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3 AS SENTENÇAS INTERMEDIÁRIAS: ALTERNATIVAS DECISÓRIAS PARA AS

3.5 Tipologia das sentenças intermediárias ou manipulativas em sentido amplo

3.5.4 Sentenças manipulativas com efeitos aditivos

3.5.4.1 Introdução

sucessivas)532. É igualmente problemática a admissibilidade de um pedido de fiscalização de inconstitucionalidade que, a título subsidiário e cumulativo, pugne pela apreciação de normas revogadas que possam ser repristinadas533.

Embora a modulação limite o efeito repristinatório, é válido observar que ela não constitui uma declaração de inconstitucionalidade da norma repristinada, até porque esta declaração é delimitada pelo princípio do pedido ou da adstrição da sentença ao pedido, principalmente no que toca ao controle abstrato e objetivo. Admite-se que esta modulação determine apenas a repristinação parcial, ou seja, que as normas que retomam vigência não irão vigorar na totalidade, mas apenas em parte534. De outro lado, quando se está em jogo o controle difuso de constitucionalidade, cabe registrar, com Rui Medeiros, que o princípio do pedido não impede o juiz constitucional de invalidar toda e qualquer norma jurídica inconstitucional, caso seja relevante para o caso535.

Portanto, diante do que foi exposto, é possível concluir que a modulação de efeitos, incorporada pelo art. 27 da Lei n. 9.868/99 e pelo art. 11 da Lei n. 9882/99, além de decorrer do próprio sistema de controle de constitucionalidade, é importante instrumento decisório a ser utilizado pelo STF, de preferência aliado à técnica de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, para o controle das omissões inconstitucionais indefinidas. Assim, por meio destas técnicas, sem se eximir do dever de guardião da constituição, é possível corrigir vícios decorrentes de benefícios incompatíveis com o princípio da isonomia, nas hipóteses em que, em razão de relativa margem de discricionariedade do legislador, não há espaço para sentenças aditivas.

total ou parcial da lei. Em especial, as omissões inconstitucionais relativas produzem consequências jurídicas que constituem uma lesão objetiva da Constituição. A inconstitucionalidade não está na omissão pura e simples, até porque deriva de uma ação discriminatória do legislador, mas sim na norma implícita (ou mesmo explícita) que acarreta violação do princípio da isonomia. Em razão disso, os Tribunais Constitucionais encontraram mecanismos, embora não perfeitos, que possibilitaram o controle das omissões relativas violadoras da isonomia536, dentre os quais estão as sentenças manipulativas. Mas este controle dependeu das características próprias de cada sistema constitucional que condicionaram os remédios adaptáveis à cada solução. Por exemplo, a modulação de efeitos pro futuro com prazo ao legislador é disciplinada na Áustria, mas não é aceita modulação na Espanha. A constitucionalidade sem nulidade tem previsão na Alemanha, mas não na Espanha. Em Portugal e no Brasil há remédio específico para omissões537.

Enquanto na Alemanha se optou pelo diálogo institucional538, pela conduta autolimitativa da Corte Constitucional e, sobretudo, pela conduta respeitosa do legislador em seguir os apelos do Tribunal539, na Itália as sentenças aditivas e substitutivas foram os remédios utilizados, talvez até por não haver qualquer previsão normativa para lidar com as omissões inconstitucionais relativas violadoras de direitos fundamentais540, mas principalmente em um contexto de descumprimento sistemático da Constituição após II Guerra541.

Na Itália, apesar do surgimento de uma Constituição Democrática de 1947, com um catálogo completo de direitos fundamentais, não houve uma concretização imediata da pretensão revolucionária e democratizante da nova Constituição. Primeiro, havia inércia deliberada do parlamento que impedia a concretização da nova ordem constitucional e que fez o país conviver por um longo tempo com a antiga legislação fascista. Segundo, a Corte Constitucional, em razão de desentendimentos políticos em torno da lei ordinária de funcionamento, somente instalada em 1956. Terceiro, a Corte de Cassação, que ocupava o topo do Poder Judiciário e até então responsável pela última palavra, tinha comportamento

536 REVORIO. El Control... Op. cit., p. p. 82-83.

537 REVORIO. El Control... Op. cit., p. 126-127.

538 MENDES. Jurisdição Constitucional... Op. cit., p. 272-275. Sobre o conceito de diálogo institucional:

VICTOR, op. cit. p. 217-251.

