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Capítulo 2 – Dividendos

2.1 Conceito

O lucro é um dos elementos essenciais para a caracterização do empresário. Se a atividade econômica é explorada sem fins lucrativos, estar-se-á diante de outra atividade que não a empresa. Embora seja elemento essencial para a caracterização do empreendedor, o lucro não é objetivo exclusivo dele. As atividades econômicas não organizadas, como as profissões intelectuais e, até mesmo, a chamada atividade econômica informal, também podem perseguir o lucro. Segundo MAMEDE (2004, v. 2, p. 603), o que leva as pessoas físicas ou jurídicas a destinarem parte do seu patrimônio pessoal para a constituição de uma sociedade empresária é o intuito lucrativo:

Há na subscrição e integralização de ações – assim como se passa com as quotas, na sociedades contratuais – uma lógica econômica própria: ao investirem na companhia, na constituição de seu patrimônio social, os acionistas esperam auferir lucro, isso é, esperam por uma remuneração do capital investido: dinheiro que se alocou para a produção de mais dinheiro, segundo a lógica capitalista.

No seio da sociedade empresária, o lucro pode ser analisado sob o aspecto subjetivo e objetivo. Sob o aspecto subjetivo, o lucro diz respeito ao direito subjetivo essencial de todo acionista de participar dos resultados da empresa. Corresponde, portanto, à expectativa de auferimento de retorno financeiro, que motiva os acionistas a subscreverem e integralizarem ações das companhias. Em termos objetivos, o lucro refere-se ao próprio fim

legal da sociedade empresária. Ou seja, a razão de ser de toda sociedade empresária e, notadamente, das sociedades anônimas é o fim lucrativo91.

Nesta linha de pensamento, há posição jurisprudencial do STF e do STJ no sentido de considerar o lucro como condição essencial para a caracterização da sociedade. Sem ele, a sociedade não cumpre a sua função social, podendo até ser dissolvida parcialmente:

Entendeu a decisão recorrida, em face dos fatos e das provas, que a sociedade recorrente não podia preencher o fim para que fora constituída. Isso podia dar ensejo, como ocorreu, à discussão sobre a exata definição do que seja fim ou objeto das sociedades de comércio. Do acórdão relatado, pelo saudoso Nelson Hungria, citou-se trecho em que se afirma que o objeto da sociedade anônima somente pode ser empresa de fim lucrativo e que, se ela fracassa nesse objetivo, perde a sua razão de ser92.

DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. GRUPO

FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE LUCROS E DE DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS HÁ VÁRIOS ANOS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIOS MINORITÁRIOS. POSSIBILIDADE.

Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra da affecttio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo, na expressão de Rubens Requião.

O princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social afasta a dissolução integral da sociedade anônima, conduzindo à dissolução parcial. Recurso parcialmente conhecido, mas improvido93.

Mas o vem que a ser lucro?

O lucro pode ser conceituado sob diferentes ângulos. Do ponto de vista econômico, MARX (1988, p. 63) relaciona o lucro à noção de mais-valia, o trabalho não pago do operário, a parte do valor total das mercadorias em que se encontra incorporado o trabalho excedente. Da perspectiva jurídica, lucro é, segundo REQUIÃO (2005, v. 2, p. 243), “o sobrevalor que a sociedade pode produzir, como resultado da aplicação do capital e outros

91 MARTINS (1982, v. 1, p. 35), ao comentar o art. 2° da LSA, afirma que “o objeto da companhia é qualquer

empresa de fim lucrativo, donde empresas que sem fim lucrativo, ainda mesmo que os atos praticados pelas mesmas sejam de caráter econômico, não poderem ser objeto de sociedades anônimas brasileiras”.

92 RE 75.957-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, in RTJ 65/589.

93 REsp 111.294/PR, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR

recursos na atividade produtiva”. Em concepção contábil, lucro é o saldo positivo da conta

do resultado do exercício - esse conceito ainda pode ser desdobrado em subespécies como lucro real, lucro presumido, lucro arbitrado, cada uma com o seu tratamento fiscal apropriado94. Há, ainda, a conceituação formulada por ANDRADE FILHO (2008, p. 567), para quem o lucro se refere ao “resultado da exploração de uma atividade econômica sob a forma empresarial, em caráter permanente ou não”.

