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Para muitos, passa-se despercebido que o Código Tributário Nacional de 1966 não usa a mesma expressão que o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002 utilizam em seus conceitos legais de transação: “terminação de litígio”.

Neste sentido, cabe salientar que a redação dos arts. 1.025 do Código Civil de 1916 e 840 do Código Civil vigente possuem redação idêntica, mas que diferem fundamentalmente da redação do art. 171 do CTN quando trata da

67 GRILLO, op. cit., p. 198-199.

68 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 17. ed. atualizada até

transação em matéria tributária. Eis a redação dos dispositivos civis, respectivamente:

Art. 1.025 - É lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas. (grifo nosso).

Art. 840 - É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas. (grifo nosso).

O art. 171 do CTN, com propriedade, estabelece:

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. (grifo nosso).

Sobre o significado do termo “determinação de litígio”, Nadja de Araújo pondera que, ao contrário do que apregoado por parcela da doutrina, a sutileza na diferença da grafia não corresponde à diferença da ação determinada no dispositivo:

A determinação de litígio como a finalidade positivada para a transação no direito tributário, em geral, é interpretada como ‘erro de digitação da lei’. Editores que reproduzem o texto do Código Tributário Nacional acrescentam notas de esclarecimento ao Art. 171 para indicar a palavra ‘terminação’ como o signo supostamente correto. (...) Uma primeira explicação (semântica) para a utilização da palavra ‘determinação’ na redação do Art. 171, CTN, leva à indicação de que a finalidade a ser considerada na (des)autorização da transação deve ser a busca de uma decisão, a resolução, o encerramento de litígio tributário. É esse o sentido adotado pelos editores do Código Tributário Nacional como fundamento para a usual ‘nota de correção’ do texto legal. Contudo, é preciso atentar para as acepções indicativas de conformação, delimitação da solução da contenda. A edição do ato administrativo prévio ao acordo deve ser resultado de ponderações acerca do litígio. Trata-se de avaliar seus elementos em face das soluções admissíveis, de modo a indicar a conclusão que melhor atenda aos interesses públicos na espécie. Com isso, é delimitado o âmbito para atuação do agente administrativo em interação com o sujeito passivo. Ademais, determinar o litígio pode indicar a discussão sobre a incerteza (subjetiva) até sua elucidação pela compreensão recíproca entre os litigantes. Nessa perspectiva, a transação envolveria a eliminação da imprecisão que gerou a polêmica entre as

partes, solucionando o litígio que esteja em processamento administrativo ou judicial.69

Dessa forma, a permissão contida na norma do art. 171, do CTN, é para que o legislador ordinário, mediante procedimento de transação, permita a decisão a respeito de litígio, por meio de concessões mútuas das quais resultem a pacificação consensual de interesses que permitam a extinção do crédito tributário. Portanto, em matéria tributária, não pode existir transação onde não existe litígio.

Dessa forma, estamos com Hugo de Brito Machado (2012, p. 222) quando expressa entendimento de que:

Só mediante autorização legal autoridade competente pode autorizara transação em cada caso (CTN, art. 171, parágrafo único). E não pode haver transação para prevenir litígio. Só depois de instaurado este, é possível a transação. Tanto como no Direito privado a transação é um acordo, que se caracteriza pela ocorrência de concessões mútuas. Mas no Direito Tributário a transação (a) depende sempre de previsão legal; e (b) não pode ter objetivo de evitar litígio, só sendo possível depois da instauração deste. As razões dessa diferença são bastante simples. Se o agente do Estado pudesse transigir sem autorização legal, estaria destruída a própria estrutura jurídica deste. Por outro lado, não sendo a transação forma comum de extinção do crédito tributário, nada justifica sua

permissão a não ser nos casos em que efetivamente exista um litígio.70

Em consonância com tal posicionamento, Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 412) assevera:

Ao contrário do que sucede no direito civil, em que a transação tanto previne como termina o litígio, nos quadrantes do direito tributário só se admite a transação terminativa. Há de existir litígio para que as partes, compondo seus mútuos interesses, transijam. Agora, divergem os autores a propósito das proporções semânticas do vocábulo litígio. Querem alguns que se trate de conflito de interesses deduzido judicialmente, ao passo que outros estendem a acepção a ponto de abranger as controvérsias meramente administrativas. Em tese, concordamos com a segunda alternativa. O legislador do Código não primou pela rigorosa observância das expressões técnicas, e não vemos por que o entendimento mais largo

viria em detrimento do instituto ou da racionalidade do sistema.71

Assim, por mais que alguns ilustrados autores invoquem o princípio da eficiência, disposto no art. 37 do Texto Constitucional como meio a se justificar a

69 ARAÚJO, op. cit., p. 100-102.

70 MACHADO, op. cit., p. 222.

utilização da via da transação como meio de se prevenir potenciais conflitos72, temos que em nome dele não esteja o legislador ordinário autorizado a afrontar norma cuja força normativa é estabelecida pela própria constituição, e que limita sua competência a regular transações, somente quando da existência de litígios e não para a prevenção deles.

Daí não se poder, em tema de direito tributário nacional, falar em transação enquanto medida preventiva de litígios. No Brasil, para que haja transação em tema de direito tributário, há de haver litígio formado, ou seja, pretensão do fisco resistida pelo sujeito passivo, ou do sujeito passivo resistida pelo fisco.

Questiona-se se a amplitude semântica da palavra litígio abrangeria somente questões judicializadas perante os órgãos do Poder Judiciário ou se se estenderia para as controvérsias deduzidas em procedimentos administrativos tributários. Estamos com a posição firmada, dentre outros, por Hugo de Brito Machado já citada de que, independente da instância, seja judicial ou não, poderá ser utilizado tal procedimento terminativo de conflito, se tal for aceito pela lei específica a ser editada.

No mais, não se pode deixar de registrar a observação feita por Anna Carla Duarte Chrispim: “Não se afirma aqui que este comportamento dialógico da administração, quando adotado na via administrativa, não possa tornar-se, por si, preventivo do estabelecimento de litígios na via judicial, ou da prorrogação de litígios em ambas as vias”73.

Repise-se: o que não se permite é a utilização da transação sem que seja constatado o litígio entre sujeito ativo e passivo da obrigação tributária, litígio esse que seja prévio à instalação do procedimento de transação, por ser manifestamente contrário à norma do CTN.

72O litígio tributário, efetivo ou potencial pode ser resolvido por meio de transação preventiva ou

terminativa. Em homenagem à eficiência administrativa, perante um potencial conflito, o Fisco não tem que esperar que esse se instale para poder solucioná-lo com a mesma decisão que poderia

preventivamente ser abraçada”. (BATISTA JÚNIOR, op. cit. p. 414).