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4 BENEFÍCIO INCOMPATÍVEL COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NA

4.3 Súmula vinculante 37 e a tentativa de padronização

O precedente representativo foi o RE 592317, de relatoria do Min. Gilmar Mendes720, decorrente do Tema 315 em repercussão geral. Conforme o voto do Min. Relator, desde a primeira Constituição Republicana de1891, a competência para reajustar os vencimentos dos servidores públicos é do Poder Legislativo, mediante edição de lei, e que a atual Constituição (artigo 37, X) exige lei específica para o reajuste da remuneração de servidores públicos.

Após destacar inúmeros precedentes que deram origem à súmula, bem como precedentes que aplicaram a súmula 339, consignou que a jurisprudência desta Suprema Corte não admite equiparação salarial invocada a pretexto de resguardar a isonomia721.

Contudo, desde muito tempo no Brasil a súmula 339 recebeu diversas críticas da doutrina722. Não por acaso, o próprio STF, em determinadas situações, não seguiu o verbete sumular, conforme apontado acima. Com a padronização, imaginava-se que o STF fosse seguir a linha decisória disciplinada na súmula vinculante 37, que constitui típica materialização da teoria do legislador negativo, em prestígio à liberdade de conformação do legislador, ao princípio da legalidade e à separação de poderes e, sobretudo, busca evitar a edição de sentenças aditivas de gastos. Porém, mesmo com a edição do enunciado vinculante, não foi exatamente isso que ocorreu na práxis da nossa Corte Constitucional.

Aproveitando-se o critério de pesquisa efetivado pelo próprio Supremo Tribunal Federal em seu site723, verificou-se um total quantitativo de 111 acórdãos, 423 decisões monocráticas, 1 decisão da Presidência e 3 decisões em sede de repercussão geral que fizeram menção expressa à súmula vinculante 37724. Da análise dos precedentes, em regra, o STF fez aplicação pura e seca desta súmula para afastar a possibilidade de ampliação de benefício pautado na igualdade. Contudo, a título ilustrativo, é possível selecionar acórdãos recentes

720 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 592317, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2014.

721 Cf. voto do Min. Relator no RE 592317, p. 1-6.

722 Por todos, menciono: CAVALCANTI, Francisco. A inconstitucionalidade por omissão parcial e a revogação da súmula n. 339 do STF. In: BELLO FILHO, Ney de Barros (Coord.). Estudos em homenagem a Dionísio Rodrigues Nunes. São Luís: Seção Judiciária do Maranhão, 2001, p. 86.

723 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1961. Último acesso em: 14.07.2018.

724 Disponível:http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp?url=&txtPesquisaLivre=SUV-000037&numero=&ministro=&todosrelatores=sim&dataInicial=&dataFinal=&tema=&tese=&tipoTese=&orgao Julgador=&ementa=&nomeLegislacao=&txtAnoLegislacao=N%C3%BAmero&tipoLegislacao1=ART&valorLe gislacao1=&tipoLegislacao2=PAR&valorLegislacao2=&tipoLegislacao3=INC&valorLegislacao3=&tipoLegisla cao4=LET&valorLegislacao4=&base=baseAcordaos&base=baseRepercussao&base=baseSumulasVinculantes&

base=baseSumulas&base=baseMonocraticas&base=basePresidencia&base=baseInformativo&base=baseQuestoe s&base=todos. Último acesso em: 14.07.2018.

que afastaram a aplicação da súmula. O objetivo em si não é criticar tais decisões, mas apenas entender as razões pelas quais o enunciado vinculante não foi aplicado.

No julgamento da Rcl n. 19.720725, de relatoria do Min. Teori Zavascki, a Segunda Turma do STF decidiu que o acórdão da 1ª Turma Recursal do Estado do Acre, que havia estendido direito de férias proporcionais a professor temporário, com base no princípio da isonomia, não violou a súmula vinculante 37726. O Relator, inicialmente, por meio de decisão monocrática entendeu incabível a reclamação, por não haver correlação entre o decidido no ato questionado e o conteúdo da súmula vinculante 37, não se tratando de pretensão de aumento de vencimentos. No julgamento do agravo pela Turma, este entendimento foi mantido, com destaque para o argumento de que a extensão do direito de férias, com base no princípio da isonomia, não constituiu “pedido de aumento de vencimentos”, não se aplicando o enunciado vinculante ao caso727.