É de se destacar que o conceito legal de lucro é fundamentado no conceito contábil, razão pela qual, para o presente trabalho, importarão ambos os conceitos. Partimos, portanto, da definição de que lucro é o resultado positivo que se obtém pela apuração de todas as receitas auferidas pela atividade econômica, deduzidas todas as despesas incorridas para sua exploração, num determinado período. Conforme acentua VERÇOSA (2008, v. 3, p. 596- 597), “lucro é a soma algébrica de resultado positivo entre as contas de resultado

representativas do ingresso de recursos econômicos para a sociedade (receitas) e as saídas de tais recursos (despesas)”. A LSA estabelece que o lucro líquido do exercício é o resultado

que remanescer, após deduzidos os prejuízos acumulados, a provisão para o imposto de renda e as participações estatutárias dos empregados, administradores e partes beneficiárias95.

E qual a relação dos lucros com o conceito de dividendos?

Os dividendos, de modo simples e direto, são uma parte do lucro que é atribuída ao sócio, de acordo com a sua participação no capital social. Seguem algumas definições cunhadas por diferentes autores:

“dividendo é a parte dos lucros líquidos que se partilha, que se

divide periodicamente pelos acionistas sobre cada uma das ações de conformidade com o estabelecido nos estatutos” (CARVALHO DE

MENDONÇA, 2001, v. II, tomo II, p. 88).

94 IUDÍCIBUS (1998, p. 143)

95 Conforme artigo 189. “Do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os

prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a Renda. Parágrafo único. o prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem. Art. 190. As participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada. Parágrafo único. Aplica-se ao pagamento das participações dos administradores e das partes beneficiárias o disposto nos parágrafos do artigo 201. Art. 191. Lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190”.

“o que toca a cada acionista, por distribuição de parte dos lucros líquidos, conforme o ato constitutivo stricto sensu ou os estatutos”

PONTES DE MIRANDA, 1965, v. 50, p. 438).

“designativa da parte que se atribui a cada acionista, proporcionalmente ao número de ações” (ESTRELA 1973, p. 441).

O lucro líquido do exercício que, como sabemos, é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações estabelecidas no art. 190, dividido pelo número de ações integrantes do capital social, leva-nos ao que chamamos de dividendos

(MIRANDA JÚNIOR, 1977, p. 280).

Dividendo, na terminologia do Direito Comercial, significa o rendimento que cabe aos acionistas de uma sociedade anônima, em proporção ao capital que possuem na mesma sociedade. É a parte da divisão do lucro destinado à distribuição entre os acionistas de uma companhia (FRAN MARTINS, 1984, v.2, p. 720).

Para BORGES (1971, p. 457), no sentido etmológico da palavra, “dividendo é o número que se há de dividir, é o número dado para ser distribuído”. No entanto, para o

sentido empregado na LSA, o dividendo não é a totalidade do lucro partilhável entre os acionistas, mas a parte que toca a cada um, isto é, não o dividendo, mas o quociente desse dividendo total - quantia a ser dividida - pelo número de ações.

Conforme SASOT BETES (1977, p. 3-4), o dividendo, como uma das vantagens que pode ser atribuída ao acionista da sociedade, pode ser considerado sob os aspectos jurídico, econômico, financeiro e contábil. Do ponto de vista jurídico, os dividendos são a parte dos lucros da sociedade que a assembleia decide distribuir como vantagem para cada ação, de acordo com os estatutos e o resultado do balanço do exercício. Sob o aspecto econômico, dividendo é toda renda que resulta do capital aportado na sociedade para a realização de um ato de comércio ou prestação de serviço. Em acepção financeira, dividendo é o custo do capital próprio ou o preço que a sociedade deve pagar ao acionista pelo capital fornecido e incorporado definitivamente na empresa. Da perspectiva contábil, dividendos pressupõem a existência de um balanço geral dos negócios da sociedade que demonstre, num comparativo entre as contas do ativo e do passivo, um lucro incorporável ao patrimônio social96.

96“El dividendo, en cuanto participación del accionista en las utilidades de la sociedad, puede ser considerado