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O critério do carácter técnico deveria ser substituído?

CAPÍTULO III A PATENTEABILIDADE DAS INVENÇÕES IMPLEMENTADAS POR

3. A crítica doutrinária ao critério do IEP

3.1. O critério do carácter técnico deveria ser substituído?

J. PILA defende, seguindo LADDIE J no caso Fujitsu Ltd's Application366 que as exclusões do art. 52º/2 da CPE teriam diferentes justificações políticas, e que delas não seria possível retirar um único conceito de invenção, considerando ainda que poucas exclusões teriam uma justificação óbvia, incluindo as criações estéticas. Para a autora, se a justificação comum seria a sua proteção pelo direito de autor, o que discordamos, nem todas as criações estéticas seriam protegidas pelo direito de autor, e as que o são são-no como obras e não como invenções, o que levantaria a questão de saber o que significa proteger algo como uma invenção. O problema seria, para a autora, a dificuldade de retirar algum sentido do art. 52º/2 e 3 da CPE sem uma ideia pré-concebida do que é uma invenção.367 A autora firma depois a premissa de que dos trabalhos preparatório da CPE resultava que a intenção teria sido a harmonização com as regras do PCT, como acima visto, e de que sobre a opinião efetiva dos criadores da Convenção, apenas poderia ser retirado daqueles trabalhos que não tinham um claro entendimento, em primeiro lugar, sobre a relação entre a exigência de uma invenção e os requisitos do carácter industrial, progresso tecnológico, carácter técnico e razões de ordem publica, e em segundo lugar, sobre a inerente patenteabilidade dos programas de computador, das variedades de plantas e animais e os métodos de tratamento médico e veterinário. Com base nesta premissa apresenta depois a conclusão de que não se poderia dizer que fosse a intenção dos criadores da CPE,

366 Fujitsu Ltd's Application, England and Wales Court of Appeal, de 6 de março de 1997. 367 Cfr. Justine Pila, «On the European Requirement for an Invention», IIC, 2010, pp. 911 e 912.

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que uma noção de invenção pudesse explicar todas as exclusões. Defende então que, ao contrário do que tem lugar na prática do IEP, não seria possível explicar todas as exclusões com recurso ao conceito de carácter técnico.368

A autora apresenta depois a sua ideia de invenção, que deveria substituir o carácter técnico, como «uma ação humana no mundo físico que produza um resultado objetivamente discernível, dirigido ao avanço das industrial arts», em que «industrial arts» significaria o artesanato e outras atividades industriais, distintas das, entre outras, “artes” civis, políticas, belas-Artes, administrativas e profissionais. Esta definição encontraria apoio em quatro bases: favoreceria os objetivos centrais do sistema de patentes; explicaria a jurisprudência passada e atual; melhoraria a coerência teórica e doutrinária; e apoiaria a europeização pois teria suporte na história e filosofia da tecnologia e ciência.369

Baseia-se essencialmente a autora na noção de que a finalidade do sistema de patentes seria a compensação de contributos às industrial arts. Tal finalidade estaria assente, por exemplo, na Convenção de Paris que classifica a patente como direito industrial e resultaria ainda, novamente, dos trabalhos preparatórios da CPE.

Já em relação aos programas de computador considera que são inerentemente patenteáveis, pois envolveriam um método humano de operar no mundo físico, o computador, e desde que o programa produza um resultado objetivamente discernível dirigido ao avanço das industrial arts, não haveria justificação para a sua exclusão, pelo que deveriam ser eliminados da norma que a prevê.370

Discordamos desta posição. Por um lado não resulta do art. 52º da CPE que as exclusões tenham fundamentos diferentes. Resulta, pelo contrário, da própria

368 Cfr. Justine Pila, «On the European Requirement for an Invention», cit., pp. 912 e 13. 369 Cfr. Ibidem, pp. 914 e ss.

370 Cfr. Ibidem, pp. 923 e ss. Parece-nos que se a autora chega à conclusão de que a sua definição de invenção é contrária à norma que exclui os programas do conceito de invenção, então a sua definição contradiz a norma, sendo mais um recomendação do que uma verdadeira interpretação daquela.

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letra do artigo que o propósito é delimitar negativamente o conceito de invenção. Há ainda o argumento sistemático. Foi criado o art. 53º para as exceções à patenteabilidade. Ainda que se defenda que havia dúvidas por parte dos criadores da Convenção quanto à inerente patenteabilidade das matérias objeto de exceção, a sua colocação num artigo específico, o art. 53º, demonstra precisamente que a sua não proteção nada tem que ver com a sua suscetibilidade de constituir uma invenção, mas outros fundamentos. Pelo contrário, as matérias excluídas pelo art. 52º só podem ter por fundamento a sua insuscetibilidade por natureza de constituírem uma invenção. Se não são pela sua natureza suscetíveis de constituir uma invenção têm de ter em comum uma característica ou a falta de uma característica, que as distingue das invenções.

Adicionalmente, há ainda o elemento histórico. O surgimento de alíneas com a previsão de matérias excluídas teve precisamente a finalidade de delimitar negativamente a noção de invenção. No entanto, como foi acima referido, tendo em consideração que a letra final das alíneas resultou da opção de harmonização face às normas do PCT, é possível que o elemento comum das matérias excluídas do qual resultaria o conceito de invenção não esteja presente nalguma das categorias excluídas. Voltaremos a esta questão mais tarde.