Por mais que a linha argumentativa do acórdão considere que o pedido não tem relação com aumento de vencimentos, diante de uma omissão inconstitucional relativa, é inegável que a Corte proferiu uma sentença com efeitos aditivos, que estendeu o direito de férias a uma professora temporária do Estado do Acre, a partir do mesmo direito conferido aos professores efetivos. Deveras, independente de ter ou não aumento de salário, tratou-se tipicamente de uma sentença aditiva de gastos com extensão de um direito não previsto em lei relativamente à parte interessada.

No julgamento da Rcl 20.864728, de relatoria do Min. Luiz Fux, a Primeira Turma do STF decidiu que a extensão de revisão geral anual de Lei estadual a todos os servidores públicos não constitui hipótese de concessão de aumento salarial pelo Poder Judiciário, mas de mera aplicação da lei, não havendo ofensa à súmula vinculante 37. A reclamação foi dirigida contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que havia determinado a aplicação da Lei n. 8.970/2009 de forma uniforme a todos os servidores. Nos termos do voto

725 BRASIL. Supremo Tribunal. Rcl 19720 AgR, Relator Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, julgamento em 25.8.2015, DJe de 9.9.2015.

726 No mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 20549 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 05/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 18-05-2017 PUBLIC 19-05-2017; Rcl 19359 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-237 DIVULG 24-11-2015 PUBLIC 25-11-2015. Rcl 19627 AgR, Relator(a):

Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 23/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 11-03-2016 PUBLIC 14-11-03-2016

727 Cf. voto do Min. Relator na Rcl 19.720, p. 1-2.

728 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 20864 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgamento em 15.12.2015, DJe de 16.2.2016

do Ministro relator, “o Poder Judiciário não atuou como legislador positivo, o que é vedado pela súmula, mas, apenas e tão somente determinou a aplicação da lei de forma isonômica”729. Para o Relator, esta situação seria distinta daquela em que não existe lei concessiva de revisão, o que impede o Judiciário de conceder o reajuste730.

A observação a este julgado se volta igualmente ao que restou decidido no julgamento do RMS 22307 e do RE 173.682/SP, já que esta decisão reclamada, com base na isonomia, estendeu a revisão anual prevista em lei de forma uniforme a todos os servidores. Neste julgado, a linha argumentativa segue exatamente os pressupostos para uma sentença aditiva “a rime obbligate”, por mais que se dê relevo ao fundamento de que o judiciário não atuou como legislador positivo. Aliás, como ressaltado, Crisafulli é enfático em dizer que a “Corte non crea, essa, liberamente (come farebbe il legislatore) a norma, ma si limita a individuare quella – già implicata nel sistema”731.

Em sede de repercussão geral, no julgamento do ARE 909437 RG, de relatoria do Min.

Roberto Barroso, a decisão foi em sentido oposto, ou seja, de reafirmação da súmula vinculante 37, com o argumento de que “Não é devida a extensão, por via judicial, do reajuste concedido pela Lei nº 1.206/1987 aos servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, dispensando-se a devolução das verbas recebidas até 01º.09.2016 (data da conclusão deste julgamento)”732. As decisões posteriores seguiram esta mesma linha argumentativa de que “O Supremo Tribunal Federal veda o aumento de vencimentos pelo Judiciário, com base no princípio da isonomia, na equiparação salarial ou a pretexto da revisão geral anual”733.

729 Cf. voto do Min. Relator na Rcl 20864 AgR, p. 1-2.

730 No mesmo sentido, em julgamento anterior: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 401337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005.

731 CRISAFULLI, op. cit. 407.

732 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 909437 RG, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 01/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-10-10-2016.

733 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 811619 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/10/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-262 DIVULG 17-11-2017 PUBLIC 20-11-2017. No mesmo sentido: Rcl 25528 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 29/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-245 DIVULG 25-10-2017 PUBLIC 26-10-2017; ARE 1060326 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 11/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 07-02-2018 PUBLIC 08-02-2018; Rcl 24468 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 27/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 09-08-2017 PUBLIC 10-08-09-08-2017; Rcl 23443 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 18-05-2017 PUBLIC 19-05-2017; ARE 925396 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 02/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 12-05-2017 PUBLIC 15-05-2017; RE 975030 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 09/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-252 DIVULG 25-11-2016 PUBLIC 28-11-25-11-2016.

