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O conceito de técnica deve ser adaptado?

CAPÍTULO III A PATENTEABILIDADE DAS INVENÇÕES IMPLEMENTADAS POR

3. A crítica doutrinária ao critério do IEP

3.2. Como deve ser interpretado o critério de tecnicidade?

3.2.3. O conceito de técnica deve ser adaptado?

Vejamos a resposta que a doutrina dá à questão. Em relação a esta questão COUTO GONÇALVES começa por referir-se ao alargamento da noção de técnica, de que não discorda, mas afirma que tal não poderia significar o desvirtuamento ou esbatimento da importância que a técnica deve assumir no direito de patentes, pois aquela seria indispensável para garantir que, com segurança, é atribuído o direito privativo de patente, salvaguardando assim o interesse público legitimador.391 Apesar de apenas a técnica garantir a apreciação objetiva da invenção, considera que o alargamento do conceito de técnica não implicaria o alargamento do objeto patenteável. Continuando com a afirmação de que seria incoerente basear o direito de patente no conceito de técnica e negar as consequências da evolução daquele conceito.392

Posteriormente, critica o autor a jurisprudência do IEP da qual resultaria a admissibilidade da patenteabilidade dos programas de computador, quando a regra seria precisamente a inversa. Justifica a sua posição com a afirmação de que o problema não residiria na técnica, pois tudo o que envolve programas de computador seria, por natureza, técnico. Para o autor, o fundamento da exclusão residiria na proteção dos programas de computador pelo direito de autor, pelo que a jurisprudência do IEP consistiria em disfarçar um problema político com «roupagem técnica». Não vislumbramos, contudo, como pode ser a técnica um disfarce quando o autor afirma, como vimos, que o conceito de técnica é indispensável ao direito de patentes.393

Posteriormente, defende que a partir do momento em que se concede que os programas de computador são, por natureza técnicos, não seria possível

391 Cfr. Luís Couto Gonçalves, «A patente de invenção e a noção de técnica», cit., p. 311.

392 Parece-nos haver aqui contradição. Não compreendemos como pode afirmar-se esta incoerência e ao mesmo tempo afirmar-se que da evolução do conceito de técnica não resultaria o alargamento do objeto patenteável. Parece-nos que tal consiste precisamente em negar as consequências da evolução do conceito de técnica.

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interpretar a restrição à exclusão «como tal» como ausência de carácter técnico.394 Conclui então COUTO GONÇALVES que os programas são patenteáveis por natureza, mas ao mesmo tempo, que apenas serão patenteáveis quando sejam parte de uma invenção que não consista exclusivamente num computador, ou seja, quando o programa não se destine a um «computador como tal». Termina o autor com a seguinte interpretação: «Um programa deve ser considerado como tal quando ligado unicamente a um computador possa cumprir uma finalidade operativa ou uma tarefa aplicativa. Programa como tal não é o programa desprovido de carácter técnico mas aquele que seja protegido diretamente em si mesmo considerado a título principal com tudo aquilo que o compõem (material de conceção, código fonte e código objeto) quando destinado a um equipamento exclusivamente computacional (isto é, dirigido ao tratamento de informação)».395

Inversamente, um programa de computador não deveria ser considerado «como tal» desde que fosse dirigido a uma «invenção programável que realiza um conjunto de tarefas predefinidas dirigidas a fenómenos tangíveis e não apenas informação».396

Neste caso, admitiria o autor a cumulação dos direitos de patente e de autor mas no que seria uma «dimensão indireta». O programa apenas seria protegido como característica técnica de uma invenção mais ampla, não exclusivamente computacional.397 A justificação do autor residiria assim em evitar a cumulação das proteções através dos direitos de patente e de autor.

Novamente discordamos. Consideramos que o fundamento da exclusão não pode ser evitar a cumulação da proteção dos programas de computador pelos direitos de patente e de autor. Em primeiro lugar surge o elemento sistemático da

394 Cfr. Luís Couto Gonçalves, «A patente de invenção e a noção de técnica», cit., p. 318. 395 Cfr. Ibidem, p. 319.

396 Cfr. Ibidem. 397 Cfr. Ibidem, p. 320.

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interpretação já acima mencionado. Se a exclusão dos programas de computador tivesse outro fundamento que não a sua insuscetibilidade natural para constituir uma invenção então não poderia constar do art. 52º/2 da CPE, onde é prevista a delimitação negativa do conceito de invenção. Se a fundamentação da exclusão dos programas de computador fosse evitar a cumulação de proteções, teria de estar prevista como uma exceção no art. 53º da CPE. Adicionalmente, ainda que a finalidade da norma fosse prevenir a referida cumulação, daí poderíamos retirar, precisamente, que os programas de computador poderiam ser protegidos por patente. As cumulações de proteções apenas existem verdadeiramente, e são de evitar, quando o objeto protegido é o mesmo. Assim, se interpretássemos a norma que prevê a exclusão dos programas de computador «como tal», de acordo com a finalidade de evitar a cumulação, teríamos que poderiam ser protegidos por patente todos os elementos dos programas de computador que não são protegidos por direito de autor. Parece-nos ser esta a posição de DIAS PEREIRA.398

Acrescentamos ainda que não nos parece que a fundamentação da exclusão proposta responda devidamente à questão de saber em que consistiria um programa de computador que não pode ser considerado «como tal». Se os programas não fossem considerados «como tal» se dirigidos a uma «invenção programável que realiza um conjunto de tarefas predefinidas dirigidas a fenómenos tangíveis e não apenas informação», como propõem o autor, então teríamos duas opções: ou considerávamos que o programa de computador, apesar de constar das reivindicações, não era protegido, o que nos parece que não é possível, ou considerávamos o programa de computador, parte de tal invenção, também era protegido, o que resultaria, de qualquer modo, em cumulação, na medida em que esse programa continuaria a ser protegido por direito de autor.

398 Cfr. Alexandre Dias Pereira, «Patentes de software: sobre a patenteabilidade dos programas de computador», em Direito Industrial (AA.VV.), Coimbra, 2001, pp. 385 e ss.

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Por outro lado, apesar de discordarmos da justificação para a exclusão dos programas de computador aventada pelo autor, consideramos que as definições que apresenta são defensáveis. São-no, no entanto, precisamente com base no conceito de técnica. Na verdade, parece-nos, que a defesa de que um programa de computador apenas não será considerado «como tal» quando consista numa «invenção programável que realiza um conjunto de tarefas predefinidas dirigidas a fenómenos tangíveis e não apenas informação», não necessita de apoio na finalidade de evitar a cumulação de proteções. Basta somente que se considere que a noção de técnica do direito de patentes não deve perder a sua referência aos fenómenos tangíveis. Assim, voltamos ao cerne da questão que, como RETO HILTY e CHRISTOPHE GEIGER formulam,399 consiste em saber se o direito de patente é capaz de estimular a inovação nesta nova área, caso em que a noção clássica de técnica deve ser adaptada. Se, pelo contrário, a resposta é negativa a definição de técnica deve ser mantida.