, a doutrina afirma que as sentenças com efeitos aditivos são, em regra, decisões de acolhimento565, uma vez que operação aglutinativa altera o sentido primitivo de norma ou de conjugação de normas julgadas parcialmente inconstitucionais.

Diante destas considerações, na linha de Carlos Blanco, as sentenças manipulativas com efeitos aditivos são classificadas em: i) sentenças demolitórias com efeitos necessariamente aditivos; ii) sentenças aditivas em sentido estrito; iii) sentenças aditivas de princípio (aditivas em sentido amplo); e iv) sentenças substitutivas566. Trataremos a seguir de cada uma delas.