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3 AS SENTENÇAS INTERMEDIÁRIAS: ALTERNATIVAS DECISÓRIAS PARA AS

3.5 Tipologia das sentenças intermediárias ou manipulativas em sentido amplo

3.5.4 Sentenças manipulativas com efeitos aditivos

3.5.4.3 Sentenças demolitórias com efeitos necessariamente aditivos

sentença demolitória, com a eliminação da regra de exceção ou de derrogação de outra norma de conteúdo mais extenso, o efeito ablativo provoca um alargamento automático do âmbito de previsão564.

De toda forma, em ambos os casos, a adição de um critério normativo, seja por meio de atividade interpretativa ou pelo alargamento automático, pressupõe uma declaração de inconstitucionalidade parcial da norma. Por isso, a doutrina afirma que as sentenças com efeitos aditivos são, em regra, decisões de acolhimento565, uma vez que operação aglutinativa altera o sentido primitivo de norma ou de conjugação de normas julgadas parcialmente inconstitucionais.

Diante destas considerações, na linha de Carlos Blanco, as sentenças manipulativas com efeitos aditivos são classificadas em: i) sentenças demolitórias com efeitos necessariamente aditivos; ii) sentenças aditivas em sentido estrito; iii) sentenças aditivas de princípio (aditivas em sentido amplo); e iv) sentenças substitutivas566. Trataremos a seguir de cada uma delas.

por alargar o âmbito da regulamentação legal570. Não há, pois, uma atividade reconstrutiva por parte do Tribunal Constitucional.

A lógica destas sentenças consiste na eliminação de parte da norma prevista na disposição e na ampliação automática do âmbito aplicativo de outra norma (que pode se encontrar ou não na mesma disposição), cuja componente ablativa pode decorrer de uma redução de texto (decisão parcial quantitativa) ou da eliminação apenas do segmento normativo ideal (decisão parcial qualitativa). Nestas situações, o preceito eliminado constitui, em regra, norma que restringe inconstitucionalmente a titularidade ou o exercício de um direito, ou subtrai explícita ou implicitamente, sem fundamento material atendível, um grupo de pessoas do exercício de um direito ou da sujeição a uma obrigação quem tenham sido determinados a outro grupo de pessoas posicionadas em situação homóloga, em violação ao princípio da igualdade571.

Nesse sentido, a componente aditiva da sentença não é conformada por uma regra adicionada criativamente pelo Tribunal, mas sim, constitui consequência direta da ampliação automática de aplicação da norma, a partir da eliminação do preceito inconstitucional restritivo. Não se trata de uma sentença de natureza necessariamente interpretativa, uma vez que a aplicação da regra em favor dos excluídos não resulta, muitas vezes, de operação hermenêutica criativa ou integrativa, mas de uma dilação lógica do campo aplicativo (há, pois, um efeito automático)572.

Em verdade, todo juízo de inconstitucionalidade determina, fatalmente, a produção de novos efeitos. Nas decisões redutivas (inconstitucionalidade parcial qualitativa ou quantitativa) há sempre a possibilidade de um novo desenho para o tratamento normativo. E quando produzem, ainda que indiretamente ou automaticamente efeitos aditivos,

570 MEDEIROS, ob. cit. p. 469 e 479.

571 MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 376. Conforme Blanco, em Portugal são extraídos os seguintes exemplos: a) Acórdão 962/96, por meio do qual o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade de duas normas na parte em que condicionavam a concessão de assistência judiciária em caso de insuficiência econômica a estrangeiros ou apátridas aos que tivesse sido concedido asilo ou o estatuto do refugiado. Com isso, estavam desprovidos todos os demais que impugnassem contenciosamente o ato que indeferia asilo ou concessão de estatuto de refugiado. A decisão declarou a nulidade dos segmentos ideais normativos que obstavam apoio judiciário em caso de impugnação do próprio ato denegatório de asilo e ampliou automaticamente o benefício às demais pessoas em igual situação; b) Acórdão 143/85, o qual teve por objeto norma do Estatuto da OAB que determinava a incompatibilidade do exercício de advocacia com a função pública, “excepto no que toca à docência do Direito”. A Corte declarou a inconstitucionalidade da parte que restringia o exercício da docência ao ensino em Direito, tendo como efeito automático a extensão do benefício à docência em qualquer área do conhecimento.