Talvez esta divergência decorra do fato de que uma limitação genérica por meio da súmula 37, sem qualquer análise dos dispositivos constitucionais que imponham uma possível solução obrigatória, não seja a alternativa mais adequada. Isto é dizer, o debate deve avaliar a possibilidade de, em algumas situações excepcionais, ser proferida sentenças aditivas constitucionalmente obrigatórias, diante de única opção válida disposta pela Constituição, que não deixa margem de liberdade de conformação para o legislador.

No caso da redação anterior do inciso X do art. 37 da Constituição, deveras, não havia qualquer dúvida de que “a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á na mesma data”. Desta regra Constitucional, não há margem de discricionariedade para o legislador disciplinar de modo diverso. Por isso, diante do dispositivo constitucional, reafirmamos que as decisões proferidas pelo STF no RMS 22307 e RE 173.682/SP foram sentenças aditivas “a rime obbligate”.

Certamente, de modo proposital, a EC 19/98 alterou a redação do disposto no inciso X734 do art. 37 da Constituição, com a previsão de que a remuneração ou o subsídio dos servidores públicos em geral somente podem ser fixados ou alterados “por lei específica”,

“assegurada a revisão geral anual, sempre na mesma data”. Apesar da mudança de redação, com a revogação do termo “sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares”, a pergunta que se faz é se a EC 19/98 conferiu total margem de discricionariedade para o legislador efetivar a revisão geral anual de modo distinto para as diversas classes de servidores?

O Supremo Tribunal Federal abordou a questão no julgamento da ADI 3599735, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, e, seguindo o entendimento firmado anteriormente na ADI 2726736, nos termos do voto do Relator, decidiu que as iniciativas legislativas privativas de cada órgão administrativamente e orçamentariamente autônomo previstas na Constituição

734 X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

735 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3599, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 21/05/2007, DJe-101 DIVULG 13-09-2007 PUBLIC 14-09-2007 DJ 14-09-2007, p. 110-115.

736 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2726, Rel. Min. Maurício Corrêia, DJ 29.8.2003.

conferem a liberdade de escolher quais carreiras ou cargos que devem receber aumento, sem que isso viole a isonomia em relação àqueles que não receberam o mesmo acréscimo737.

Porém, dada a natureza da revisão geral anual, prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal, que tem por objetivo a reposição da variação inflacionária corrosiva do poder aquisitivo da remuneração, a indagação que se faz é até que ponto, diante de uma norma Constitucional impositiva, pode o legislador diferenciar a atualização monetária de das remunerações dos servidores, sem violar o princípio da isonomia. E mais. A atribuição constitucional de diferentes iniciativas legislativas confere margem de discricionariedade para o legislador efetivar discriminações arbitrárias?

A solução constitucionalmente adequada parece exigir que o fator de discrímen738 seja efetivamente avaliado, até porque a própria Constituição traça parâmetros para efeito de política remuneratória (art. 7º, V, art. 37, II, art. 39, §1º, I, II e III). No caso dos servidores públicos, o §1º, incisos I, II e III, do art. 39 da Constituição exige que “a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará” a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade do cargo, além de requisitos de investidura e peculiaridades dos cargos. E esta análise, pelo que se extrai dos julgados, não está sendo feita pelo STF com a aplicação pura e simples da súmula vinculante 37.

É neste campo que deve ingressar o debate sobre a admissibilidade das sentenças manipulativas em geral, não apenas as sentenças aditivas, pois, a correção da omissão inconstitucional relativa pode ser feita por diversas formas, a exemplo da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, com suspensão da lei violadora da isonomia, defendida por Gilmar Mendes como remédio adequado para os benefícios incompatíveis com o princípio da isonomia739, ou mesmo a própria declaração de inconstitucionalidade total, com modulação temporal de efeitos, como defende Rui Medeiros740, sem prejuízo, ainda, do uso de sentenças aditivas “a rime obbligate”, quando se tratar de uma situação constitucionalmente obrigatória, com única opção válida741.

