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O princípio da igualdade substancial

4.1 Princípios contratuais

4.1.4 O princípio da igualdade substancial

Este tópico poderia ser o mais extenso do trabalho, porque faz parte do início, meio e fim do seu tema. É uma das vertentes da dignidade da pessoa humana, que parte da aceitação da desigualdade dos homens para convertê-la em igualdade substancial e não meramente formal.

Ficou claro que o indivíduo tem autonomia para agir, para realizar acordos e ter garantida sua dignidade nestas ações. Para tanto, é preciso aceitar as diferenças entre os contratantes.

Enquanto o liberalismo assegurava a igualdade formal, dependente da aplicação pura e simples da mesma lei para todos, atualmente, é obrigatória uma interpretação que respeite a igualdade material e promova a justiça e o equilíbrio contratuais. Nas palavras de Priscilla Lacerda Junqueira de Arantes:

Não se pode mais fechar os olhos diante de contratações escancaradamente iníquas. O contrato é poderoso instrumento de justiça social e com o auxílio do princípio da igualdade substancial, sempre na observância da preservação da figura do ser humano e de sua dignidade, há a possibilidade de tornar efetiva a igualdade social almejada por todos.83

O ponto mais difícil é definir no que consiste esta igualdade. Heinrich Ewald Hörster84 aponta um questionamento acerca da busca de igualdade entre dois indivíduos, um mais fraco e outro mais forte, e questiona se o mais fraco, somente por sê-lo, teria sempre razão. De fato,

83 ARANTES, Priscilla Lacerda Junqueira de. O princípio da igualdade substancial na teoria contratual contemporânea. Renovar, 2006, p. 152.

84HÖRSTER, Heinrich Ewald. A directiva 2000/43/CE e os princípios do direito privado – esboço de algumas reflexões. In: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 da reforma de 1977: volume 2: a parte geral do código e a teoria geral do direito civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, pp. 168-169.

ele tem menos poder e isto limita sua liberdade, mas não significa que o poder deve ser tirado do mais forte e, sim, que deve ser redistribuído dentro da relação entre os sujeitos.

O mesmo autor segue explicando que a aceitação das minorias é imprescindível, mas isto não significa que seus comportamentos devem ser classificados como padrões sociais, porque isso colocaria em risco a identidade da maioria. Não deve haver exagero ou confusão entre a aceitação da minoria ou do mais fraco e sua respectiva proteção e a inversão das características próprias da maioria pelas destes. Precisa-se de cautela no questionamento acerca da igualdade, sempre tendo em mente que cada situação difere da situação anterior e suas particularidades devem ser observadas.

Com este objetivo leciona Pietro Perlingieri:

Não é possível estabelecer uma igualdade de valoração entre pessoa e formação social, reconhecendo a esta última um valor em si: a formação social tem valor constitucional somente se atender à função do livre desenvolvimento da pessoa. Daí decorre que entre as formações sociais é imprescindível estabelecer uma graduação. Não é legítimo colocar no mesmo plano sindicato, partido, cooperativa, família. O enfoque contrastaria com a carta Constitucional porque realizaria um nivelamento de situações (ou, melhor, atividades) patrimoniais e afetivas, comunhões de vida e funções existenciais.85

A dificuldade está exatamente aí, na remoção dos obstáculos que impedem a participação dos indivíduos na medida e em conformidade com suas condições pessoais e que são determinantes para o tratamento a elas direcionado. Isto decorre do surgimento da sociedade de massas, na qual a individualização é substituída pela estandardização, diminuindo-se cada vez mais a autonomia. Nas palavras de Norberto Bobbio:

(...) o aparecimento das trocas coletivas, chamadas contratos coletivos, também aumentou o espaço da liberdade negativa. Na equalização social todos se tornam, por assim dizer, mais iguais. Mas, também diminui o papel da autonomia, da liberdade no sentido positivo e, portanto, a possibilidade de ser diferente diminui (...)

Num certo período prevalece a função de institucionalizar a autonomia da vontade, agora temos a outra função prevalecendo – a equalização de todos os membros da sociedade.86

85 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 466.

Desta forma, os princípios contratuais devem ser utilizados conjuntamente, complementando-se na busca pela igualdade real e pela preservação do desenvolvimento pessoal e da dignidade.

O princípio da solidariedade se liga ao da igualdade substancial em um mesmo objetivo, de alcançar o equilíbrio contratual e, consequentemente, a justiça contratual. “O mesmo ocorre em relação ao princípio da boa-fé objetiva, que traz embutidos no seu conceito, os princípios da transparência e da confiança, necessariamente.”87

Há quem discorde acerca da fundamentalidade do princípio da igualdade substancial na teoria do negócio jurídico. Para Fernando Noronha88, os princípios desta teoria seriam os da autonomia privada, da boa-fé e da justiça (ou equilíbrio) contratual. A igualdade substancial (porque somente por meio dela haveria compatibilidade com os princípios dispostos) ingressaria como instrumento idealizador ou facilitador da justiça contratual.

Priscilla Lacerda Junqueira de Arantes, no entanto, ensina que o princípio em foco deve ser inserido na categoria de fundamental quanto aos contratos e que estaria na gênese destes, na medida em que é essencial para o alcance da justiça contratual quando há desigualdade entre os contratantes. Diante dos novos parâmetros de finalidade dos institutos jurídicos, incluídos aí os de natureza negocial, o princípio da igualdade não poderia estar em outro lugar senão na sua gênese, como capaz de proporcionar a dignidade humana, corolário maior da Constituição Federal, o desenvolvimento da pessoa e assim por diante. A igualdade substancial visa à justiça social e alcançada esta, consequentemente, será preservada a dignidade dos sujeitos.

O intuito, portanto, é a segurança de ambas as partes e, não somente, do contratante mais forte que redige as cláusulas contratuais. É por essa razão que o princípio da boa-fé, da transparência e da confiança devem sempre ter como norte o princípio da igualdade substancial, o qual precisa ser inserido em qualquer relação contratual, para que o contratante mais fraco, esteja ele diante de uma relação de consumo ou não, participe da relação isonômica real.89

87ARANTES, Priscilla Lacerda Juqueira de. Op. cit. p. 165.

88 NORONHA, Fernando. Princípios dos Contratos (autonomia privada, boa-fé, justiça

contratual) e Cláusulas Abusivas. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. São Paulo, 1990, p. 172.

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