572 MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 376 e ss.

se na categoria das decisões manipulativas573. Bem por isso, adverte Gustavo Zagrebelsky que as sentenças aditivas devem ser avaliadas com base nos efeitos normativos produzidos e não apenas com base no perfil formalmente negativo ou positivo da decisão. Ou seja, mesmo que uma decisão seja formalmente negativa, com apenas uma declaração de inconstitucionalidade parcial (elemento ablativo), a eliminação desta parte da norma pode mudar todo o sentido normativo conferido pelo legislador574.

Com base nestas ideias, Rui Medeiros defende uma distinção entre sentenças aditivas e decisões redutivas, ao afirmar que a simples eliminação de parte da norma não pode, sob a capa de uma operação aparentemente redutiva, introduzir novas normas, pois esta correção da lei não deve ser efetivada “quando o resultado que se pretende alcançar não se harmonize com a teleologia imanente à lei”575. Para ele, as decisões modificativas ou manipulativas não se limitam a suprimir a norma, deixando-se gerar outras a partir das fontes de direito existentes.

O seu objetivo é transformar o próprio significado da lei e não simplesmente eliminar uma das partes. Neste caso, para ele, “O Tribunal atua, portanto, como legislador positivo”576. Mas, no caso de leis discriminatórias violadoras da isonomia, a decisão demolitória atinge unicamente a norma que expressamente exclui do âmbito de aplicação da lei certas categorias de pessoas.

Não provoca, pois, um vazio no ordenamento jurídico, já que a situação de fato regulada pela norma considerada inconstitucional passa automaticamente a ser regulada pela norma que serviu de comparação. Por isso, embora o Tribunal Constitucional se limite a atuar como um mero legislador negativo, na prática profere uma decisão com efeitos aditivos577.

Assim, mesmo que os efeitos aditivos sejam uma decorrência lógica da declaração de inconstitucionalidade da norma de exclusão ou de exceção, o fato é que, ao menos nos casos

573 MEDEIROS, op. cit. p. 486.

574 ZAGREBELSKY, op. cit. p. 156.

575 MEDEIROS, op. cit. p. 316.

576 MEDEIROS, op. cit. p. 487-488.

577 MEDEIROS, op. cit. p. 488. Para o autor, uma decisão modificativa também pode surgir fora do domínio das violações do princípio da isonomia, sob a capa de uma decisão de inconstitucionalidade parcial, que atribui assentos a um sentido e uma eficácia modificativa. (exemplo Acórdão 810/93 Portugal). Na Itália, cita como exemplo, que o Código Penal Italiano previa que o ultraje do parlamento ou do Tribunal Constitucional fazia depender a ação de autorização, respectivamente, do próprio parlamento ou do ministro da justiça (vinculado ao executivo). A Corte Constitucional entendeu que a autorização ao Ministro da Justiça violava o estatuto do Tribunal Constitucional e o discriminava frente ao Parlamento. A Sentença º 15 de 17 de fevereiro de 1969 declarou, em conformidade, a inconstitucionalidade parcial do preceito, na parte em que atribuída a autorização ao Ministro da Justiça, em vez de o atribuir à própria Corte. A decisão não determinou a aplicação do regime geral da ação penal (MP), mas sim a necessidade de autorização do próprio Tribunal. Cita: MODUGNO, Franco.

Corollari del principio di “legitimità costituzionale” e sentenze “sostitutive” della Corte. In: Giur. Cost., 1969, I, 1969, p. 91 e ss; e MONTESANO, Luigio. Sulle sentenze di incostituzionalità “interpetative”. In: Giur. Ital., 1969, p. 101-102 apud MEDEIROS, op. cit. p. 489.

de aumento de despesa pública, como bem observa Carlos Blanco, como a componente reconstrutiva resulta de um fenômeno lógico de aplicação de regras de direito com diferente densidade e extensão, estas decisões tendem a ser mais aceitáveis a nível doutrinário e jurisprudencial do que as demais decisões aditivas, sem alegações de usurpação de poderes, na medida em que se teria uma extensão automática da previsão legal578.