A lógica argumentativa do legislador negativo constante da súmula vinculante 37, mesmo diante de regras Constitucionais autoaplicáveis, em verdade, impede a aplicação direta

737 Cf. voto do Relator na ADI 3599, p.

738 MELLO, op. cit. p. 23-40

739 MENDES. A Declaração de Inconstitucionalidade sem pronúncia de Nulidade...Op. cit., p. 12-20.

740 MEDEIROS, op. cit. p. 522-528.

741 CRISAFULLI, op. cit. p. 406-407.

da própria Constituição. Com efeito, nega-se efetividade de regra constitucional dotada de plena eficácia e aplicabilidade direta, afetando-se, pois, a própria força normativa da Constituição. Porém, como dito, o STF já decidiu de modo contrário, na ADI 939, que tratou de extensão de imunidade tributária, com base no art. 150, VI, e alíneas, da CF, e também da decisão sobre a revisão geral da remuneração de servidores, sem distinção índices entre civis e militares, na qual se afastou a súmula 339, com base na redação original do inciso X do art. 37 da Constituição, para estender um benefício não regulado por lei (RMS 22307)742.

Nas decisões baseadas na súmula vinculante 37, relativamente ao aumento salarial de servidores, há um elemento novo que foi a alteração da redação do inciso X do art. 37, por força da EC 19/98. No entanto, a nova redação do dispositivo não parece conferir margem de discricionariedade para o legislador efetivar a revisão anual de servidores de forma arbitrária, pois o texto é expresso em dizer “assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

Uma questão sensível é o argumento da legalidade que está por trás da súmula vinculante 37 e das decisões que a aplicam, no sentido de que “somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica”. Contudo, a regra constitucional impõe uma exigência de forma, que não afasta a análise de compatibilidade material da lei. O princípio da legalidade, em si, não pode ser argumento para se afastar o princípio da constitucionalidade, de modo que, a mera previsão constitucional de “lei específica” não afasta o controle pela jurisdição constitucional. Do contrário estas leis ficariam imunes ao controle de constitucionalidade material.

Aliás, como já ressaltado, o debate sobre a limitação de sentenças aditivas pelo princípio da legalidade, a exemplo do âmbito penal, consistente na impossibilidade de edição de sentenças aditivas em matéria penal, não se deve propriamente pela reserva de lei, mas em razão do princípio especial da legalidade das penas e da garantia fundamental prevista na Constituição que tutela o princípio da liberdade (art. 5º, XXXIX, CF), no princípio geral do direto que veda a analogia em sede de qualquer direito de cunho sancionador e em uma exigência de certeza que exclui a possibilidade de configurar sentenças aditivas743. Isso, no entanto, não impede a extensão de tratamento mais favorável de leis penais arbitrárias e

742 O mesmo ocorreu no julgamento do Agravo Regimental no RE 198.129/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 30/05/97, que se pautou na redação original do §4º do art. 40 da CF/88. Atualmente, por força da EC 19/98, a mesma regra está no §8º do art. 40 da Constituição Federal.

743 ROMBOLI, op. cit., p. 65.

discriminatórias744. O mesmo raciocínio se aplica em sede de direito tributário (art. 150, I, CF), mas que também não impede a aplicação direta da Constituição, para efeito de uma sentença aditiva constitucionalmente obrigatória, a exemplo do julgamento do IPMF (ADI 939). Assim, a limitação das sentenças aditivas não decorre de uma simples aplicação do princípio da reserva de lei.

No que se refere às questões financeiras, como dito, a Corte Constitucional deve ter uma postura restritiva, pois devem também buscar preservar as regras constitucionais de equilíbrio orçamentário. Porém, este princípio se aplica ao legislador e não deve condicionar ou limitar, por si só, o controle de constitucionalidade, sob pena de se manter leis inconstitucionais com base em um argumento meramente econômico, retirando-se força normativa da Constituição745. Por isso, cabe repetir que, decisões aditivas que geram gastos devem ter sua admissibilidade avaliada com base no embate entre princípio da reserva financeira do possível e as considerações em relação ao mínimo existencial746. A ponderação de bens exige, pois, com base na proporcionalidade, a avaliação entre o direito que se busca tutelar por meio de sentença aditiva constitucionalmente obrigatória e o princípio da reserva do possível.