539 MEDEIROS, op. cit., p. 465-467.

540 Cf. LLORENTE, op. cit., p. 37. Ver CASTRO, ob. cit., p. 124

541 CAMPOS, op. cit., p. 404-414.

marcadamente passivista542. O surgimento das sentenças manipulativas tem íntima relação com a existência de omissão inconstitucional relativa e a tentativa de uma solução normativa pautada na Constituição543. O “ativismo judicial”544 da Corte Constitucional da Itália tem relação direta com a existência de lacunas legislativas, leis imperfeitas e até mesmo discriminatórias, cujo contexto histórico decorre do pós-fascismo e de como os poderes políticos, e o próprio judiciário ordinário, comportavam-se, omitindo-se ou não contribuindo para a adequação da ordem jurídica à nova Constituição545. Este estado de coisas configurou um verdadeiro inadimplemento constitucional contra a Constituição que acabara de nascer, fato que restou denominado por Calamandrei, ao invés de infanticídio, algo parecido com um aborto provocado546.

Nesse contexto, dois fatores foram a razão de ser das sentenças aditivas: a existência de um vazio legislativo deixado pelo legislador ou decorrente da declaração de inconstitucionalidade parcial, contra o qual as demais decisões intermediárias não foram suficientes para corrigir o vício de inconstitucionalidade547; a necessidade de se deferir uma função reparadora da ordem jurídica à jurisdição constitucional, ao lado das tradicionais

542 Cf. CAMPOS, op. cit., p. 404-409.

543 REVORIO. El Control... Op. cit., ob. cit. p. 84 e ss; ROMBOLI, ob. cit. p. 64; ZAGREBELSKY, ob. cit. p.

156 e ss; MORAIS. Justiça Constitucional... Op. cit., p. 387 e ss; CRISAFULLI, ob. cit. p. 402 e ss.; E ainda:

BELLOCCI, M. e GIOVANNETTI, ob. cit.; e D'ATENA, ob. cit.

544 Sobre o conceito de ativismo judicial, ver: BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Em busca de um conceito fugidio – o ativismo judicial. Publicado em André Fellet (orgs). As novas Faces do Ativismo Judicial. Salvador:

Jus Podivm, 2011, p. 387-402. Ver também: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 589. Para Lenio Luiz Streck, um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide por argumentos de política e moral ou por convicções pessoais de cada magistrado ou de um conjunto de magistrados. De outro lado, a judicialização da política é fenômeno que surge a partir da relação entre os poderes do Estado e da tensão decorrente do deslocamento do polo de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo para a jurisdição constitucional. Sobre os conceitos de ativismo e judicialização da política, confira: TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo Judicial: Limites da atuação do judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 23-33. Em obra crítica sobre tema, Clarissa Tassinari apresenta uma diferenciação dos conceitos de ativismo judicial e judicialização da política.

545 CAMPOS, op. cit., p. 404-414. Assim, na Itália, a edição de sentenças aditivas teve como fatores: a) dificuldades de efetividade da Constituição de 1947; b) omissão inicial do parlamento em atualizar o direito ordinário com base na nova Constituição; e c) conservadorismo da Corte de Cassação e da jurisdição ordinária.

Aliado a isso, outros fatores também contribuíram para predomínio de remédios unilaterais pelo Tribunal Constitucional italiano, como o protagonismo quase absoluto da via incidental no sistema italiano (as leis cuja constitucionalidade a Corte reconhece foram objeto de interpretação e aplicação pelos juízes e tribunais, constituinte o chamado direito vivente), e as dúvidas da doutrina e da jurisprudência que foram mantidas por muito tempo sobre os efeitos vinculantes das sentenças interpretativas de rejeição.

546 CALAMANDREI, Piero. L’Inadempimento Costituzionale. La Costituzione e le Leggi per Attuarla. Milão:

Giuffrè, 2000, p. 25 apud CAMPOS, op. cit., p. 406.

547 MEDEIROS, op. cit., p. 465. No mesmo sentido: CASTRO, op. cit., p. 121.

funções de valoração (desvalor-regra de inconstitucionalidade/nulidade), pacificação (coisa julgada) e ordenação (efeito erga omnes e força vinculante)548.

Evidente que a superação prática do modelo negativo de jurisdição não ficou isenta de críticas, inclusive na Itália, berço das sentenças aditivas549. A manipulação do conteúdo de um preceito, com a adição de um quid normativo (com ou sem ablação de segmentos normativos ideais) sem o qual a norma em exame seria inconstitucional, poderia contrariar as funções do Tribunal Constitucional. De um lado, há problemas de legitimidade da justiça constitucional decorrente da adição de uma norma à disposição sindicada, e sérios riscos de usurpar os poderes constitucionalmente atribuídos ao legislador, com violação do princípio da separação de poderes550. De outro lado, em determinadas situações, nas quais a Constituição não confere margem de discricionariedade para o legislador, as decisões podem ter fundamento extraído do próprio texto constitucional. Por isso, muito mais do que uma objeção genérica pautada em uma separação estática de poderes551, é preciso analisar seus fundamentos, características, tipologia e limites para melhor compreensão deste tipo de decisão.