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Na verdade, foram vários os autores que nas últimas décadas, face ao quadro referencial onde a tónica era o contexto de crise do Estado, tomaram posições críticas e puseram a nu algumas das contradições e dos problemas intrínsecos ao modelo tradicional de funcionamento do Estado. Neste contexto, emergiu a discussão e a importância em redor da governação.

Actualmente, a expressão «Governação» detém uma significação polivalente que lhe adveio das ciências contemporâneas, nomeadamente da ciência económica e da ciência política, no sentido de utilizar uma noção geral capaz de proporcionar uma diversidade de significados abrangentes e não apenas restritos à noção clássica de governo.

A noção de governação tem em si mesma a função descritiva, ao caracterizar as formas emergentes da acção pública e, a função normativa ao determinar a orientação das alterações necessárias a implementar.

Carneiro (2003:28), citando Beck e Giddens, salientou que “o conceito de governança contrapõe-se ao conceito tradicional de governo. Enquanto o governo diz respeito às instituições formais do poder legislativo, executivo ou judicial, a governança remete para os mecanismos informais de regulação envolvendo instituições públicas, indivíduos, empresas, organizações não governamentais e outros grupos da sociedade civil, implicando cooperação e coordenação a vários níveis”. A natureza da governação, segundo Kohler-Koch (1998:659) “tem a ver com as formas e meios pelos quais as preferências divergentes dos cidadãos são traduzidas em opções políticas efectivas, tem a ver com o modo como a pluralidade de interesses societários se transforma em acção unitária e se alcança a aquiescência dos actores sociais”. Este mesmo autor considera ainda que, a governação é o processo que propícia acordos vinculativos. Qualquer tipo de governação, para ser aceite, está articulado em instituições, enquadrado por normas e depende da autoridade. No entanto, as instituições, as

orientações normativas e a fonte da autoridade variam, diferenciando-se quando a governação se efectua sem governo (Kohler-Koch, 1998:660).

De acordo com Rhodes (1996) a noção de «governação» é correntemente utilizada nas ciências sociais com pelo menos seis significados diferentes: «o Estado mínimo», «a governação de empresas», «a nova gestão pública», «a boa governação», «os sistemas sócio-cibernéticos» e «as redes auto organizadas».

Mas qual a essência da Governação? Stoker (1998:19) diz-nos que a essência da governação, é que ela privilegia os mecanismos de governo que não têm necessidade para funcionar de autoridade e das sanções do poder público.

Para além da sua essência, este mesmo autor considera que a governação permite a intervenção de um conjunto de instituições e actores que não fazem parte da esfera do governo; faz com que as fronteiras das responsabilidades se tornem menos demarcadas no domínio da acção social e económica; traduz uma interdependência entre os poderes das instituições associadas e a acção colectiva; faz com que haja a intervenção de redes de actores autónomos; e ainda, parte do princípio que é possível agir sem se submeter ao poder e à autoridade do Estado utilizando técnicas e novos meios para orientar a acção colectiva (Stoker, 1998:19).

Este mesmo autor, citando Kooiman e Vliet (1993), salienta que o conceito de governação refere-se à criação de uma estrutura ou de uma ordem que não pode ser imposta pelo exterior, mas que resulta da interacção de um grande número de governantes que se influenciam mutuamente (Stocker 1998:19-20).

Actualmente, o ressurgimento da sua discussão e importância deve-se às transformações nas formas de acção pública. A governação fundamenta-se no disfuncionamento crescente da acção pública. Este disfuncionamento tem vindo a ditar o surgimento de novos princípios e modalidades de regulação pública, permitindo agora a associação da sociedade civil, dos sindicatos, dos cidadãos, …, na gestão dos assuntos públicos.

A participação activa destes verifica-se através de processos que permitem a sua presença ou de processos de negociação, com o objectivo de permitir resultados sobre objectivos e projectos comuns. Carneiro (2003:21) refere que “tratar-se-á de promover a mudança necessária, estimular a participação, apostar naquilo a que hoje se chama a responsabilidade distribuída, adoptar o modelo de difusão de responsabilidades ao invés de persistir na concentração de responsabilidade, acreditar na e praticar a subsidiariedade”.

Segundo Bagnasco e Gales (1997:38), a governação pode definir-se, como um processo de coordenação de actores, de grupos sociais e de instituições para atender a objectivos próprios, discutidos e definidos em conjunto aquando de circunstâncias fragmentadas e incertas. Por sua vez, Carneiro (2003:28) considera ainda que “a defesa de novas formas de governança surge assim num contexto em que se dá a politização de domínios anteriormente excluídos do debate público”.

O Comité Económico e Social (CES 535/2001, 2001:3), citando Calame e Talmant, considera que a governação “é a capacidade de as sociedades humanas se dotarem de sistemas de representação, de instituições, de processos e de órgãos sociais para se administrarem a si mesmas num movimento voluntário. Essa capacidade de tomada de consciência (o movimento voluntário), de organização (instituições, órgãos sociais), de conceptualização (os sistemas de representação) e de adaptação a novas situações é uma característica das sociedades humanas”. Mas quais são actualmente as questões que põem em evidência a necessidade desta discussão? Carneiro (2003:28) considera que “fenómenos como a forte expansão do uso de computadores e das redes de comunicação ou, noutro plano, o activismo ambiental têm contribuído para o questionamento das formas centralizadas e hierarquizadas do exercício do poder típicas da administração tradicional e para a reclamação de processos de decisão mais negociados e participados pelos cidadãos”.

De acordo com Covas (2002:223), o princípio geral da governação consagra o trajecto traçado “dos interesses aos compromissos por intermédio das instituições”.

Este princípio, segundo o mesmo autor, compreende os itens seguintes: assenta numa legitimidade funcional-procedimental; não faz escolhas políticas democráticas; não se funda num projecto político contraditório; não adopta decisões, delibera sobre compromissos; não acarreta responsabilidade política directa; elege a instituição como o actor principal da negociação; sustenta-se e produz um poder regulatório crescente; são recorrentes os problemas e as políticas públicas; promove a diferenciação dos interesses e os respectivos custos de transacção; e ainda, não garante a produção/politização necessária e suficiente do espaço público democrático (Covas, 2002:224).

Podemos salientar ainda que, neste momento, não existe uma posição consensual entre os estudiosos desta matéria sobre o objectivo final da governação. Para uns, ela é um instrumento para prosseguir com a liberalização das sociedades. Para outros, ela é uma via aberta para a

democratização do funcionamento do Estado, para a mobilização cívica, bem como para as iniciativas locais e dos cidadãos.

Tendo presente todas as referências feitas neste trabalho sobre a «governação», bem como um dos pensamentos de Kooiman (1994), parece-nos poder concluir que, a governação é o resultado das interacções estabelecidas entre vários actores, quer do sector público, quer do sector privado. Torna-se evidente que, a gestão e a ordem das sociedades modernas podem ser alcançadas com uma menor intervenção do Estado, surgindo este como entidade reguladora das relações interinstitucionais das sociedades em causa.