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São muitos os autores que trabalham com o conceito de sistema. É possível dedicar um trabalho inteiro somente à compilação dos mais variados entendimentos. No entanto, deve-se, neste momento, abordar somente algumas obras e ao final apresentar, de maneira clara, um conceito próprio que atenda às proposições feitas.

Adotando-se a concepção de Claus-Wilhelm Canaris37, um sistema é uma ordenação de elementos vinculados por uma qualidade em comum, que devem, em função disto, ser manuseados de forma harmônica para levar quem o utilizar a um determinado fim, que justifique a criação do sistema.

A partir desta idéia pode-se compreender toda a matéria que relaciona o Direito à sua característica sistêmica e consequentemente científica.

Inicialmente, cuida-se do sistema como uma ordenação de elementos, consistindo estes nos valores socialmente considerados como relevantes. Tal relevância social é a característica comum entre os elementos, guiando-os em uma mesma direção.

Não se pode esquecer que o sistema depende de um sujeito para ser aplicado e, portanto, o fator humano, daquele que manuseia os elementos, não pode ser ignorado. Trata- se de um fator externo ao sistema, devendo ser analisado sob outra perspectiva.

Retomando, a utilização dos elementos dentro do sistema deve ocorrer coordenadamente, pois tais elementos são valores essenciais e, portanto, devem ser ponderados em sua aplicação para que não haja sobreposição de um pelo outro, o que seria inadmissível. Aí se nota influência de Karl Larenz no que diz respeito aos valores e sua coordenação harmoniosa, ao qual será dado o devido tratamento adiante.

37 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Tradução de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2002.

Por fim, o sistema deve ter uma finalidade, pois, sem um propósito a ser alcançado, não há ciência. O Direito é uma ciência cujo conteúdo teleológico reside na ética e na justiça, ou seja, seu sistema foi criado para aprimorar o que já se buscava antes de seu estabelecimento.

O homem forma um sistema do qual faz uso para alcançar o fim para que foi criado, no caso do Direito, para alcançar a justiça.

Sendo assim, os elementos vinculados devem ser manuseados harmonicamente, criando-se, se necessário, instrumentos que permitam essa ação, para ao final ser alcançado o objetivo pré-estabelecido.

Sob outra ótica, porém com semelhanças facilmente reconhecíveis, Norberto Bobbio38, fortemente inspirado em Hans Kelsen, afirma que um sistema ou, ordenamento, se estabelece a partir da unidade coesa de seus elementos. Uma vez definido que para que haja Direito é preciso haver ordenamento jurídico, é possível separar este em simples e complexo, conforme as normas que o componham derivem de uma só fonte ou de mais de uma.

A necessidade de regas para uma sociedade é tão intensa que um poder isolado não consegue satisfazê-la, recorrendo a dois expedientes, que podem ser considerados fontes indiretas do ordenamento, isto é, a recepção de normas já produzidas (fontes reconhecidas) e a delegação do poder de produzir normas a poderes ou órgãos inferiores (fontes delegadas). Por isso, em regra, os ordenamentos jurídicos são complexos, formados por mais de uma fonte.

Para que não se pense que, por ter muitas fontes, os ordenamentos não sejam unitários, o autor aceita a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Hans Kelsen. Sendo assim, as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano, havendo normas superiores e normas inferiores, sendo que as segundas dependem das primeiras. De acordo com esta escala, de baixo para cima chega-se a uma norma superior, sobre a qual repousa a unidade do ordenamento, que é a norma fundamental. Esta faz das normas espalhadas e provenientes de diversas fontes o conjunto unitário que vem sendo chamado de ordenamento ou sistema.

38 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos

Igualmente, merece destaque a teoria de Karl Larenz39 acerca do sistema jurídico. O autor delega à atribuição dos significados das normas a tarefa de estabelecer o sistema, de uma ou de outra forma. A maior ou menor abstração dos conceitos contidos nas normas atribui a elas conexões de sentido que permitem sua visualização como um conjunto.

A partir do grau de abstração dos conteúdos, é possível criar dois sistemas jurídicos. O primeiro se baseia em “tipos” que trazem elementos jurídicos mais ou menos específicos, isto é, “tipos inferiores” ou “conceitos inferiores”, menos abstratos porque apresentam elementos mais específicos que permitem com maior facilidade a subsunção dos fatos reais ou seu dispositivo. Ainda que esta subsunção não seja perfeita e imediata, os conceitos inferiores, por sua vez, podem ser subsumidos a “conceitos superiores” a eles ligados, que permitem, “finalmente, reconduzir a massa do material jurídico a alguns poucos conceitos “supremos”40. Este sistema permite, através da subsunção, a ordenação de seus elementos com base na simples lógica formal.

Por outro lado, o conteúdo das normas pode ser estabelecido não por elementos jurídicos que findem na subsunção lógica dos fatos, mas pela função que exercem ou devam exercer diante do complexo ao qual pertencem. Ingressa-se, aqui, na importância dos valores para a definição de sistema. Nas palavras de Larenz:

Daqui surgiram indicações para a formação de um sistema de outra espécie. Os tipos jurídicos são em si próprios “sistemas móveis” de elementos ordenados entre si, sob um determinado critério diretivo. Como tais, podem ordenar-se em “séries de tipos” que, por seu lado, podem ser concebidas como “sistemas móveis parciais”. Os princípios diretivos que estão mais ou menos concretizados na regulação dada, mas que precisam ainda de ser concretizados, representam elementos de um “sistema interno”, que tem por missão tornar visível e pôr em evidência a unidade valorativa interna do ordenamento jurídico. Como elementos de união, de certo modo, entre estes princípios e os conceitos “abstratos”, que não são tão pouco de eliminar por completo, servem, finalmente, os conceitos “determinados pela função”.41

O fator valorativo das normas recebe importância até então não explorada. O sistema se estabelece, portanto, de acordo com os valores determinantes das funções das normas criadas, mostrando-se necessário à sua decifração um mecanismo apto a concretizar as

39LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3ª Ed. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbekian, 1997.

40Idem, pp. 622-623. 41Bis in idem, p. 623.

normas quando da sua aplicação, apontando-lhes a função e justificando-as nos valores sobre os quais se funda o sistema. Tal mecanismo é a jurisprudência científica.

Depois de expostas conceituações ou classificações distintas de sistema, é possível estabelecer um conceito que abranja tais definições, extraindo-se de cada uma determinada qualidade.

Um sistema jurídico é um ordenamento de elementos normativos com a característica comum de estarem vinculados entre si e a uma norma superior, a qual lhe dá fundamento e cuja essência reside em valores previamente estabelecidos quando da sua criação.

Portanto, para a concretização de qualquer norma, em respeito ao sistema ao qual pertence, é imprescindível a análise do valor e do escopo que a sustenta.

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