Sobre esta complexidade das sentenças aditivas de gastos, é interessante mencionar o voto divergente do Min. Dias Toffoli proferido no julgamento da Rcl 26872 AgR747, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, contra decisão judicial que deferiu o pagamento de diárias no mesmo valor, com base em simetria remuneratória entre as carreiras do Ministério Público e da Magistratura, com base no art. 129, §4º, da CF. Embora a Segunda Turma tenha dado provimento à reclamação constitucional, por entender violado o enunciado vinculante

744 CANOTILHO, op. cit. p. 1015.

745 ROMBOLI, op. cit., p. 65-66.

746 Sobre a prevalência do mínimo existencial em relação à princípio da reserva do possível, ver: QUEIROZ.

Direitos Fundamentais...Op. cit., p. 193. SARLET. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde...Op. cit. ALEXY, op. cit., p. 435-436. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 465. CANOTILHO, ob. cit., p. 476 e 477-480. Nesse sentido, decisões do STF pela prevalência do mínimo existencial: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 581352 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 29/10/2013; AI 598212 ED, Relator(a):

Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/03/2014; RE 642536 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/02/2013; STA 223 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE (Presidente), Relator(a) p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2008; ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004.

747 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 26872 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-059 DIVULG 26-03-2018 PUBLIC 27-03-2018.

37748, o Ministro Dias Toffoli destacou que a reclamação esbarrava na existência de ato normativo editado pelo Conselho Nacional de Justiça com fundamento na simetria constitucional (art. 129, § 4º), temática que não integraria a Jurisprudência reiterada do STF que justificou a edição da súmula vinculante 37. Além disso, para o Ministro Dias Toffoli, três razões justificariam esta falta de aderência estrita entre o ato reclamado e a súmula vinculante: 1) ser objeto da ADI 4.822/PE, na qual se questiona a constitucionalidade da Resolução n. 133/2011 do CNJ; 2) ser objeto de repercussão geral (Tema n. 966), no qual se debate a “isonomia entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público: direito dos juízes do Poder Judiciário da União à licença-prêmio (ou à indenização por sua não fruição)”, conforme RE nº 1.059.466/AL, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário Virtual, DJe de 13/11/2017; 3) ser objeto da repercussão geral (Tema n. 976), no qual se debate a

“equiparação do valor das diárias devidas a membros do Ministério Público e do Poder Judiciário”. Com efeito, para o Ministro Dias Toffoli, a reclamação constitucional com paradigma na súmula vinculante 37 não poderia subverter a competência do Plenário para julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, nem esvaziar a repercussão geral sobre tema inédito (ADI nº 4.822/PE, seja na sistemática da repercussão geral – Temas 966 e 976). Por isso, votou pelo provimento do agravo regimental para negar seguimento à reclamação749. Contudo, como dito, a Turma deu provimento à reclamação.

Esta mesma Segunda Turma, no julgamento da Rcl 28.655750, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, em caso envolvendo decisão judicial que elevou o valor das diárias da

748 No mesmo sentido de que a extensão de vantagens do Ministério Público à magistratura, ou mesmo se uma carreira de servidores a outra, viola a súmula vinculante n. 37: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1048285 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 11-10-2017 PUBLIC 13-10-2017; ARE 956734 AgR, Relator(a): Min.

GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 04-09-2017 PUBLIC 05-09-2017; MS 32216 ED-AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 26/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 06-06-2017 PUBLIC 07-06-2017; ARE 968262 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 02/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-110 DIVULG 24-05-2017 PUBLIC 25-05-2017; MS 32194 AgR, Relator(a): Min.

GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 07-04-2017 PUBLIC 10-04-2017; ARE 895788 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-024 DIVULG 10-02-2016 PUBLIC 11-02-2016;

749 Cf. voto do Ministro Dias Toffoli na Rcl 26872 AgR. Em decisão recente, o Ministro Dias Toffoli se manifestou no mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 26924 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 07-06-2018 PUBLIC 08-06-2018.

