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CAPÍTULO III A PATENTEABILIDADE DAS INVENÇÕES IMPLEMENTADAS POR

4. Posição adotada

4.1. Delimitação de questão

Partimos sempre da premissa, que julgamos demonstrada, que a restrição às exclusões constituída pela expressão «como tal» deve ser interpretada como ausência de carácter técnico. Se todos os aspetos do programa são técnicos, então uma interpretação que delimitasse os programas patenteáveis subtraindo-lhes os elementos protegidos por direito de autor seria contraditória, na medida em que o critério é o da técnica e os elementos protegidos por direito de autor excluídos são técnicos. Por outro lado, se se mantiver a definição tradicional de técnica, exigindo-se a produção de resultados tangíveis, excluindo da proteção os

399 Reto Hilty e Christophe Geiger, «Towards a New Instrument of Protection for Software in the EU? Learning the Lessons from the Harmonization Failure of Software Patentability»,cit., p. 16.

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programas de computador que não produzam tal resultado, haverá ainda assim contradição, pois os programas de computador que não produzem resultados tangíveis, apesar de também serem técnicos, seriam excluídos por falta de tecnicidade.

Assim demonstra-se, julgamos, que qualquer que seja a interpretação dada à exclusão dos programas de computador «como tal», apoiada no conceito de técnica atual, e admitindo que todos os aspetos dos programas de computador são técnicos, será sempre contraditória. Assim, o ponto de partida deve ser o de que o direito de patentes pode assumir a noção de técnica que melhor cumpra a sua finalidade, de estimular a inovação, sem que tenha de ser adotado o conceito de técnica que resulta da filosofia da técnica.400 Por outro lado, a noção de técnica que se assuma não pode ser tal que esvazie de qualquer conteúdo a exclusão da proteção dos programas de computador através do direito de patente.

Assim, a proteção não pode ser tal que considere protegível por patente qualquer programa de computador, por ter carácter técnico, pois a norma ficaria neste caso despida de qualquer significado.401 Do mesmo modo, a interpretação que veria na exclusão dos programas de computador como tal, apenas a exclusão do programa conforme protegido por direito de autor deve também ser afastada. Tal interpretação seria conferir à norma uma finalidade que ela não tem. A norma, conforme acima demonstrado, visa delimitar negativamente o conceito de

400 Sobre a origem da expressão filosofia da técnica v. Luís Couto Gonçalves, «A patente de invenção e a noção de técnica», cit., p. 320.

401 Não consideramos assim admissíveis as posições como por exemplo a de Philip Leith, que defende, em traços gerais, que na medida em que a industria mudou-se para a economia digital a exclusão dos programas de computador tornou-se insustentável, e que a exclusão desapareceu na prática (o que pelo que vimos até aqui simplesmente não é verdade), os programas deveriam ser protegidos como tal, desconsiderando completamente a letra da CPE, cfr. Software and Patents in

Europe, cit. Saliente-se que o que aqui nos referimos como critério do IEP é o que resulta das

decisões das CTR e da decisão da Grande-Câmara de Recurso que as confirmou, e não a prática efetiva das Divisões de Exame do IEP. Se estas têm concedido patentes para além do critério que aqui nos referidos - e têm-no - consideramos que essas patentes podem ser inválidas, mas, saliente-se, tal não modifica o critério jurisprudencial das CTR conforme cristalizado nas

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invenção, com recurso ao conceito de técnica que se adote. Ou seja, visa distinguir objetos que têm carácter técnico, de objetos que não o têm. Não visa, pelo, contrário, distinguir várias formas de apresentação de um objeto que pode ter ou não carácter técnico.

Restam-nos assim, parece-nos, duas interpretações possíveis. Considerar os programas de computador suscetíveis de constituir uma invenção aqueles que realizam «um conjunto de tarefas predefinidas dirigidas a fenómenos tangíveis e não apenas informação», mantendo-se assim a noção de técnica tradicional,402 ou aqueles que produzam um «efeito técnico adicional», que, como vimos, é o critério do IEP. Estas duas interpretações são possíveis, pois, como vimos, o direito de patentes pode adotar o critério de técnica mais adequado, e não esvaziam a norma de conteúdo, pois operam distinções entre programas de computador, conferindo maior ou menor amplitude à restrição da exclusão composta pela expressão «como tal», sem irem além da letra da norma.

Adicionalmente, o critério do IEP, diga-se, não é verdadeiramente contraditório como defendem alguns autores. A distinção entre os efeitos técnico normais que resultam da interação normal entre o software e o hardware e os efeitos técnicos adicionais, mais não é do que afirmar que devido à natureza específica dos programas de computador, que resultam sempre, quando executados por um programa de computador em modificações físicas, estas não podem ser consideradas, ou, de outro modo, chegar-se-ia sempre à conclusão de que os programas de computador teriam carácter técnico. O que fez a CTR foi elevar a fasquia, criando um método de análise do carácter técnico próprio para os programas de computador, que permita distinguir um programa «como tal», de outro que não o seja.

402 Note-se que esta interpretação é defensável, apenas na medida em que exclua os efeitos tangíveis normais que ocorrem sempre que um programa é executado num computador, nem se baste com o facto de todos os programas serem dirigidos a uma entidade física programável. Se assim fosse, todo o conteúdo da norma que prevê a exclusão dos programas seria suprimido.

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A escolha entre as duas opções acima fixadas depende unicamente, parece-nos, de saber se o direito de patentes servirá para estimular a inovação apenas de programas de computador que realizam um conjunto de tarefas predefinidas dirigidas a fenómenos tangíveis, ou se servirá também para estimular a inovação dos programas de computador que produzam um «efeito técnico adicional».