Mas o elemento histórico não se fica por aqui. Há ainda a revisão à Convenção. Como vimos, no parágrafo 4 da Basic proposal for the revision of the EPC é afirmado que a matéria reivindicada tem de ter carácter técnico ou envolver um

ensinamento técnico, ou seja «uma instrução dirigida ao perito sobre como

resolver um particular problema técnico usando particulares meios técnicos». É então a tecnicidade que distingue uma invenção das matérias excluídas. A substituição do critério da tecnicidade pelas «industrial arts» teria por fundamento, essencialmente, a função do direito de patente de incentivar o surgimento de invenções dirigidas àquelas, e tal poderia ser retirado da consideração do direito de patente pela Convenção de Paris como um direito

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industrial, e dos trabalhos preparatórios da CPE. Contudo, resulta da própria letra da Convenção que as patentes deverão ser concedidas em «todos os domínios da tecnologia». Assim, a finalidade do direito de patente é incentivar o surgimento de invenções em todos os domínios da tecnologia e não no domínio das industrial arts.

Julgamos ainda poder acrescentar outro argumento. O conceito de técnica é transversal ao Direito Industrial. Aparece, por exemplo, no art. 7º/, e) do Regulamento da marca da União Europeia,371 a propósito dos motivos absolutos de recusa, em que se prevê que a marca não pode ser exclusivamente composta «pela forma ou por outra característica dos produtos necessária para obter um

resultado técnico»,372 e no art. 8º do Regulamento relativo aos desenhos ou modelos comunitários,373 em que se prevê que as «características da aparência de um produto determinadas exclusivamente pela sua função técnica não são suscetíveis de proteção como desenhos ou modelos comunitários.»374

Outros elementos literais fundamentam ainda a tecnicidade. O RECPE375 prevê que a descrição, no pedido de patente, deve precisar o domínio técnico a que se refere a invenção376 e expor a invenção, tal como é caracterizada nas reivindicações, em termos que permitam a compreensão do problema técnico,377

371 Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho sobre a marca comunitária, com a redação que resulta do Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2015 que altera o Regulamento (CE) n.º 207/2009 do Conselho sobre a marca comunitária e o Regulamento (CE) n.º 2868/95 da Comissão relativo à execução do Regulamento (CE) n.º 40/94 do Conselho sobre a marca comunitária, e que revoga o Regulamento (CE) n.º 2869/95 da Comissão relativo às taxas a pagar ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), JO L 341 de 24.12.2015, pp. 21 e ss.

372 E também na norma correspondente do CPI, o art. 223º/1, b).

373 Regulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários, JO L 003 de 05.01.2002, pp. 1 e ss.

374 A norma do CPI correspondente é a prevista no art.176º/6, a).

375 Regulamento de Execução da Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, de 5 de Outubro de 1973, tal como modificado por decisão do Conselho de Administração da Organização Europeia de Patentes de 13 de Dezembro de 2001. As normas correspondentes em Portugal podem ser encontradas no Despacho n.º 3571/2014, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., Regulamentação dos requisitos formais dos requerimentos e dos documentos de instrução dos pedidos de concessão de direitos de propriedade industrial, de 25 de fevereiro de 2014, DR, 2.ª série, Nº 46, de 06.03.2014, p. 6391.

376 Cfr. Regra 27/1, a). 377 Cfr. Regra 27/1, c).

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e que as reivindicações «devem definir, indicando as características técnicas da invenção, o objeto do pedido para o qual a proteção é pedida.»378 O carácter técnico está ainda presente no conceito de estado da técnica.

Assim, consideramos que não há suporte para afastar o carácter técnico como critério de distinção de uma invenção de outras realidades. Nestes termos, uma invenção é uma solução técnica para um problema técnico.379

Assim, qualquer uma das matérias excluídas nas várias alíneas do n.º 2 do art. 52º da CPE deverá ser considerada «como tal» quando não constitua uma solução técnica para um problema técnico. Nestes termos, a finalidade da norma é divulgar e disseminar informação científico-tecnológica e promover a inovação de programas de computador que possam constituir uma solução técnica para um problema técnico.

Se o critério do carácter técnico não deve ser afastado, poderemos ainda encontrar críticas ao modo como é aplicado e à extensão que é dada ao conceito de tecnicidade.

378 Cfr. Regra 29/1. Sobre o tema v. J. P. Remédio Marques, «O conteúdo dos pedidos de patente: a descrição do invento e a importância das reivindicações: algumas notas», O Direito IV, 2007, pp. 769 e ss.

379 Também assim, entre outros autores, Luís Couto Gonçalves, «A patente de invenção e a noção de técnica», Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de

Lisboa, Almedina, Coimbra, 2008, p. 289, José de Oliveira Ascensão, Direito comercial, 2º v.: Direito industrial, 1994, p. 233, que distingue a descoberta da invenção, por esta se tratar de uma

«solução de um problema técnico», e J. P. Remédio Marques, que define invenção como a «solução técnica de um problema técnico, que implica a actuação de regras técnicas (ou de efeitos técnicos) relativamente a um produto ou a uma atividade (um processo), suscetíveis de serem realizáveis ou executáveis de uma maneira constante, tantas vezes quantas as necessárias, por forma a satisfazer necessidades humanas», em J. P. Remédio Marques, Biotecnologia(s) e Propriedade

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3.2. Como deve ser interpretado o critério de tecnicidade?