750 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 28655 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 20-06-2018 PUBLIC 21-06-2018. Cabe destacar que o Ministro Celso de Mello destacou o entendimento pessoal, mas acompanhou o relator com base no princípio da colegialidade. Restou vencido o Ministro Gilmar Mendes que deu provimento à reclamação. No mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 26924 AgR, Relator(a): Min. DIAS

magistratura com base na simetria com o Ministério Público, decidiu no sentido diametralmente oposto ao julgado na Rcl 26872 AgR. Em verdade, a decisão proferida na Rcl 28.655 seguiu a mesma linha argumentativa de diversas decisões anteriores751. A fundamentação foi no sentido de que “a concessão de diárias a integrante da Magistratura com fundamento no princípio da simetria não enseja reclamação por ofensa à Súmula Vinculante 37”. Para o Relator, a decisão reclamada não teria aumentado vencimentos com base na isonomia, “mas sim, com fulcro na Resolução 133/2011 do Conselho Nacional de Justiça”, que concede a extensão de vantagens funcionais previstas no Estatuto do Ministério Público a magistrados com base na simetria752.

E não há como deixar de mencionar a decisão liminar proferida pelo Min. Luiz Fux, no julgamento da Medida Cautelar na Ação Originária n. 1.773, que estendeu o benefício do auxílio-moradia a todos os juízes, tendo como ratio decidendi o princípio da simetria e o caráter nacional e unitário da magistratura.

Da análise do voto do Ministro Ricardo Lewandowski na Rcl 28.655, não parece plausível que Resolução do CNJ, a pretexto de ter natureza de ato normativo primário (art.

103-B, §4º, I, CF), preencha o requisito de forma exigido pelo inciso X do art. 37, no sentido de que a simetria constitucional entre Ministério Público e Magistratura foi regulamentada pelo CNJ e cumpriu a exigência de “lei específica”. Aceitar este argumento parece mais gravoso do que aceitar a possibilidade de sentenças aditivas “a rime obbligate”, na medida em que se reconheceria uma espécie de “ativismo administrativo”, com aumento de remuneração sem passar, igualmente, pelo processo legislativo e sem as exigências legais e constitucionais orçamentárias (art. 165 e §§, da CF).

De outro lado, diante das grandes diferenças remuneratórias constantes da Lei Orgânica do Ministério Público e da Lei Orgânica da Magistratura (que se encontra desatualizada), como a reserva de lei constitui exigência de forma e não de conteúdo, parece TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 07-06-2018 PUBLIC 08-06-2018.

751 No mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 27818 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/12/2017; Rcl 28087 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 07-02-2018 PUBLIC 08-02-2018; Rcl 26510 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 07-02-2018 PUBLIC 08-02-2018; Rcl 26466 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 07-02-2018 PUBLIC 08-02-2018;

752 Cf. voto do Ministro Relator na Rcl 28655 AgR, p. 4-5.

imprescindível avaliar em que medida o art. 129, §4º, aliado ao disposto no art. 39, §1º, incisos I, II e III, ambos da Constituição, criou uma simetria como uma única solução válida, para, a partir daí, analisar até que ponto o regime jurídico simétrico engloba direitos, prerrogativas e benefícios remuneratórios, análise esta que não é possível com a aplicação seca e rígida da súmula vinculante 37. Ao que parece, os argumentos trazidos no voto do Min.

Dias Toffoli seguem esta consideração.

A análise destes precedentes pautados na súmula vinculante n. 37 parece demonstrar que a teoria do legislador negativo, deveras, funciona como uma típica autocontenção qualitativa equivalente à uma restrição de competência. De um lado, esta limitação tem a vantagem de definir o objeto e as demais condições de controle de constitucionalidade de maneira taxativa, clara, segura e previsível para o julgador. Porém, de outro, a vagueza, a fonte de fixação do critério de decisão, baseado na reserva de lei e não na Constituição, e a ausência de fundamentação quanto ao fator de discrímen753 revelam a inadequação deste critério decisório.

Portanto, diante da análise destes julgados, apresenta-se inadequada e prejudicial à função de guardião da Constituição a aplicação da súmula vinculante 37 como um fator limitativo da competência constitucional do STF para aferir a constitucionalidade material destas leis e seu fator de discrímen. Deveras, embora no Brasil haja entendimento acadêmico firme quanto ao uso da técnica alemã de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade para sanar omissões relativas754, com suspensão da lei e exclusão de benefício incompatível com isonomia, na prática, salvo as exceções apontadas, o STF tem aplicado pura e simples a súmula vinculante 37, sem verificar os parâmetros constitucionais que devem nortear as políticas remuneratórias dos servidores públicos.

4.4 Da necessidade de uma decisão constitucionalmente adequada e de enfrentamento